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Estado de Minas LITERATURA

Guimarães Rosa e Manuelzão: a amizade de oito dias que gerou uma obra de 60 anos

Saiba como um vaqueiro do interior de Minas ajudou a construir Grande Sertão: Veredas, uma das principais obras da literatura brasileira


postado em 19/07/2016 12:24

A amizade que surgiu entre o vaqueiro Manuelzão (esq.) e o escritor João Guimarães Rosa foi além da viagem pelo interior de Minas e culminou na grande obra Grande Sertão: Veredas(foto: D.A Press/Divulgação e Joao Martins/O Cruzeiro/EM/D.A Press)
A amizade que surgiu entre o vaqueiro Manuelzão (esq.) e o escritor João Guimarães Rosa foi além da viagem pelo interior de Minas e culminou na grande obra Grande Sertão: Veredas (foto: D.A Press/Divulgação e Joao Martins/O Cruzeiro/EM/D.A Press)
Lá se vão 60 anos desde que o sertão mineiro ganhou o mundo pela literatura de Guimarães Rosa. Mas Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile, publicados em 1956, podem na verdade ter nascido quatro anos antes, quando o escritor mineiro organizou uma boiada para entender melhor a cultura sertaneja. Nessa aventura, Guimarães Rosa registrou lugares, palavras, expressões e personagens. Entre tantos vaqueiros que se juntaram à empreitada, um pode ter sido definitivo para as obras roseanas: Manuelzão.

A cruzada teve origem na Fazenda Sirga, a 60 km de Andrequicé, distrito de Três Marias, no norte de Minas Gerais, onde Manuelzão viveu seus últimos 20 anos. Dez dias depois, o ponto de chegada foi uma fazenda em Araçaí (MG), município vizinho a Cordisburgo (MG), cidade natal de Guimarães Rosa.

A revista Cruzeiro, dos Diários Associados, publicou um relato da expedição na reportagem Rosa e seus vaqueiros, em 21 de junho de 1952. Nas fotos, Manuelzão está entre o grupo. Em sua homenagem, o escritor mineiro escreveu o conto Uma Estória de Amor, do livro Corpo de Baile, que posteriormente foi desmembrado em três volumes: Manuelzão e Miguilim, No Urubuquaquá, no Pinhém e Noites do Sertão.
A pequena cidade de Andrequicé, distrito de Três Marias, no norte de Minas Gerais, celebra todos os anos seu filho mais ilustre: o vaqueiro Manuelzão, personagem de Guimarães Rosa(foto: Léo Rodrigues/Agência Brasil/Divulgação)
A pequena cidade de Andrequicé, distrito de Três Marias, no norte de Minas Gerais, celebra todos os anos seu filho mais ilustre: o vaqueiro Manuelzão, personagem de Guimarães Rosa (foto: Léo Rodrigues/Agência Brasil/Divulgação)

Manuelzão é o protagonista do primeiro volume: após a morte de sua mãe, o vaqueiro resolve atender a um pedido dela para que fosse construída uma capela em suas terras e a obra é inaugurada com uma grande festa. Guimarães Rosa mescla realidade e ficção: assim como o personagem, a capela existe e ao seu lado está o túmulo de sua mãe. Já a festa é romanceada.

Das páginas do conto, Manuelzão se tornou talvez o principal embaixador da obra roseana. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) o homenageou criando o Projeto Manuelzão, destinado à recuperação do Rio das Velhas. O vaqueiro foi a diversos programas de televisão e atuou em uma cena do capítulo inaugural da série Grande Sertão: Veredas, levado ao ar pela Rede Globo em 1985. Morto em 1997, seu enterro mobilizou centenas de pessoas.

Em Andrequicé, Manuelzão é conhecido como o cidadão mais ilustre que viveu no distrito. Em torno dele e de Guimarães Rosa se organiza anualmente a Semana Cultural Festa de Manuelzão, cuja edição de 2016 terminou no domingo, dia 17 de julho. Famoso contador de casos, o vaqueiro está em fotos nas paredes de praticamente todos os bares do pequeno distrito. "Ele era uma pessoa humilde, contadora de casos. Mesmo a figura dele rodando o mundo, ele não se importava com dinheiro. Se convidavam Manuelzão pra um evento em Brasília e perguntavam quanto ele cobraria, ele respondia: 'nada, estou indo passear'. Manuelzão deixou um legado para Andrequicé", diz Márcia Alves, dona de um dos bares que homenageiam o vaqueiro personagem.

O Memorial Manuelzão, construído na casa onde ele morou em Andrequicé, reúne pertences pessoais e documentos sobre sua relação com Guimarães Rosa. Assim como o escritor, ele também tem frases marcantes que são citadas pelos moradores: "Não tenho medo da morte porque sei que vou morrer. Tenho medo do amor falso, porque mata sem Deus querer", dizia sempre o eterno personagem roseano.

(com Agência Brasil)

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