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Estado de Minas ESPECIAL ODONTOLOGIA | PERFIL

Um senhor dentista!

Aos 90 anos, Edgard Carvalho Silva é considerado referência em Minas Gerais quando o assunto é odontologia, e nem pensa em parar de trabalhar. Filhos e neto seguiram seus passos


postado em 09/10/2013 13:29

Listar todas as atividades realizadas pelo nonagenário dentista Edgard Carvalho Silva é duvidar de que, no passado, o dia tinha o mesmo número de horas que tem hoje. Professor da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) por 35 anos, ele atuou concomitantemente como profissional responsável no setor de atendimento odontológico do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), instituição que foi substituída pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS); cirurgião-dentista no antigo Hospital Santa Mônica, hoje Hospital Belo Horizonte, onde ajudou a montar o núcleo odontológico e de atendimento a traumas faciais; e profissional autônomo na clínica própria montada no alto da avenida Afonso Pena, no bairro Cruzeiro. Encontrou tempo também para ocupar o cargo de presidente da Associação Brasileira de Odontologia (ABO) por uma vez e da seção regional da ABO por duas vezes; criar e presidir o Conselho Regional de Odontologia de Minas Gerais (CRO-MG); e dirigir a Faculdade de Odontologia da UFMG. Aposentado da cadeira de professor federal, tornou-se docente na especialização da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e professor do curso de odontologia na UninCor, instituição particular onde deu aula até os 88 anos.
 
Contribuiu também com a literatura da área, publicando capítulos inteiros em livros de colegas. Além das conquistas profissionais, há também as familiares: casado há 62 anos, é pai de nove filhos, dos quais quatro se tornaram dentistas e outros dois trabalham na área, realizando raio-x odontológico. "Falando assim, até parece que foi muita coisa, né? E não se esqueça de colocar que eu sempre almocei em casa, ouviu?", brinca o incansável profissional. Apesar da avançada idade e de ter cumprido com larga folga a contribuição almejada por qualquer profissional à sua área, Edgard faz questão de "bater cartão" duas vezes por semana na clínica que fundou. O segredo para continuar ativo é simples, segundo ele: "Trabalho com amor. No fim das contas, não é nenhum trabalho, é um prazer. Atender, dar aulas, estudar… Por isso não penso em parar", diz.
 
Edgard na clínica que fundou, que hoje é praticamente comandada pelos familiares (da esquerda para a direita): Edmar, Edgard Filho e Paulo Márcio (filhos); o neto Guilherme com sua esposa, Tainah. Juntos, eles formam um clã dedicado à saúde(foto: Geraldo Goulart)
Edgard na clínica que fundou, que hoje é praticamente comandada pelos familiares (da esquerda para a direita): Edmar, Edgard Filho e Paulo Márcio (filhos); o neto Guilherme com sua esposa, Tainah. Juntos, eles formam um clã dedicado à saúde (foto: Geraldo Goulart)
 
 
Natural de Prados, foi na cidade vizinha São João del-Rei que Edgard descobriu o encanto pela profissão. "Vi um dentista prático, desses que atendem na rua, ajudando uma pessoa e me encantei. Quando cheguei ao último ano do ginásio, sabia que queria fazer aquilo", lembra. Em 1942, ao fim do ensino médio, o nono filho de uma família de 13 deixou o interior do estado e mudou-se para a capital certo do que queria: ingressar na Universidade de Minas Gerais (instituição estadual que depois veio a se tornar a UFMG) para cursar odontologia, apesar da preferência do pai pela carreira de engenheiro.
 
"Ele era muito inteligente e foi aprovado no vestibular na primeira tentativa. Formou-se em 1946 e logo passou no concurso do IAPC. As aulas na UFMG vieram logo depois: em 1954, três anos depois de nos casarmos, foi convidado para ser professor voluntário. Por três ou quatro anos, trabalhou sem receber salário. Imagina se isso hoje daria certo?", comenta a mulher, Marina, de 85 anos. Desde 1949, ela é cúmplice de Edgard, ano em que começaram a namorar. "Ela era vizinha da minha irmã em Vespasiano, onde fui morar quando vim estudar em BH. Acabei me casando com a vizinha, veja só!", conta ele. A primeira filha nasceu em 1952 e, logo depois, seguiu-se uma escadinha com mais oito degraus. Hoje, a trupe conta também com 16 netos e dois bisnetos.
 
Na primeira foto, participação nos congressos odontológicos brasileiro e  internacional, em 1965, no Rio de Janeiro. Na próxima foto, como docente da Faculdade de Odontologia da UFMG, em 1953(foto: Arquivo pessoal/Reprodução Eugênio Gurgel)
Na primeira foto, participação nos congressos odontológicos brasileiro e internacional, em 1965, no Rio de Janeiro. Na próxima foto, como docente da Faculdade de Odontologia da UFMG, em 1953 (foto: Arquivo pessoal/Reprodução Eugênio Gurgel)
 
 
Anterior à formalização dos cursos de mestrado e doutorado, Edgard conquistou na prática os cargos equivalentes aos títulos em 1958 e 1959 (respectivamente, livre docência e professor catedrático), apesar de já ocupar o quadro de profissionais da UFMG quatro anos antes – e de onde só saiu em 1989. Sistemático com os estudos e dedicado à pesquisa de novas técnicas, realizou a primeira operação de correção do tamanho do queixo em Minas Gerais (o nome científico do procedimento é cirurgia ortognática). "Na época, éramos obrigados a ser autodidatas, porque não havia essa cultura de sair para fazer cursos fora do país. Outra dificuldade é que quase não havia cursos a serem feitos. Então conversei bastante com amigos médicos, estudei a fundo o caso e resolvi apostar. Foi um sucesso", lembra. 
Para o atual diretor da Faculdade de Odontologia, professor Evandro Abdo, Edgard pode ser considerado um desbravador da área. "Quando ele começou a operar, quase não havia cirurgiões-dentistas em Minas Gerais. Sua contribuição para a área de traumas bucomaxilofacial é incalculável", afirma, com a reverência de quem foi aluno e colega de profissão. "Ele é uma referência nacional", diz.
 
Edgard completou seu "tempo de serviço" na UFMG e no IAPC na virada dos anos 1980, mas nunca pensou em se aposentar. Logo tornou-se professor da PUC Minas e, depois, da UninCor, onde foi professor da filha caçula, Maria Olympia. Há apenas dois anos deixou as salas de aula, restringindo sua atuação profissional a duas visitas semanais a sua clínica, cujo corpo de profissionais é, em sua maioria, da família. "Apesar de ficar bastante tempo em casa, papai nunca está à toa. Venho aqui diariamente e sempre o encontro no escritório estudando, analisando slides de casos antigos, escrevendo. É um exemplo de dedicação à profissão. Não é à toa que eu e meus irmãos seguimos seus passos", diz o filho mais velho e xará do pai, Edgard Carvalho Silva Filho. Além de dentista, Edgard Filho também foi professor da "Odonto", como chama carinhosamente a faculdade, por 12 anos. "Eu me aposentei um ano antes dele, acreditam? Papai só para mesmo quando não puder mais", diz. Edmar, terceiro filho, também graduou-se em odontologia e tornou-se professor universitário: por cerca de 15 anos lecionou na PUC Minas.
 
(foto: Arquivo pessoal/Reprodução Eugênio Gurgel)
(foto: Arquivo pessoal/Reprodução Eugênio Gurgel)
 

Apesar de vários familiares terem seguido os passos de Edgard, é do neto Guilherme Costa Carvalho o apelido de "cópia" do avô. Com apenas 33 anos, ele já cursa o pós-doutorado, dá aulas na universidade e atende no mesmo consultório. "Ele sempre foi tratado com muito respeito onde quer que chegássemos. Mas nem por isso se envaidecia. Sempre foi muito humilde. Por isso, todos da família se miram no seu exemplo de competência e humildade", resume.
 
Parceiro do avô no atendimento em um dos consultórios da clínica, Guilherme reforça o privilégio de poder contar com a presença de um especialista de referência quando o assunto é diagnóstico bucal, radiologia e cirurgia. "Sinto -me orgulhoso de estar no mesmo caminho que o meu avô. É também uma grande responsabilidade", afirma. Como avô, Edgard também não deixa a desejar: "A casa do meu avô sempre foi sinônimo de brincadeira, de doce, de festa de Natal", lembra o neto.
 
Entre os diversos compromissos da profissão, houve tempo ainda para cumprir, ainda que indiretamente, a vontade do pai de ter um filho engenheiro. Foram mais de dez construções completas e três reformas coordenadas pelo olhar detalhista do cirurgião-dentista, que considera seu envolvimento com obras um hobby. A primeira foi a construção da casa da família, no bairro Santa Tereza, onde passaram 28 anos. A última é a casa atual, no bairro Mangabeiras. "Não sobrou  muito tempo para tirar férias. Mas nunca tive nenhum tipo de estafa. Acho que o segredo esteve no almoço de casa, que eu faço questão de manter", conta Edgard,  sempre com bom humor.

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