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Estado de Minas

Os reis do emprego


postado em 19/09/2011 12:49

Guilherme Luz e Cássio Azevedo, no setor de call center da empresa, que funciona em três turnos(foto: Cláudio Cunha, Maíra Vieira)
Guilherme Luz e Cássio Azevedo, no setor de call center da empresa, que funciona em três turnos (foto: Cláudio Cunha, Maíra Vieira)

Região Metropolitana de Belo Horizonte nunca registrou índice tão baixo de desemprego quanto agora: 4,7% em julho, abaixo da média nacional, que foi de 6%. É o que mostra a taxa de desocupação medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o melhor resultado desde que o instituto iniciou a série histórica, em 2002. Isso significa 80 mil pessoas a mais no mercado de trabalho somente no último mês (comparado com o ano anterior).

 

Pesquisa realizada pela Fundação João Pinheiro em parceria com o Dieese e a Secretaria de Estado de Trabalho e Emprego (SETE) também atesta os bons ventos do mercado ao registrar o menor índice de desemprego entre as regiões metropolitanas (7,7% em junho contra 8,2% em maio).

 

São tantas oportunidades que praticamente só fica de fora quem não tem qualificação técnica ou não gosta das condições oferecidas. “As pessoas estão podendo escolher”, diz Plínio Campos, coordenador técnico da pesquisa. “Muitas mudam de vagas sem sequer entrar para as estatísticas de desemprego”.

 

O setor de call center, segundo o especialista, é um dos responsáveis por essa onda positiva. Não é de estranhar, já que, somente uma empresa do setor em Belo Horizonte, a AeC, emprega mais de 15 mil pessoas. Por mês, a AeC abre pelo menos 1.100 vagas na capital e tem dificuldades de preenchê-las, apesar de não exigir experiência e nem nível de instrução superior.

 

Os contratados são normalmente recém-saídos do ensino médio, ou até mesmo ainda cursando, com idade entre 18 e 24 anos, que buscam o primeiro emprego dispostos a enfrentar jornada de seis horas, com remuneração de um salário mínimo. “Na prática, funcionamos como formadores de mão de obra e até de inserção social”, diz o presidente da empresa, Alexandre Moreira. “Ensinamos não apenas procedimentos técnicos, mas também como se relacionar, cumprir metas e horários, enfim, como se comportar no mundo empresarial”.

 

Dono do crachá n° 1, Ronaldo Gomes um dia precisou fazer um apelo aos patrões: “Precisamos contratar mais gente. Estamos crescendo”
 

 

O problema é que ao mesmo tempo em que abre vagas mensalmente, a AeC também perde funcionários. Em média, os atendentes do call center permanecem na empresa pelo período de oito meses, tempo suficiente para pedir demissão com a garantia do seguro desemprego, ou partir para outra vaga, agora já com alguma bagagem. A rotatividade é justificada também pela natureza do trabalho, que exige jogo de cintura para lidar com clientes de variadas personalidades e expectativas que, diariamente, os atendentes encontram do outro lado da linha.

 

Mas, claro, existem também casos de pessoas que vislumbraram oportunidades na empresa e não se arrependem. Alcançaram outros cargos e tiveram o salário triplicado, como a administradora Júnia Magalhães, que começou como atendente, aos 18 anos, e agora, cinco anos depois, tornou-se analista de marketing. “Quando entrei, não sabia fazer nada e tive alguns momentos de estresse”, diz Júnia. “Depois, vi que podia crescer aqui mesmo”.

 

Perto de completar 20 anos de mercado, a AeC permanece como a única empresa do setor que não se associou a grandes grupos. Ainda assim, cresce em ritmo acelerado – cerca de 40% nos últimos quatro anos – e transformou-se em uma das maiores empregadoras da iniciativa privada do país. Para se ter uma idéia, em quadro de pessoal encosta na Fiat, de Betim, que é a principal indústria em número de empregados de Minas, com 16 mil funcionários. Mas em se tratando da capital, a AeC lidera com folga. A empresa de call center se tornou, portanto, uma fábrica de empregos.

 

Alexandre Moreira estima que já passaram por lá pelo menos 50 mil pessoas, desde que a organização foi fundada, em 92. Na época, surgiu como pequeno escritório de representação de softwares. Bastaram duas décadas para se transformar em um grande grupo de empresas de tecnologia, que têm no call center o carro-chefe. No ranking do setor está em 4º lugar, concorrendo com gigantes nacionais e estrangeiros. A maior em operação no país é a Contax, originária da Oi e agora pertencente ao grupo Portugal Telecom, com mais de 100 mil funcionários.

 

O porte que o grupo atingiu era algo impensável quando dois jovens engenheiros mineiros, Antônio Guilherme Noronha Luz e Cássio Rocha Azevedo – agora recém ingressados na faixa dos 50 anos –, decidiram reunir o máximo de dinheiro que conseguiram, 500 dólares cada um, para comprar pelo menos um computador e iniciar a representação de softwares. “Jamais me passou pela cabeça um crescimento tão rápido”, diz Cássio. “Até hoje a ficha não caiu.” Primeiro funcionário da AeC, e hoje gerente financeiro, o administrador Ronaldo Gomes tem a mesma sensação. Durante muito tempo ele foi uma espécie de faz tudo na empresa. “Um dia tive que dizer: é preciso contratar mais funcionários. Estamos crescendo.”

 

 

 

Os sócios Cássio e Guilherme, que há pouco tempo trocaram os cargos executivos por cadeiras no conselho de administração do grupo, se conheceram no colégio Santo Antônio, em Belo Horizonte, onde foram colegas de sala. A amizade os levou a ingressar, na mesma época, na faculdade de engenharia mecânica da PUCMinas.

 

Depois de formados, seguiram rumos diferentes. Guilherme formou-se aos 24 anos e foi trabalhar na área de TI da Usiminas e também na da Mannesmann, exatamente em uma época em que havia carência de profissionais de tecnologia no mercado mineiro. Foi quando viu que havia espaço para empreender na área. “Era o momento certo”, diz Guilherme. Com ideia fixa, não deixou o amigo Cássio em paz até que decidiram abrir o escritório de representação de softwares.

 

Já Cássio, com apenas 16 anos, trabalhou como mecânico na Euminas, empresa de máquinas e equipamentos, onde passou por outros cargos e chegou a diretor geral. Mas não estava realizado. Com veia empreendedora, queria mesmo era partir para algum negócio próprio. Só não tinha certeza exatamente em qual ramo. Primeiro montou um estacionamento, depois loja de móveis, até que cedeu aos apelos do amigo para formar a sociedade. “Eu não entendia nada de informática e tive até de ter algumas aulas”, diz Cássio. “Não sabia nem o que era um software”.

 

O primeiro escritório da AeC (nome que traz as iniciais dos sócios) foi na casa da família de Cássio, na Savassi. Apesar da singeleza do escritório – tinha apenas um computador e ainda ocupava espaço doméstico emprestado – , os dois conseguiram de cara um cliente de porte, a Fiat Allis. “Anotamos em um quadro o nome das 20 maiores empresas dos arredores e corremos atrás dos contatos”, diz Cássio. “Com a ajuda de amigos, os clientes foram surgindo”. Em pouco tempo, passaram a representar a Microsoft e outras grandes empresas de tecnologia no estado.

 

Foi o impulso para crescer e alugar meio andar em prédio na rua Inconfidentes, também na Savassi. Quando deixaram o local, partindo para espaço maior, já ocupavam oito andares do prédio e tinham também negócios na área de treinamento e terceirização de mão de obra para informática, além do call center, ainda modesto, com 100 posições de atendimento.

 

A analista de marketing Júnia Magalhães começou como atendente aos 18 anos, e foi promovida aos 23: “Vi que podia crescer aqui mesmo”
 

 

Os contratos que deram o pontapé inicial na área de call center foram fechados em 2001, com o jornal Estado de Minas e uma pizzaria de Belo Horizonte, no momento de retração do mercado de informática. “As empresas já tinham investido pesado para se preparar para a virada do século e depois tudo ficou parado”, diz Cássio. “Era a hora de diversificar”.

 

Foi o pulo do gato, inspirado no sucesso de uma empresa do ramo que atuava no mercado paulista. Eles quase desistiram logo na estréia, com o fracasso do serviço montado para a pizzaria. “Foi um desastre”, diz Cássio. “A gente não tinha noção de que todo mundo pedia pizza no domingo à noite e em dias de jogos. As linhas ficavam congestionadas”. O sufoco funcionou como puxão de orelha. “Vimos que era preciso conhecer melhor sobre esse negócio para conseguir crescer”, diz Guilherme.

 

O aprendizado foi rápido. Levou apenas dez anos para a AeC atuar em nível nacional, com clientes do porte da TIM, Cemig, governo e outros do segmento financeiro. Mas a gestão de pessoal continua sendo o maior desafio. “Nosso crescimento depende de gente”, diz o presidente da empresa, Alexandre Moreira. “É muito diferente de lidar com máquinas”. Além de ampliar benefícios e programas de relacionamento interno, a estratégia para contratar – e manter - atendentes que possam sustentar a expansão dos negócios foi partir para o interior do estado.

 

A AeC acaba de inaugurar unidade em Montes Claros, onde já foram contratadas 1.600 pessoas – a meta é chegar a 3.000. A próxima cidade será Governador Valadares. A intenção é alcançar oito localidades até 2012 e engordar o quadro total da empresa para 20 mil pessoas.

 

Alexandre Moreira, presidente do grupo: “Funcionamos como formador de mão de obra e até de inserção social”
 

 

Essa estratégia de interiorização de call center, embora não seja novidade se olharmos para o que vem sendo feito por outras organizações de grande porte, especialmente no nordeste do país, representa inovação quando se trata de Minas. Por aqui, a AeC é a primeira a lançar mão da iniciativa que, não há dúvidas, trata-se de grande achado. Isso porque não faltam praças onde a mão de obra é abundante, e, o que é melhor, com nível de instrução superior. “Essas são as grandes vantagens de partir para outras regiões”, diz Alexandre. Recém-contratado na unidade de Montes Claros, o estudante de filosofia Ricardo Pereira, 22 anos, está entusiasmado: “Para muita gente aqui, que nem tinha experiência, a possibilidade de ser contratado como atendente é grande chance”, diz Ricardo. “O melhor é que dá para conciliar o trabalho com a faculdade”.

 

Já na visão dos acionistas da AeC, a incursão para além das fronteiras da capital é só um passo de longo caminho. Cássio e Guilherme querem muito mais. Embora não exista nada de concreto, não está descartada a associação com grandes grupos que, quem sabe, possam permitir à AeC acelerar o processo de crescimento e incomodar ainda mais os maiores do setor. “O nosso principal concorrente tem mais de 100 mil funcionários”, diz Cássio. “Por que não podemos chegar lá também?”. O caminho está traçado. Agora é só uma questão de tempo.

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