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Estado de Minas EXCLUSIVO

Saúde gera mais de 70 ações por dia na Justiça mineira

Usuários do SUS e dos planos particulares buscam, judicialmente, medicamentos e procedimentos negados ou inexistentes no Brasil


postado em 30/05/2019 13:55 / atualizado em 31/05/2019 15:30

Levantamento realizado pelo TJMG aponta que a chamada judicialização da saúde gerou mais de 58 mil processos em apenas dois anos(foto: Pixabay)
Levantamento realizado pelo TJMG aponta que a chamada judicialização da saúde gerou mais de 58 mil processos em apenas dois anos (foto: Pixabay)
A impressão é que existe um abismo entre os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) e dos planos de saúde pagos. De fato, há um conforto maior para quem pode pagar por um atendimento médico, uma vez que, nesse caso, os hospitais e clínicas são mais bem estruturados e o tempo de espera para ser atendido, geralmente, é bem menor.

Mas uma coisa tem unido esses dois grupos de pessoas. Um levantamento realizado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) mostra que, tanto quem utiliza o SUS, quanto quem possui um plano de saúde, têm recorrido intensamente à Justiça para conseguir acesso a medicamentos e tratamentos negados ou inexistentes nos sistemas público e privado brasileiros. Isso é tão recorrente que ganhou um nome: judicialização da saúde.

No ano passado, de acordo com o TJMG, foram aproximadamente 13 mil ações contra o SUS, somados os casos na justiça comum e nos juizados especiais de Minas Gerais. No mesmo período, foram quase 14,5 mil processos contra os planos de saúde. No total, uma média de mais 75 ações por dia.

Em 2017, os números foram ainda maiores, em comparação com 2018. Somados os casos na justiça comum e nos juizados especiais, foram 14,5 mil processos contra o sistema público de saúde e 16,4 mil contra os planos particulares, alcançando mais de 84 ações por dia, em média.

Os motivos dos processos são diversos, segundo o Tribunal: medicamentos, vagas para internação hospitalar, autorizações para cirurgias, exames e colocação de próteses.

Na opinião do desembargador Newton Teixeira Carvalho, superintendente de saúde do TJMG, a queda na quantidade de processos de 2017 para 2018 deve-se a fatores como conscientização e jurisprudência.

"Pacientes e seus advogados estão mais conscientes para não requererem desnecessariamente medicamentos ou internações, e os planos de saúde já não negam mais serviços que foram alvo de ações anteriores onde a decisão, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi favorável ao cliente. Afinal, negar um procedimento que já foi liberado anteriormente, ou ingressar com um pedido que já foi negado em outro caso no STJ, não é um ato muito inteligente, uma vez que as decisões geralmente são semelhantes e quem perde a ação deve arcar com as verbas honorárias relativas ao processo", explica o desembargador do TJMG à Encontro.

Fraudes

Entretanto, o magistrado lamenta que ainda existam muitas fraudes nessas ações judiciais. Ele cita, como exemplo, o fato de que há processos idênticos pleiteados por um mesmo advogado.

"A Corregedoria de Justiça tem um departamento próprio para análise de demandas idênticas e outras irregularidades, norteando também as providências necessárias. Além disso, o próprio juiz da causa pode denunciar os advogados à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e médicos ao Conselho Regional de Medicina (CRM). Quando há indício de crime, o Ministério Público pode instaurar inquérito e oferecer denúncia para que seja uma ação penal contra os envolvidos nesse tipo de problema", esclarece Newton Teixeira Carvalho.

O desembargador destaca que, mesmo com um número alto de fraudes existentes, a Justiça não deve generalizar supondo que todos que ajuízam ações relacionadas à saúde são desonestos, pois isso pode dificultar ou retardar processos que podem salvar vidas.

Urgência

Obviamente, quem ingressa com uma ação judicial pleiteando algo relativo à saúde quase sempre precisa que o caso seja solucionado urgentemente. Porém, é sabido que os processos na Justiça precisam seguir uma tramitação que, muitas vezes, é lenta.

Sendo assim, nesses casos pode ser aplicada uma técnica conhecida na linguagem jurídica como antecipação de tutela, que permite ao juiz antecipar os efeitos da sentença já no começo do processo. Deste modo, o que está sendo pedido na ação já pode ser concedido imediatamente.

"Para que isso aconteça, a petição inicial deve vir acompanhada de um relatório médico detalhado demonstrando a necessidade. Assim, o juiz pode decidir mesmo sem precisar ouvir a parte contrária de imediato. Isso é importante porque evita uma possível demora que pode implicar, até mesmo, na morte do paciente", explica Newton Teixeira de Carvalho.

Apoio técnico

Com a alta demanda de ações relativas à saúde, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou, em 2010, o Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde, visando decisões justas e garantia do direito constitucional à saúde, além de evitar prejuízos às contas públicas. Com isso, foram criadas regras sugerindo às cortes judiciais que mantenham meios para apoiar os juízes nas decisões.
 
O TJMG, por exemplo, possui um banco de dados online com informações técnicas disponíveis para os magistrados. Além disso, a corte utiliza o Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (Nat-Jus), um grupo de trabalho responsável por elaborar pareceres com evidências científicas para embasar as decisões dos juízes.

Entretanto, de acordo com o desembargador Newton Teixeira Carvalho, recorrer ao apoio técnico não é uma obrigação dos magistrados. "Considerando que o Código de Processo Civil já dá os caminhos a seguir para os casos de antecipação de tutela, não é correto criar obstáculos não previstos na legislação federal", analisa.

Medicamentos de alto custo e para doenças raras

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, em casos excepcionais, o poder público é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo, mesmo aqueles que não têm registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, para que o remédio seja fornecido é necessário que ele, ao menos, tenha um pedido de registro no órgão e que a Anvisa esteja demorando mais que 365 dias (tempo previsto na lei) para decidir.

Já com relação aos medicamentos para tratar doenças consideradas raras e ultrarraras não será exigido registro, nem pedido de registro, na Anvisa, uma vez que muitos laboratórios não solicitam registro no Brasil por considerar que não é viável economicamente.

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