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Estado de Minas CULTURA | MúSICA

Os bambas do Caiçaras

Casas e grupos de samba de raiz e chorinho mantêm a tradição musical do bairro, reduto de amantes da boa música que atrai gente de todos os cantos da cidade


postado em 18/11/2013 14:09 / atualizado em 18/11/2013 14:43

Ausier Vinícius, do Pedacinhos do Céu: um dos especialistas quando o assunto é chorinho, já foi visitado até pelo ex-presidente Lula(foto: Samuel Gê)
Ausier Vinícius, do Pedacinhos do Céu: um dos especialistas quando o assunto é chorinho, já foi visitado até pelo ex-presidente Lula (foto: Samuel Gê)

Já dizia o poeta Dorival Caymmi que "quem não gosta de samba, bom sujeito não é; é ruim da cabeça ou doente do pé". E no Caiçaras isso é levado a sério, mesmo que, à primeira vista, não se imagine a fama musical do bairro, com suas ruas residenciais e tranquilas. Mas é só perguntar a qualquer morador sobre os pontos de encontro de samba de raiz e chorinho na região para perceber que os acordes de percussão, cavaquinho e violão, entre outros, fazem parte do dia a dia local. A identidade se fortaleceu tanto que, além dos apreciadores da capital, gente do mundo inteiro vem conferir de perto esse cenário cheio de talento e animação.
 
É desde a década de 1980 que vêm se estabelecendo no Caiçaras os primeiros grupos e casas do gênero, com o bom e tradicional toque mineiro, que, claro, não poderia ficar de fora. Nos bares, ambientes acolhedores e comida de boteco de qualidade. Na programação, homenagens frequentes a músicos que fizeram e ainda fazem história com suas composições, habitando a memória dos apaixonados pelo estilo. "Aê, moçada do Caiçara!", já convoca logo na primeira frase o sambista Ronaldo "Coisa Nossa" em sua faixa Sob o Signo do Samba, do álbum de mesmo nome. Como o estilo celebra a felicidade e o amor, ao mesmo tempo que retrata as realidades do cotidiano, foi reivindicando melhorias para a região que ele, em 1982, lançou o bloco carnavalesco É Coisa Nossa, para atrair a atenção dos políticos e mobilizar a população. "Quando me mudei para o Caiçaras, em uma época ainda carente de asfaltamento e tratamento de água e esgoto, resolvi juntar o útil ao agradável com as marchinhas de carnaval", explica. Deu certo e aos poucos as mudanças foram acontecendo, com novos desfiles e o desenvolvimento do local. Anos depois, já na década de 1990, sua ligação com a música ganhou mais destaque com a inauguração de seu bar, o Del Rangos, que logo viraria o Opção, tradicional reduto do samba até hoje muito frequentado na capital. O espaço foi crescendo, sempre aberto à participação de novos músicos, além de acomodar um estúdio para gravações no subsolo. Lá também foi gravado o álbum Gotas, e mais outros dois estão previstos para este ano. "Escrevo todos os dias, a qualquer hora. Tenho mais de 400 músicas arquivadas em meu estúdio e estou sempre presenteando amigos para gravarem novas canções. São mais de 40 anos em contato com a música e a poesia", salienta.

Disputa nacional: Fernando Carvalho, que começou a tocar cavaquinho ao 13 anos, tentou vencer cantores de todo o Brasil no concorrido The Voice(foto: Geraldo Goulart)
Disputa nacional: Fernando Carvalho, que começou a tocar cavaquinho ao 13 anos, tentou vencer cantores de todo o Brasil no concorrido The Voice (foto: Geraldo Goulart)

Não muito longe dali, o cavaquinho e o talento do músico Waldyr Azevedo serviram de inspiração para outra emblemática casa de samba no Caiçaras, o Pedacinhos do Céu, de Ausier Vinícius. O nome vem de um famoso choro de Azevedo, assumidamente seu favorito, dedicado às filhas: "És para mim um formoso troféu, vejo em ti pedacinhos do céu…". O interesse por samba e chorinho veio do avô, que tocava clarinete em uma banda em Peçanha, sua cidade natal. "Eu tinha 7 anos e ele me deu um cavaquinho de presente, depois, aos 10, veio o violão e daí não parei mais", conta. Já morando em Belo Horizonte, largou a carreira em um banco para se dedicar à paixão por música e inaugurou o bar em 1995, com a emoção de contar com a presença de Olinda Azevedo, viúva do homenageado. Desde então, recebe uma enorme quantidade de artistas, celebridades, amantes da música e turistas. O que mais chama a atenção no espaço são os quadros e caricaturas na parede que retratam as visitas ilustres, que vão do ex-presidente Lula ao flautista Altamiro Carrilho. "Me orgulho por colaborar para o Caiçaras se destacar pelo samba e chorinho e também por ver as crianças tendo contato com a música desde cedo, como eu tive. Fico emocionado com tantas pessoas de outros lugares, às vezes de tão longe, que vêm conhecer a nossa cultura. Isso não tem preço", enfatiza. 

Quem acompanha a cena musical na capital, com certeza, também já ouviu falar no "Cartola". O bar, que homenageia um dos maiores compositores do Brasil, existe há 18 anos em BH, no comando da cantora Solange Leite, filha de músicos. Por lá, grupos nasceram e se consagraram, grandes nomes se apresentaram, tornando-se uma referência importante para a identidade do Caiçaras. O percussionista Rubens Costa é um dos frequentadores assíduos que viu no Cartola a certeza de querer seguir a carreira. "De apreciador e ativador cultural passei a tocar profissionalmente, de tanto frequentar. O bairro é muito rico culturalmente, sempre tem uma roda de samba e de choro acontecendo", explica ele, que, dentre outros, está há 10 anos se apresentando na capital com o grupo Piolhos de Cobra. O bar está passando por um recesso, mas Solange diz que deve reabri-lo em alguns meses. 

As apostas para o futuro da música no Caiçaras são positivas. Manter a tradição do lazer e das manifestações culturais é o que Anderson Gonçalves, jornalista e editor do site mineiro Ocê No Samba, acredita. "O potencial continua enorme e com certeza ainda vai ter muita história para contar. O público e músicos de todas as partes da cidade sentem-se acolhidos na região e à vontade para participar das rodas de choro, pela simples vontade de tocar com os amigos e compartilhar o momento. Também percebo que teremos um crescimento no interesse pelo samba, vindo de várias idades e meios”, explica. Ele cita como um importante acontecimento na cidade o Festival do Choro, ocorrido no mês de abril pela primeira vez na capital, depois de inaugurar na cidade de Paraty, no estado do Rio de Janeiro, e seguir para a cidade mineira de Itaúna.

Ronaldo
Ronaldo "Coisa Nossa", dono do Opção: dois álbuns lançados, mais dois no forno e outras 400 músicas guardadas em estúdio (foto: Samuel Gê)
 
E por falar em outras terras, fora das fronteiras da cidade, um jovem destaque musical do bairro já tentou conquistar um lugar na televisão brasileira. O cantor Fernando Carvalho, de apenas 28 anos, participou de um processo de seleção para o programa The Voice Brasil, transmitido pela Rede Globo e famoso por revelar novos talentos. Mesmo não tendo avançado na atração, ele diz que se sente feliz por ter participado. Assim como seus companheiros de bairro, aos 13 anos, já tocava percurssão e cavaquinho. Aos 15, participou de um grupo de músicos mirins e logo começou a cantar no grupo Samba de Empório. Foi então que nasceu sua vontade de seguir carreira solo, agora já se apresentando em casas noturnas e eventos particulares. "Estou animado com as novas oportunidades que têm aparecido", comemora ele, que tem também participação confirmada em uma faixa do novo álbum do vizinho Ronaldo "Coisa Nossa", do Opção. E como já diria Beth Carvalho, sambista ícone de toda a geração, "o samba não é só um ritmo, é a identidade cultural brasileira". E isso o Caiçaras sabe representar como ninguém.

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