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Estado de Minas ESPECIAL NATAL | COMPORTAMENTO

Preservar a magia

Famílias tentam manter vivas as tradições e o verdadeiro significado da data cristã. Especialistas alertam sobre a importância de se preservarem valores como solidariedade e fraternidade


postado em 09/12/2013 14:06 / atualizado em 09/12/2013 16:46

Maria Christina Santa Cecília e o marido Eduardo, com os netos: já em novembro, eles se encontram várias vezes para homenagear Nossa Senhora e o Menino Jesus
(foto: Rogério Sol)
Maria Christina Santa Cecília e o marido Eduardo, com os netos: já em novembro, eles se encontram várias vezes para homenagear Nossa Senhora e o Menino Jesus (foto: Rogério Sol)

Família reunida, mesa farta, visita aos vizinhos, presépio que ocupa toda a sala, Missa do Galo à meia-noite. A socióloga Maria Helena Pereira Barbosa, de 70 anos, recorda-se com saudades de cada detalhe que compunha o Natal na sua infância. “Desde outubro, começávamos a pintar cartolinas para fazer as grutas do presépio. A noite de Natal era muito aguardada pelas crianças, pois elas podiam ficar acordadas até mais tarde para ir à missa com a família”. Hoje, Maria Helena constata que o significado do Natal mudou. "Está havendo uma mercantilização do Natal. Jesus Cristo vem sendo substituído pelo Papai Noel. A preocupação das crianças é apenas com os presentes", avalia a socióloga. E ela não está sozinha. Muitas famílias sentem falta do verdadeiro sentido do Natal e, por isso, vêm fazendo um esforço para resgatar a tradição.
 
Há muitas versões sobre o surgimento e o significado  do Natal. Mas a mais aceita delas é a cristã, segundo a qual a data celebra o nascimento do menino Jesus. "Natal é tempo de refletir. Tempo de solidariedade, de amor ao próximo, de perdão e de saudar a vida", define o padre Marcelo, reitor da paróquia da Boa Viagem. Ele também destaca a distorção de valores na sociedade moderna. "Infelizmente, hoje há um apelo muito forte ao consumo. Com isso, muitos esquecem o real significado do Natal. O desafio da Igreja é fazer com que esse espírito seja reativado", afirma. 

A aposentada Maria Elisa de Souza Lima, de 57 anos, também enfrenta o desafio em sua família. "Minha mãe vibrava com o Natal, fazia uma grande festa para receber todos os filhos e netos. Enfeitava toda a casa, montava presépio, árvore de Natal." Ela contribuía para o encantamento da festa vestindo-se de Papai Noel, para surpreender os sobrinhos. Há três anos, a matriarca faleceu e Maria Elisa confessa que o encantamento da festa está se perdendo na família. "É uma data difícil para nós. Nem sempre conseguimos reunir toda a família."  A fantasia do Papai Noel também ficou de lado. "Na era da informatização, vejo que as pessoas perderam um pouco a magia do Natal. Mas espero que esse encantamento entre as crianças nunca acabe", diz. Maria Elisa descobriu uma nova forma de vivenciar o Natal, sendo o Papai Noel para crianças carentes. "Nos últimos anos, tenho buscado aquelas cartinhas nos Correios. É uma alegria imaginar a carinha deles recebendo os presentes", conta. 

A gerente comercial Camila Eleto: ela se sente perdida com a quantidade de amigos-ocultos e curte a reunião com a família(foto: Rogério Sol)
A gerente comercial Camila Eleto: ela se sente perdida com a quantidade de amigos-ocultos e curte a reunião com a família (foto: Rogério Sol)

A psicóloga infantil Suzana Veloso Cabral é outra que vê com preocupação a tradução que as crianças de hoje dão ao Natal. "Elas não estão interessadas em ir à missa, mas sim em ir à loja escolher os presentes", comenta. Segundo ela, o fato de as escolas atualmente serem laicas faz o ensino religioso ter pouco espaço na grade curricular. "As famílias, hoje, estão mais consumistas e menos religiosas. O comércio promove o Natal cada vez mais cedo e de forma mais apelativa. Essa soma de fatores faz com que o verdadeiro espírito natalino seja esquecido", diz.

A gerente comercial Camila Eleto, de 28 anos, percebe esse apelo comercial e confessa que muitas vezes já entrou na onda do consumismo desenfreado. "Sempre passei Natal com a família do meu pai e, lá, além de todas as tradições, da oração e do presépio, eles têm  o costume de se presentear. Então, se a gente não leva presente, acaba se sentindo mal." Há alguns anos, ela passa o fim de ano em uma cidade do interior, com a família da mãe. “Lá, a única coisa que realmente importa é a reunião da família”,  conta. Camila admite que no primeiro ano se assustou. "Estranhei, mas hoje vejo que este é o verdadeiro objetivo do Natal, estarmos juntos, celebrando a vida e a união da família." 
 
Outro ponto que vem fazendo com que Camila reflita é a participação nos chamados amigos-ocultos. "Tem ano que participo de seis. Fico perdida em meio a tantos presentes para comprar. Acho que o foco deveria ser os encontros, e não a troca de presentes", diz. Para a psicóloga Suzana Veloso Cabral, a brincadeira do amigo-oculto é outro hábito consumista incorporado aos novos tempos. "Antigamente, as avós davam lembrancinhas para todos os netos. Hoje, como os presentes têm de ser caros e as famílias não têm condição de arcar com isso, foi criado o amigo-oculto. Muitos têm preço mínimo fixado. Ou seja, o que importa não é valor simbólico do presente, mas sim o financeiro", critica.

Luana e o pai, Raul Chaves: ele trocou os presentes por cartas, ela gostou e manteve a tradição.
Luana e o pai, Raul Chaves: ele trocou os presentes por cartas, ela gostou e manteve a tradição. "As cartas são um presente", diz ela (foto: João Carlos Martins)
 

Na contramão desse modelo de Natal mercantilizado, algumas famílias ainda preservam a tradição religiosa. É o caso da família de Maria Christina Dinelli Costa Santa Cecília e Eduardo Andrade Santa Cecília.  A fé, eles herdaram. "Meus pais ajudaram a fundar a paróquia da igreja Menino Jesus. Meu pai sempre montou presépios enormes, com movimento e vida. E eu faço questão de continuar essa tradição", conta Christina. Além de manter viva a tradição dos presépios, Maria Christina conta que a família faz encontros semanais no mês que antecede o Natal, chamados de introdução de Nossa Senhora nos lares. Campanhas de solidariedade também são realizadas pelo grupo. "Minha neta perguntou, outro dia, se podia ganhar de presente de Natal um irmão pobre. Ou seja, ela já interiorizou o princípio de amor ao próximo," orgulha-se a avó. 

Outra família que tenta fugir do apelo comercial do Natal é a de Maria José  Versiani. “Fazemos orações, teatros e músicas para celebrar o nascimento de Jesus.” Para saber se as crianças estão absorvendo o verdadeiro significado do Natal, Maria José fez um desafio neste ano. "Pedi para cada uma delas fazer um desenho ou uma carta que revele o que é o Natal para elas." Quando receber o material, todos os trabalhos serão expostos em um varal no dia da festa.

O fotógrafo Raul Chaves, de 34 anos, e a filha Luana Chaves Madureira, de 10, também tentam celebrar a data de forma diferente. Eles trocam cartas, em vez de presentes, no dia do Natal. "Há alguns anos adotei esse costume com ela, numa tentativa de resgatar o verdadeiro sentido da data, que é o amor ao outro", conta o pai. E pelo visto, a iniciativa vem dando certo. Ao ser perguntada sobre qual o significado do Natal, a filha não hesita: "É a data em que comemoramos o nascimento de Jesus Cristo, ficamos em família, oramos", conta a menina. Luana confessa que gosta de receber presentes da mãe, avó e tios, mas garante que as cartas também cumprem esse papel. "Elas são um presente", afirma.

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