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Estado de Minas

Mau exemplo em sala de aula


postado em 06/10/2011 14:19

A estudante Gabriela Simões anda muito preocupada. Depois de ficar mais de cem dias sem aulas, por causa da greve dos professores da rede estadual, no fim de mês passado ela voltou a frequentar a escola. A menina, no entanto, não sabe se vai dar conta de aprender tanta matéria em tão pouco tempo. “A aula hoje foi muito corrida, puxada. Não sei se entendi tudo”, constata, resignada, logo que chega a sua casa, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte.

 

Depois de ficar mais de cem dias sem aulas, Gabriela Simões se assustou com a pressa da volta às aulas: “Foi muito corrido, muita matéria em pouco tempo”
 

 

Já o estudante Arthur dos Santos Magalhães teve mais sorte. Aluno da Escola Estadual Odilon Behrens, ele nem ficou sabendo direito da greve. “O ano passado também teve. Mas este ano só não tive aula dois dias”, conta o estudante que está no 9° ano e há quatro estuda na escola que fica no bairro da Gameleira, em Belo Horizonte.Mais longa greve da história da educação no estado e que parou a rede pública de educação por 112 dias, o movimento dos professores mineiros acirrou os nervos e dividiu opiniões.

 

“O problema todo é que essa discussão em torno dos salários dos professores tem sempre, de saída, a unanimidade da opinião pública. Ninguém é contra pagar melhores salários para os professores”, diz um conhecido economista mineiro, que já trabalhou no governo estadual, mas pediu para não ser identificado. “Mas se o governador Anastasia pagar o que o sindicato pede, ele simplesmente descumprirá a lei de responsabilidade fiscal. O dinheiro do governo, ao contrário do que muita gente pensa, não é infinito”, analisa o economista.

 

 

 

Direito legítimo, assegurado pela Constituição Federal, o movimento que literalmente parou a cidade durante os últimos três meses, com passeatas atravancando as principais avenidas da capital, durou tanto tempo que acabou perdendo o foco. E começou a levantar dúvidas se os sindicalistas representam mesmo a vontade da maioria dos professores do estado. Embora os números sejam muito divergentes, com o Sind-UTE dizendo que 50% da categoria parou, enquanto o governo afirmava que este número nunca chegou aos 12%, não dá para negar certa descrença entre muitos dos professores ouvidos por Encontro.

 

O estudante Arthur dos Santos Magalhães, da Escola Estadual Odilon Behrens nem ficou sabendo direito da greve. “Este ano só não tive aula dois dias”
 

 

A professora Sandra Regina de Assis Leite Carlos, de 50 anos, é um bom exemplo desse ceticismo que acabou contagiando grande parte da categoria. Ela não se mobiliza mais. “Eu não acredito mais em greve. A gente fica no meio, tomando tiro de todos os lados. De um lado o governo, que só se preocupa em discutir números e ganhar a discussão no detalhe da lei. Já o sindicato é muito fraco e não consegue representar a gente de verdade”, afirma.

 

No último dia 22 de setembro, o clima de hostilidade chegou ao limite. A discussão em torno do projeto encaminhado pelo governo que define uma nova política salarial para professores quase acabou, literalmente, no tapa: o líder do PT, deputado Rogério Correia, brigou com um segurança do Legislativo para tentar permitir a entrada de uma professora em plenário, o que é proibido pelo regimento da Casa.

 

 

 

Outra professora que não se entusiasmou com o movimento foi a diretora Léa de Fátima Lopes Oliveira, da Escola Estadual Dom João Antônio Pimenta, de Montes Claros. Para ela, o sindicato desvirtuou o objetivo do movimento. E acabou se perdendo.

 

“Aqui na escola nos reunimos e avaliamos que o movimento do sindicato não estava interessado, efetivamente, com a melhoria do ensino. E tinha outras motivações”, conta a professora. A escola dirigida por Léa está em quinto lugar na classificação estadual do Ideb e em décimo lugar no Brasil. Não parou nenhum dia nesta greve.

 

Beatriz Cerqueira, presidente do Sind-UTE, nega que o movimento é partidário: “Mas a greve foi política, pois todo ato é político”
 

 

“A greve teve uma motivação claramente política”, dispara, sem meias palavras, a secretária de Educação, Ana Lúcia Gazzola, que acusa a direção do Sind-UTE de não estar interessada na melhoria do ensino. Segundo Gazzola, os sindicalistas acabaram por transformar a discussão do piso salarial num cavalo de troia. “Nas 18 reuniões que fizemos com o movimento, ao longo deste ano, sabe quantas vezes as palavras qualidade e educação foram ditas nas reuniões? Nenhuma”, conta Gazzola, que já foi reitora da Universidade Federal de Minas Gerais. “Todo mundo reconhece, e estamos trabalhando para isso, que o salário do professor tem que melhorar. Mas é populismo achar que um problema que tem mais de duzentos anos possa ser resolvido em dois”, diz.

 

Para a presidente do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação (Sind-UTE), Beatriz Cerqueira, a greve foi política, mas não partidária. “Todo ato é político. E a maneira mais fácil de desqualificar o movimento é chamando-o de partidário. O governo não consegue aceitar quem pensa diferente. Nossas reivindicações são legítimas e justas. E o estado tem mais dinheiro do que fala. Além disso, é preciso que os recursos sejam mais bem gastos”, afirma a líder. Em tempo: Beatriz é filiada ao PT desde 1995. Ela, no entanto, não vê nenhum problema nisso. “Ser filiada a um partido político não é crime”, explica.

 

Secretária de Educação, Ana Lúcia Gazzola: “Nas 18 reuniões que fizemos com o movimento, quantas vezes as palavras qualidade e educação foram ditas? Nenhuma”
 

 

De fato, crime não é. Mas conflitante, sim. A história política brasileira está cheia de exemplos de ex-sindicalistas que se aproveitaram dos cargos e da boa fé do seu grupo para tornarem-se políticos e se darem bem na vida.Usar o sindicato para projetos políticos não ajuda em nada a democracia. E muito menos a classe dos professores. Pelo contrário.

 

Para o presidente do PSDB em Minas, o deputado federal Marcus Pestana, nenhuma categoria mobiliza mais o respeito e o afeto da sociedade do que os professores. Mas é impossível não reconhecer que a greve prejudicou milhares de alunos e seus pais. Para ele, o movimento deixou de ser um instrumento legítimo de defesa dos interesses do magistério e se transformou em uma ferramenta que serve à luta política e que, de um lado, coloca o PT e o seu braço sindical, a CUT; e, do outro, o PSDB, que ocupa hoje o governo do estado. “Se a CUT está tão preocupada com a remuneração dos professores, por que não patrocina greves dessa extensão em outros estados governados pelo PT e que pagam salários mais baixos aos professores do que os que são pagos em Minas?”, questiona o deputado.

 

“O que mais me incomodou com esta greve é que ela prejudicou os menos favorecidos. Todos nós sabemos que a maior parte dos estudantes da rede pública pertence a classe C”, diz Gazolla. “Os pobres, mais uma vez, saíram perdendo”.

 

 

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