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Estado de Minas CIDADE | PLANEJAMENTO

Luz no fim do túnel

Projeto Nova BH, que será enviado à Câmara Municipal, pretende ordenar crescimento da capital, permitindo a verticalização, criando novos centros urbanos e requalificando regiões hoje degradadas


postado em 19/02/2014 14:54 / atualizado em 19/02/2014 15:38

Complexo da Antônio Carlos: corredor viário, um dos principais da cidade, está contemplado no projeto que pretende mudar a cara da capital(foto: Cláudio Cunha)
Complexo da Antônio Carlos: corredor viário, um dos principais da cidade, está contemplado no projeto que pretende mudar a cara da capital (foto: Cláudio Cunha)

Tente imaginar Belo Horizonte daqui a 19 anos – ou, mais precisamente, em 2033. Em que você pensou? Crescimento desordenado? Trânsito caótico? Ou uma cidade melhor? Os cenários possíveis são inúmeros, ainda mais quando se leva em conta que, segundo a organização norte-americana Brookings Institute, a região metropolitana de Belo Horizonte é a que cresce mais rápido no Brasil. Não há, portanto, como não pensar no futuro da cidade. E pensar no futuro passa, necessariamente, por uma palavra mágica: planejamento.

Há uma novidade nessa seara. Após décadas sem qualquer planejamento consistente, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) elaborou o projeto Nova BH – um plano de intervenção urbana que afetará, diretamente, cerca de 10% da área da cidade (ver mapa na pg. 51) e promete mudar a cara de muitas regiões da capital. Como todo projeto que mexe com áreas importantes da cidade, esse também vem gerando debates sobre sua viabilidade e eficácia. Alguns especialistas garantem que o Nova BH ainda não é a resposta de que a cidade precisa. Outros aprovam o projeto. Uma parcela da população garante que faltam mais informação e discussão pública sobre as intervenções previstas. O fato é que, pela primeira vez em muitos anos, BH tem um plano para tentar ordenar o crescimento da cidade. É um começo.  

O Nova BH, na verdade, é uma Operação Urbana Consorciada (OUC), um instrumento de intervenção urbana que se caracteriza pela parceria com a esfera privada, que permite a pessoas jurídicas e físicas adquirir títulos mobiliários (no caso, os Certificados de Potencial Adicional de Construção – Cepacs, que serão regulamentados e leiloados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM) para quem quiser investir no projeto. Na prática, a prefeitura está dizendo à sociedade quais são as áreas para onde o crescimento da cidade deve ser direcionado e melhor ordenado. Não, a PBH não está inventando a roda. OUCs já são usadas em outras cidades do Brasil e do mundo, como Barcelona (Espanha), Buenos Aires (Argentina), São Paulo e Rio de Janeiro, para revitalizar e planejar a ocupação urbana e atrair investimentos para regiões subaproveitadas.

Marcello Faulhaber, secretário municipal adjunto de Planejamento Urbano:
Marcello Faulhaber, secretário municipal adjunto de Planejamento Urbano: "Nosso objetivo é adensar algumas áreas, garantindo que o crescimento populacional se dê nelas, e não aleatoriamente pela cidade" (foto: Paulo Márcio)
 

No formato aplicado na capital, a operação permitirá, por exemplo, que empreendedores comprem potencial construtivo adicional (ou seja, as construções poderão ser maiores do que o previsto) nas regiões abrangidas pelo Nova BH, seguindo os parâmetros exigidos pela prefeitura, de acordo com os objetivos traçados para o local: áreas voltadas para ocupação residencial, comercial, incentivo à área de uso público, preservação de patrimônio, etc. Com a verba, o poder público investe na requalificação da região. Ao todo, a PBH prevê arrecadar R$ 4 bilhões com o Nova BH, dinheiro que, obrigatoriamente, terá de ser usado no projeto.

Em BH, essa será a primeira OUC de grande porte da história da cidade, que até então vive um crescimento desordenado. Divulgada em outubro passado, a operação já foi aprovada pelo Conselho Municipal de Política Urbana (Compur) e seguirá, agora, como projeto de lei para a Câmara Municipal. A operação pretende, em um horizonte de 20 anos, ordenar e direcionar o crescimento da capital, atraindo-o (inclusive com a construção de moradias populares) para regiões capazes de suportá-lo, por serem próximas a corredores viários, com capacidade de transporte de massa – e que ainda são pouco adensadas.

(foto: Fotos: Divulgação)
(foto: Fotos: Divulgação)
(foto: Fotos: Divulgação)
(foto: Fotos: Divulgação)

Entre as áreas com essas características na cidade, delimitou-se para o Nova BH a região do corredor Antônio Carlos-Pedro I e do corredor Leste-Oeste, que inclui as avenidas dos Andradas, Tereza Cristina e a Via Expressa. Hoje, essa área tem densidade demográfica de 6.800 hab/km², menor que a média da cidade, de 7.200 hab/km². Desse modo, espera-se que, com o projeto, o aumento populacional nessas regiões, em duas décadas, seja de 100 mil habitantes. Sem a OUC, a previsão seria de 60 mil.

De acordo com o secretário municipal adjunto de Planejamento Urbano, Marcello Faulhaber, além de "adensar a área, garantindo que o crescimento populacional se dê nela, e não aleatoriamente pela cidade", o projeto tem dois outros objetivos. O primeiro é criar novas centralidades (centros urbanos com comércio, serviços e moradias), a fim de que as pessoas fiquem menos dependentes do hipercentro da capital para trabalhar e fazer compras. O segundo é garantir mais espaço público e melhorar a qualidade de vida com as intervenções previstas na operação, que incluem construir e requalificar praças, parques, ciclovias, vias, passarelas, esplanadas, escolas e centros de saúde.

O prefeito Marcio Lacerda na reunião da OCDE:
O prefeito Marcio Lacerda na reunião da OCDE: "É nas grandes metrópoles que se costumam apontar grandes problemas, mas há também nelas massa crítica e mercado para o desenvolvimento de soluções" (foto: OCDE/Divulgação)

Projeto de longo prazo e com dimensões há muito não vistas em Belo Horizonte, o Nova BH prevê obras pelos próximos 20 anos. Por isso, segundo o prefeito Marcio Lacerda, é importante que esteja bem amparado tecnicamente, para que não seja abandonado no futuro. "O Nova BH está fundado em bases sólidas", diz o prefeito, ressaltando a importância do planejamento estratégico. "É preciso pensar à frente. Não se pode improvisar nas soluções", afirma. 

É a mesma opinião do arquiteto e urbanista Joel Campolina, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais. "Os resultados pretendidos com o Nova BH, caso sejam implementados coerentemente, poderão mesmo resultar no melhor equacionamento possível da inevitável transformação da estrutura ambiental urbana em curso naqueles e em outros corredores", afirma.


A controvérsia, no entanto, é inevitável. A começar pelo fato de o Nova BH ser chamado, pelas entidades civis, de "projeto de verticalização", já que prevê o aumento do potencial construtivo nas regiões abrangidas, o que permitiria a construção de prédios mais altos – ideia da qual nem todos os belo-horizontinos são fãs. Segundo Faulhaber, apesar de estigmatizada, a verticalização pode ser positiva ou negativa, dependendo de como acontece. "O problema é que, quando se fala em verticalização, as pessoas se lembram de exemplos descontrolados e desorganizados, como o bairro Buritis", afirma ele, lembrando que a proposta do projeto tem exatamente o objetivo contrário. "Verticalizar, hoje, é grande saída para ganho de espaço público – ampliar vias, fazer praças e parques. Esse é o DNA da verticalização no projeto", diz. 


A polêmica não para aí. A operação tem sido objeto de diferentes críticas de urbanistas e arquitetos. A principal reclamação é a falta de debate com a população. É o que alega Flavio Carsalade, professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo ele, a opção de usar o instrumento OUC é válida. Contudo, ele afirma que o projeto foi apresentado como um pacote só, a ser discutido, basicamente, na Câmara, e com um prazo muito curto para sua aprovação, o que dificultaria uma discussão mais ampla. "Os impactos do projeto são enormes, pois ele modifica condições de habitação, mobilidade, transporte, comércio, serviços, etc. É realmente uma Nova BH. Se é assim, tem de ser bem discutido e amadurecido."


A chamada gentrificação é outro temor dos profissionais da área. A valorização das regiões afetadas, causada pelas requalificações e pelo investimento privado, geraria, segundo os críticos, um movimento de expulsão de quem hoje mora lá. "Com a valorização da terra, as pessoas deixariam o lugar em função do preço ou seriam desapropriadas devido às obras. As OUCs ainda não conseguiram gerenciar isso bem", diz Daniel Freitas, coordenador do curso de arquitetura e urbanismo da UNA. Faulhaber rebate. Para o secretário, não é possível fazer esse tipo de afirmação agora. "Hoje, falar que vai haver valorização é chute", resume.

Se aprovado pela Câmara, o Nova BH se tornará lei. De acordo com Faulhaber, as intervenções devem começar no segundo semestre de 2015 e 80% delas estarão prontas em cinco anos.


Um novo conceito para cidades

O termo tem origem na física, mas, hoje, a palavra "resiliência" também é usada para descrever pessoas e coisas. São aquelas com capacidade de se recuperar rapidamente ou se adaptar a mudanças. Não é diferente quando se trata de cidades: elas também podem ser resilientes, quando são capazes de absorver impactos, restaurar-se rapidamente, minimizando os danos e antecipando futuros choques. E esse é o estado buscado, hoje, por municípios do mundo inteiro. 

O conceito está em alta e tem sido discutido e divulgado por organismos internacionais. O último encontro de prefeitos e ministros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado em dezembro passado, na França, teve uma mesa-redonda exclusivamente dedicada ao tema "A cidade resiliente: tornando os municípios mais verdes, mais inteligentes e mais bem preparados para o futuro", em que cidades puderam compartilhar soluções para questões mais variadas, como envelhecimento da população, falta de espaço verde, consequências de desastres naturais, etc. Encontro participou do evento. 

Na ocasião, o secretário-geral da entidade, Angel Gurría, destacou como a resiliência é uma questão ampla, que envolve a procura de soluções para lidar com choques econômicos, sociais, demográficos e outros. Cada municipalidade é mais tomada por uns ou outros impactos, que atingem, inclusive, níveis mais amplos do que apenas a própria cidade. "A OCDE procura olhar para momentos de crise e ver como reagir a problemas e como preveni-los; procura políticas inovadoras. Cidades acham soluções criativas, até assumindo, às vezes, papéis tradicionalmente reservados a governos nacionais", afirmou Gurría.

Único representante brasileiro na conferência, que também discutiu a relação de governos locais com governos nacionais, o prefeito de BH, Marcio Lacerda, reforça o papel das cidades na inovação e busca de melhoria na qualidade de vida. Segundo ele, mais de 80% dos brasileiros já moram em cidades, sendo a maioria em municípios com mais de 100 mil habitantes. "É nas grandes metrópoles que se costumam apontar grandes problemas, como a questão da mobilidade e da segurança, mas há também nelas massa crítica, conhecimento, capacidade criativa e mercado para o desenvolvimento de soluções", afirma, lembrando que, mesmo em questões mais amplas, como meio ambiente e aquecimento global, as cidades têm muito a contribuir, caso se debruçem sobre o assunto.

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