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Estado de Minas

Junho de todos os santos


postado em 14/06/2012 14:41

Dulce Ladeira  de Resende: “Minha prima queria se casar e roubou o meu Santo Antônio”(foto: Geraldo Goulart, Jefferson da Fonseca)
Dulce Ladeira de Resende: “Minha prima queria se casar e roubou o meu Santo Antônio” (foto: Geraldo Goulart, Jefferson da Fonseca)

No frio de junho, seja nas quadrilhas, nas baladas dos clubes ou nos forrós das praças públicas, fé, tradição e alegria fazem parte da vida de muitos mineiros da capital, da zona rural da região metropolitana e do interior. No mês em que Santo Antônio de Pádua (dia 13), São João Batista (dia 24) e São Pedro (dia 29) – santos muito queridos no Brasil – são festejados, é tempo de fazer dançar a alma e pisar na brasa. Erguer bandeiras, esquecer a culpa e acender as fogueiras do coração. Para o vigário episcopal para a Ação Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte, padre Áureo Nogueira de Freitas, 45 anos, é tempo também de celebrar o encontro, a partilha, a amizade e a família. Ângela Gutierrez, empresária e empreendedora cultural, destaca ainda a importância das festas religiosas em Minas Gerais. “Um estado de raízes culturais profundas, inclusive em relação à nossa vida religiosa desde o século XVIII. No interior, há um sentido muito profundo, cristão e familiar nas comemorações. Infelizmente, bem maior que na capital”, destaca.

 

A estudiosa e colecionadora de arte mineira tem mesmo razão. Em Pinhões, povoado de Santa Luzia, a 40 quilômetros de Belo Horizonte, uma casinha cor de rosa em meio a flores, coelhos e galinhas é a felicidade do terreno dos Pereira da Conceição. É onde vive seu Hélio, 78 anos, o sorriso em pessoa, ao pé de montanhas ainda verdes de Minas. Há mais de um século, São João e Santo Antônio são homenageados pela família do aposentado. De que se tem notícia, são ao menos seis gerações com rezas, festas e estandartes a partir de 1º de junho – quando é iniciada a trezena do santo casamenteiro e patrono dos aflitos. “Santo Antônio está no lugar do meu pai agora”, sorri o homem da cabeça prateada, exibindo as bandeiras dos santos de junho, preparadas com muita devoção. Ao listar as alegrias alcançadas na vida, emocionado, Hélio fala da saúde e da paz em família. “O santo é milagroso. Tudo que pedi na vida, São João e Santo Antônio me deram”, comemora.

 

Eunice de Paula Fernandes: “Fiz trezena para São Geraldo pensando homenagear Santo Antônio”
 

 

Em Pinhões, terra antiga de Santa Luzia, entre as fazendas Macaúbas e Bicas, o urbano e o rural se misturam, com o gado a passear tranquilo pelo asfalto. Além dos célebres estandartes da família Pereira da Conceição, o Forró na Brasa também já faz parte do calendário da comunidade e vizinhança. Desde 1993, criado pelo comerciante Jaílson Diniz Lima, 55 anos, para ajudar o Lar dos Velhinhos da Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), a festa é homenagem a São João, uma comemoração que dura toda a noite de 23 de junho. Meia-noite, quando “a água para e o fogo esfria” – como dizem os mais antigos sobre a noite de São João –, é hora de caminhar na brasa. Todos os anos, duas mil pessoas se reúnem na praça Antônio Teotônio Diniz, em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário. Muitas delas, por fé, tradição e coragem, caminham descalças sobre a brasa.

 

“Dificilmente alguém se queima. Só quem abusa. Bebe, por exemplo, e quer fazer graça. Tem gente que quer colocar a brasa na boca para tirar foto. Aí, não tem jeito. Queima mesmo”, conta. Jaílson, assim como Hélio, ergue estandarte para São João. O organizador da festa conta que é devoto do santo desde garoto e que criou o forró por solidariedade. Para ele, os santos ajudam e trazem paz no coração. “Todos os santos são muito bem-vindos, sempre. São os nossos intermediários junto a Deus”, crê. A festa começa cedo, às 18h. Tem quadrilha, barraquinhas com bebidas e comidas típicas, Boi da Manta e outras brincadeiras folclóricas. “Tudo é muito simples, o som é mecânico. Mas é tudo de coração”. Para Jaílson, católico e pai de família dedicado, o que mais vale no encontro é a renovação da fé. E ainda: a ajuda ao próximo – o dinheiro arrecadado com a festa é repassado aos idosos carentes – e a alegria da comunidade.

 

Hélio Pereira da Conceição: “Casamenteiro e pai dos aflitos, Santo Antônio está no lugar do meu  pai”
 

 

Distante da paz e do verde de Pinhões, entre os espigões de concreto do bairro Grajaú, região oeste de Belo Horizonte, Dulce Ladeira de Resende, 65 anos, conta que teve sua imagem de Santo Antônio roubada e cozida no feijão. “Minha prima, coitada, queria muito se casar e roubou o meu santo para ver se ele dava jeito. Mas acho que ele não gostou de ser cozido no feijão, porque ela não se casou”, lamenta. O santo, de 10cm, acompanha Dulce há 51 anos. Nascida em Araxá, no Alto Paranaíba, viajada – morava em Belmont, nos Estados Unidos, quando viu Neil Armstrong descer na lua, em 1969 –, a comerciante também não arranjou casamento. “Acho que ele não é muito casamenteiro”, diverte-se. “Mas fez muitos milagres na minha vida”.

 

Dulce conta que sua fé começou quando era menina ainda. “Precisava tirar nove em uma prova de português que valia 10. Lembro-me como se fosse hoje. Não sabia nada. Eu era muito fraca mesmo. Aí, me peguei com Santo Antônio, estudei muito e tirei 9,9. A professora não me deu 10, mas eu acertei tudo, acredita?”. Desse dia em diante, Dulce passou a levar a imagem do santo com ela em todas as viagens e passeios importantes. Foi professora de inglês e aeromoça nos anos 1970. Rodou “meio mundo” na companhia de Santo Antônio. Dulce conta ainda a ajuda do santo em tempos de aperto em São Paulo, quando era bancária e morava sozinha. “Teve uma diferença no meu caixa, uma vez, que me tirou todo o sossego. Aí, Santo Antônio deu jeito e eles encontraram o problema: um tesoureiro que estava desfalcando o banco”.

 

Jailson Diniz Lima: "O Forró na Brasa ajuda os carentes e faz parte das comemorações do dia de São João”
 

 

Mas a relação nem sempre esteve em paz por parte de Dulce com Santo Antônio. Recentemente, entre 2007 e 2011, ela rompeu com o padroeiro. “Tive um momento de crise, porque ele não me arranjou casamento. Estava danada com ele. Aí, fui a Aparecida do Norte e conheci a Igreja de Santo Antônio. Lá, resolvi ficar de bem e minha vida, que estava bastante confusa, até com problemas financeiros, começou a se ajeitar novamente”. Das alegrias de junho também fala o engenheiro Thiago Ladeira de Resende, 32 anos, que teve um pedido atendido. “Mesmo sem me casar, pedi a Santo Antônio um filho. E ele me deu o melhor filho que eu podia ter. Um homem espetacular, íntegro e de bom coração”.

 

Já Eunice de Paula Fernandes, 63 anos, fez trezena para São Geraldo em 1973, pensando homenagear Santo Antônio, seu santo mais querido. “Pedi o santo na capelinha de Nossa Senhora da Conceição e me emprestaram São Geraldo. A gente tinha até levantado a bandeira para Santo Antônio quando alguém chamou a atenção para o erro”, diz. Em um sobrado na rua do Serro, em Santa Luzia, a dona de casa reviveu momentos de graça e fé. Na sala, os móveis de fazenda dão charme ao imóvel, na região central da cidade. Na parede, luminoso, está um quadro da Santa Ceia em madeira, vidro e bordado. Ao canto, próximo à janela, as imagens de São Francisco, Nossa Senhora da Conceição e a visita de Nossa Senhora Mãe Rainha – um dia por mês na casa de um morador da rua.

 

Os olhos esverdeados de Eunice se enchem de água para reviver o passado de festas na fazenda da família cheia de vida. Fala do dia em que um menino pobre apareceu na festa organizada por ela e o marido desde o início dos anos 1970 para homenagear Santo Antônio . “Ele estava rondando a porta da fazenda. Chamei-o: ‘Entre, nego’. Ele, muito humilde, falou que não tinha dinheiro. Eu disse: ‘Meu filho, aqui não gasta dinheiro para entrar, não’. Nunca esqueci. Ele entrou, comeu e se divertiu, muito feliz”, emociona-se. “Deus experimenta a gente de todas as maneiras”. Refere-se às dificuldades atravessadas nos últimos anos com a perda de parte da família, nos últimos cinco anos: o marido, a mãe, o filho e a madrinha muito querida. As festas já não são na fazenda e nem reúnem tanta gente. Contudo, em casa de fé inabalável, Eunice ainda recebe, em junho, mais de 100 pessoas para celebrar Santo Antônio.

 

 
 

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