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Estado de Minas

O pai


postado em 10/08/2011 10:24

Ponha-se no lugar de um editor, diante da decisão de ter de escalar um repórter para fazer uma matéria especial sobre Pais. Assim mesmo, com maiúscula, como se Deus fossem – e talvez sejam mesmo, para cada um de nós. O tema requer sensibilidade e capacidade de compreender emoções e saber traduzi-las em palavras. Necessário, portanto, um profissional de excelência. Seria importante alguém que tenha tido uma boa história de vida com seu pai, ou isso seria indiferente? Em tese, indiferente. Profissionais do jornalismo devem ser preparados para separar a emoção da razão, quando se trata de produzir reportagens. Mas isso acontece só na tese. Como escrever – ou ler – sobre esse assunto sem se lembrar do próprio pai, sem refletir sobre seu exemplo?

 

Escalei Daniele Hostalácio, uma profissional surpreendente nos valores (séria, dedicada, correta) e na capacidade de emocionar o leitor. Ao ler o texto que recebi, ainda bruto, sem edição, arrepiei.
Pensei, pensei e pensei no meu velho e fabuloso pai, Oscar. Meu grande companheiro até nos dias atuais – e sempre. Insuperável no exemplo e, sobretudo, na generosidade. Lembrei-me de uma passagem quando, há alguns anos, estava no auge de minha carreira profissional e trabalhava feito um louco (ainda trabalho) quando houve a comemoração do aniversário de um de meus irmãos. Não participei. No dia seguinte, meu pai ligou: “Por que você não foi?”, indagou-me. “Porque estava trabalhando. Atualmente o trabalho é a prioridade na minha vida. Não posso preterir isso a uma festa”, respondi. Ele me disse: “Mas não era uma festa. Era uma reunião de sua família e não há nada mais importante em sua vida do que sua família. Lembre-se disso”. As palavras tocaram-me fundo. Ele tinha razão (sempre tem): família é tudo.

 

Peguei o telefone e liguei para Dani, como é chamada. “O que achou da matéria?”, perguntou-me ela. “Simplesmente surpreendente”, respondi.

 

“Dani, me fale de seu pai. Qual a grande lição que você traz dele?”, perguntei.

 

“Em setembro deste ano faz 10 anos que ele morreu. Era uma pessoa maravilhosa, alegre, feliz. Sua morte foi muito repentina e um susto para toda a família. Mas me recordo, por exemplo, quando minha avó, mãe dele, já idosa, não tinha mais condição de viver sozinha, e então ele a levou para a nossa casa e ela morou conosco durante seus últimos anos de vida, sob a proteção dele. Quando uma irmã dele se separou, com cinco filhos, todos ainda crianças, ele assumiu a família dela, oferecendo apoio emocional e financeiro durante muito tempo. Era um homem simples, mas de inabalável nobreza de caráter. Ele se realizava por meio de nós, sentindo muito orgulho a cada nova conquista dos filhos. Era um pai apaixonado, e cuja morte repentina, numa sexta-feira ensolarada, em setembro de 2001, deixou-nos também algumas lições. Duas especialmente importantes. A primeira: temos de fazer nosso amor chegar com toda a intensidade a quem amamos, porque no segundo seguinte essa pessoa pode não estar mais entre nós. A segunda: um pai amoroso nunca se vai de todo; uma parte dele adormece em nós, e de tempos em tempos emerge à nossa superfície e dialoga conosco: dá conselhos, acalma e continua nos ensinando”, disse ela.

 

Voltei a pensar no meu pai e lembrei-me da música de Zé Ramalho: “... meu velho e indivisível... / Eu sigo dentro a linha reta / Eu tenho a palavra certa / Prá doutor não reclamar... / Avôhai! Avô e Pai”.

 

Além deste, leitor, você verá outros 18 depoimentos nas páginas que se seguem.

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