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Estado de Minas ARTIGO | LEILA FERREIRA

De malas prontas


postado em 10/01/2014 15:20 / atualizado em 10/01/2014 15:23

 
 
Confiro, pela última vez, se não estou deixando nada para trás: passaporte, remédios, leitura de bordo – aparentemente, está tudo aqui. Dou mais uma geral no apartamento, tranco a porta, entro no táxi e a aventura começa. Já sei o que nos espera: aeroportos lotados, voos que são castigos, companheiros de viagem que nem sempre se comportam com delicadeza e, chegando ao destino, algumas decepções inevitáveis. Mas sei também que viajar, ainda que nos desgaste às vezes (em dezembro e janeiro, mais do que nunca), é uma oportunidade fantástica de reinventar a vida. E é o que pretendo fazer nos próximos dias. Destino? México, um país apaixonante. 

O réveillon vai ser em San Miguel de Allende, uma cidadezinha de vida cultural efervescente que eu sempre quis conhecer. Depois, um passeio por Guanajuato e Oaxaca. E, antes que o avião decole, já estou lá. Porque, na verdade, viajar nunca dura só o tempo da viagem: começa antes, na hora de escolher onde se vai, continua no período em que planejamos o passeio e raramente termina na volta para casa. Quando trazemos lembranças na bagagem, a memória se encarrega de eternizá-las. Meus dois últimos réveillons foram na Califórnia e no Vietnã. Meu último Natal, em São João Batista da Serra da Canastra. E os três destinos convivem numa espécie de pasta onde arquivo os sentimentos nascidos a cada uma dessas viagens. 

Da Califórnia ficou o prazer (imenso) de jantar com a escritora Isabel Allende e seu marido. Do Vietnã, a emoção de comemorar a noite do Ano-Novo na praça principal de Hanói, onde milhares de pessoas celebraram a virada ao som de um DJ inglês e uma banda norueguesa interpretando hits do pop americano (quem diria...).  Os vietnamitas, quietíssimos, e com olhares absolutamente desconcertados, assistiam a tudo como se fossem eles os estrangeiros, turistas em seu próprio país. Quanto a São João Batista, um arraial de cento e poucos habitantes, de lá ficaram as chuvas dos fins de tarde, os passarinhos de um colorido inacreditável se encarregando da trilha sonora de cada amanhecer e a sensação de paz que encontrei ali.

Viajar tem destas coisas: um lugar nos surpreende, outro preenche as expectativas; um nos acalma, outro nos estimula, e quase todos nos modificam. É como se a viagem nos acordasse do torpor do cotidiano e aguçasse nossos sentidos. "Amar é mudar a alma de casa", dizia o poeta Mário Quintana. Viajar também é – com todos os riscos que isso representa. Pode-se quebrar a cara, decepcionar-se com as paisagens, os passeios, os hotéis, pode-se investir mais do que o destino merece e amargar para pagar a dívida depois – tudo muito parecido com a aventura amorosa... Mas, assim como ocorre com o amor, a alma pode desfrutar imensamente da nova casa, descobrir uma alegria que andava esquecida, experimentar sabores que o paladar não conhecia, esquecer o tempo do relógio, apaixonar-se pelo que é diferente de nós, perder o medo do novo, encontrar novos sentidos para a vida.

E tem aquele lado da viagem que talvez seja a melhor parte, por menos que a gente admita: a volta para casa. Ah, o doce sabor da volta... O reencontro com o que é familiar, a sensação de ser acolhido, de falar a língua de cada móvel e cada objeto, o conforto da cama que já nos conhece, o chuveiro que nos obedece, os cabides em número suficiente, os pacotes de biscoito e as frutas esperando na cozinha. O porteiro do prédio pergunta como fomos de viagem e, apesar do cansaço, escancaramos o sorriso. Porque voltar é sempre bom – ao contrário do que acontece no amor, onde a volta, quando ocorre, costuma vir acompanhada de sofrimento. Nas viagens, a alma que muda de casa sabe que é só por um tempo – vai preparada para o retorno e encontra conforto nele. No amor, a alma geralmente compra passagem só de ida, e na hora em que é obrigada a voltar se entristece e passa aperto. Mas, assim como viajar, vale a pena. 

Por isso mesmo, que 2014 traga muitas viagens e muitos amores. Que a alma mude de casa quantas vezes for preciso e encontre o caminho de volta da forma mais suave possível. Feliz Ano-Novo! Y hasta la vista.

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