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Estado de Minas

Sotaques


postado em 23/09/2011 11:19

Comigo acontece sempre, desde que meus blogs começaram a se tornar mais conhecidos: recebo inúmeros convites para eventos em São Paulo, de pessoas que já partem do pressuposto de que eu moro na tal cidade. Talvez porque não dê para perceber o sotaque mineiro nas fotos e textos.

 

Confesso que me sinto lisonjeada, e esta é a pior parte da história: carrego comigo o preconceito do qual muitas vezes sou vítima – e essa é uma realidade distribuída por todo o país.

 

Basta ligar a TV para descobrir que a telinha fala praticamente duas línguas: ou ela puxa o X, ou fala “meu”. E nem é preciso a novela se passar no Rio ou em São Paulo para que isso aconteça. Os sotaques seguem se repetindo no Marrocos, na Índia e até na linda paisagem da Toscana. Foi assistindo a essa mesma TV que crescemos, emburrecidos pela sensação de que algo está errado quando deixamos transparecer os mineiros que somos. Como se a localização geográfica fosse parâmetro para medir talentos e capacidades.

 

Trabalhando em agências de publicidade de Minas, várias vezes me deparei com anunciantes (locais!) incomodados ao ouvir comerciais de TV ou rádio com locuções muito “mineiras”. E na busca de um acento híbrido, se é que isso existe, tantas vezes acabamos engolindo o som paulistano como sinônimo de qualidade e profissionalismo.

 

Está certo. São Paulo impressiona por ser cenário de negócios arrojados e grandes investimentos, com possibilidades de ganhos idem. Para quem viveu a vida toda entre as montanhas, soa mais eficiente o ritmo paulista, em que tudo parece acontecer com mais objetividade.

 

Dizem sobre Rio, Minas e São Paulo na hora de fechar negócio: “O que eu vou ganhar com isso?”, diz o carioca; “O que você vai ganhar com isso?”, diz o mineiro; enquanto o paulista pergunta sorrindo: “O que nós podemos ganhar com isso?”.

 

A historinha deveria nos servir como aprendizado, e não como anedota. É claro que ela se baseia em estereótipos, mas estão claras as lições: faz melhor quem coloca o profissional acima de qualquer ganância ou desconfiança. E isso o paulista costuma fazer bem.

 

O que São Paulo pode ter a mais que o resto do Brasil é justamente uma boa mistura de Brasil em um menor espaço. É feita de pequenos Brasis aquela cidade, e o resultado é um caldo interessante que acaba falando um sotaque só, entupindo o nariz para disfarçar. Gente vinda de todas as partes, compondo uma massa talentosa com uma meta precisa: fazer bem o seu trabalho, em troca de reconhecimento e, sim, de qualidade de vida.

 

Reflexo disso é um trânsito organizado, pessoas que sabem respeitar as leis urbanas, taxistas eficientes (a maioria com sotaques bem nordestinos) e uma cidade que nos passa a impressão de funcionar melhor. Se o seu ritmo é frenético, se os engarrafamentos são uma regra, se as filas nos restaurantes fazem parte da rotina, a contrapartida está em um leque muito mais amplo de opções culturais e gastronômicas. E em uma maior quantidade de oportunidades reunidas num só lugar.

 

Em São Paulo lancei um livro, com uma editora da capital. Em São Paulo cubro eventos de moda que também cubro aqui e no Rio. Volta e meia visito as duas cidades, trazendo delas sempre um bom aprendizado. Mas, tenho certeza, devo deixar alguma boa mineirice por lá. Ou não voltariam a me procurar.

 

Antes de mais nada, é uma questão de autoestima. Enquanto seguimos mineiros, desconfiados de nossas próprias capacidades, tentando disfarçar o som da nossa fala, somos dominados pelo medo. E se não nos arriscamos a perder, também não corremos o risco de grandes ganhos.
É preciso um blog, sítio virtual, que revela em imagens e textos um trabalho, sem revelar de onde vem quem o faz, para nos fazer aprender que talento não tem latitude nem longitude.

 

Há pouco tempo, recebi em meu endereço virtual um comentário que me motivou a escrever este texto: “Gosto do seu blog, mas falta muita coisa. Seu estilo é totalmente mineiro e deixa muito a desejar aos paulistanos. Infelizmente, você não consegue espaço em São Paulo”.
Pois eu respondo, brejeira ou grosseira – como queira: meu sotaque é mineiro, meu pão de queijo é o legítimo, minha cidade é Belo Horizonte e meu estilo é mineiro, sim. Com muito orgulho. E quanto ao meu espaço, ele não é em São Paulo, não. É no mundo.

 

Cris Guerra é publicitária e escritora, autora do blog www.hojevouassim.com.br e escreve mensalmente na Encontro

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