Não é lenda e tampouco fantasia. Religiosamente, Branquinha estava toda semana na basílica do Pilar, às 7h, para ouvir o primeiro sermão do dia. A passos lentos, reflexo da idade já avançada e de uma barriga nada discreta, a cadela caminhava solitária rumo à capela. Aos domingos, o compromisso era dobrado. Depois de acompanhar a celebração no bairro Pilar, ela ainda participava da missa na Igreja Bom Jesus de Matosinhos. Tal comportamento ainda é um mistério. A cachorra nunca fora ensinada a frequentar eventos religiosos. "Não existe uma explicação para ela ter comparecido à igreja. Eu fico admirado porque ela sabia quando era domingo. Acho que era uma coisa de instinto mesmo", afirma o padre Marcelo Santiago, pároco da igreja do Pilar.
A relação de afeto entre a cadela e os moradores do Pilar durou oito anos. Branquinha era um animal de rua que costumava frequentar as redondezas do bairro, um dos mais tradicionais de Ouro Preto. A constante presença da vira-lata a transformou no xodó da comunidade e lhe rendeu até um lar. A aposentada Ivana Bandeira, de 61 anos, se apegou tanto que acabou adotando a cachorra como membro da família. Branquinha recebeu cuidados especiais, que incluíam dieta balanceada e visitas à clínica veterinária. Ivana ainda sofre ao lembrar-se do mascote. "Estou extremamente triste com a morte da Branquinha. Ainda não estou preparada para contar as histórias dela", diz, emocionada, a aposentada.
Depois das tradicionais missas, a cadela costumava dar uma voltinha no entorno da igreja e se aquietava em uma cachaçaria na praça Tiradentes, no centro de Ouro Preto. Ela já havia se acostumado a passar o tempo na porta do estabelecimento, que, originalmente, se situava no bairro Pilar, ao lado da casa de Branquinha. O comércio mudou de lugar, mas o costume foi mantido. A presença da vira-lata era motivo de festa para funcionários e clientes. "Ela recebia muito carinho do pessoal. Todo mundo queria chegar e acariciá-la. Ela faz falta porque a gente estava acostumada com a presença dela", conta Juliana Mendes, vendedora da loja.
Quando o sol já estava se pondo, e a tarde caía, estava na hora de Branquinha voltar para casa. Prontamente, Ivana fazia uma ligação e, em poucos minutos, lá estava um taxi, em frente à cachaçaria, esperando pela cadela. Com a ajuda do motorista, a ilustre ouropretana era colocada dentro do veículo e seguia feliz em seu último passeio do dia. A cada corrida da cachorra, Ivana desembolsava cerca de R$ 15 – valor irrisório comparado ao prazer de ter a "gorducha" de volta.
Branquinha morreu no dia 8 de agosto de 2014, com cerca de 16 anos. Ela se despediu na praça Tiradentes, onde passeava costumeiramente. Sem sofrimento e aparentemente sem dor, acredita-se que ela tenha morrido por complicações cardíacas. "Lamentamos a morte de Branquinha, porque ela entrou nesse universo de causos de Ouro Preto. A cadela marcou a história dessa cidade, e acredito que outro animal não vai ocupar esse espaço", diz o padre Marcelo.
O xodó do bairro Pilar ainda foi protagonista de um documentário produzido pelo fotógrafo Lucas Godoy. No final de 2012, o curta foi exibido para toda a comunidade no salão paroquial do Pilar.
Para quem deseja conhecer ou matar a saudade da vira-lata, pode assistir, abaixo, o filme, na íntegra: