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Estado de Minas ENTREVISTA | TRÂNSITO

"Os motoristas são ansiosos"

Presidente da BHTrans admite que os congestionamentos em horários de pico são inevitáveis e diz que a empresa trabalha para estimular o belo-horizontino a deixar o carro na garagem e aprender a utilizar o transporte público


postado em 27/02/2015 15:15

O presidente da BHTrans, Ramon Cesar:
O presidente da BHTrans, Ramon Cesar: "O gerenciamento do estacionamento nas cidades é muito importante. Se for dada uma oferta indiscriminada de estacionamento, o uso do transporte público não é incentivado" (foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Belo Horizonte já ultrapassou a marca de 1,6 milhão de veículos nas ruas e avenidas. E o resultado disso é o que se vê no dia a dia: congestionamentos para todos os cantos, não raras vezes fora do horário de pico. A espinhosa tarefa de lidar com esses e outros problemas de mobilidade urbana é de Ramon Cesar, presidente da BHTrans, empresa lembrada nem sempre de maneira positiva – e não é difícil entender o porquê. As frequentes mudanças no trânsito parecem surtir pouco efeito na redução dos engarrafamentos. Mas Ramon pede paciência. “Os motoristas têm de entender que toda mudança na engenharia de tráfego tem um período de consolidação e maturação, para depois entrar em operação e no regime correto”, diz.

E vem mais por aí. O hipercentro sofrerá outras mudanças significativas neste ano. Segundo Ramon, tudo para aumentar o tempo de travessia do pedestre e a circulação dos coletivos do Move, a menina dos olhos da empresa. Mesmo diante da enxurrada de reclamações e questionamentos, há quem considere o trânsito de BH sustentável e modelo para outros lugares. Prova disso é o recente prêmio concedido à cidade: o Sustainable Transport Award, em Washington (EUA), ao lado de São Paulo e Rio de Janeiro, devido à implantação de vias exclusivas para ônibus e bicicletas. Nesta entrevista, ele fala sobre os projetos de estacionamento subterrâneo e rotativo digital que serão implantados até o próximo ano, além de outras ações que buscam incentivar o belo-horizontino a deixar o carro em casa e investir no transporte coletivo.

ENCONTRO – A BHTrans anunciou recentemente intervenções no trânsito no hipercentro de BH. Quais são as ideias para a região?
RAMON CESAR – É o programa Mobicentro. Começamos no ano passado, quando mudamos o tráfego na praça Afonso Arinos, nas interseções da Afonso Pena, Carandaí e Guajajaras. Em todas elas, tivemos dois objetivos: melhorar o tempo de sinal verde para o pedestre e a circulação do BRT/Move. As mudanças na avenida Afonso Pena que estão por vir seguem a mesma linha. A primeira, na praça Sete, visa, sobretudo, dar maior tempo de travessia para o pedestre, onde registramos o maior volume de pessoas. Vamos proibir conversões à direita. A mesma coisa na avenida Afonso Pena com rua Tupinambás e São Paulo. Aparentemente, o carro vai dar uma volta a mais, mas ele vai gastar menos tempo no caminho. Na Afonso Pena com Espírito Santo e Tupis, vai acontecer a mesma coisa. Ao longo dos anos, fomos comendo o tempo dos pedestres na travessia para beneficiar os carros. Agora, temos tecnologia de controle semafórico para corrigir esse tempo.

Mas isso vai resolver os constantes congestionamentos na cidade, que ocorrem até mesmo fora do horário de pico?
Isso vai amenizar, ao longo do dia. Mas evidentemente que nos horários de pico o congestionamento é inevitável e isso existe de Nova York à Cidade do Cabo.

(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
(foto: Alexandre Rezende/Encontro)


Os motoristas têm reclamado muito...
Os motoristas são ansiosos e demonstram uma agonia diante das mudanças. As pessoas começam a dizer que as intervenções vão dar errado, que determinada intervenção foi mal planejada, mas pergunte se alguém tem alguma reclamação sobre aquelas mudanças na Afonso Pena com Guajajaras, executadas no ano passado? Depois, todos percebem que melhorou e nem se lembram mais que era diferente. Os motoristas têm de entender que toda mudança na engenharia de tráfego tem um período de consolidação e maturação para depois entrar em operação e no regime correto.

Esta é uma característica do motorista belo-horizontino?
É muito difícil afirmar isso, já que não temos elementos científicos para traçar um perfil desse motorista, mas são impacientes. Também percebemos que há muitas pessoas que abusam, por exemplo, do jeitinho brasileiro. É o caso da famosa fila dupla na porta das escolas. Entra ano, sai ano, gastamos tempo e dinheiro para fazer campanhas que mudam pouco a situação.  

O Move está prestes a completar um ano. Se for para colocar na balança, o que mais pesou? Problemas ou benefícios?
Sem dúvida, os benefícios. Tivemos e ainda temos problemas. Mas estamos transportando aproximadamente 500 mil passageiros por dia, ou seja, um terço de todas as pessoas que utilizam o sistema de transporte municipal. Com todos os problemas, ainda é uma mudança extraordinária, sem falar no conforto de pagar antes de embarcar numa plataforma do mesmo nível do ônibus. Outra vantagem é que o coletivo segue na maior parte do percurso em pista exclusiva. Mesmo com baldeações, conseguimos reduzir o tempo de viagem de quem usa o transporte coletivo em 50%. Há outro ganho importante, mas que as pessoas ainda não perceberam: a possibilidade de desembarcar numa estação e seguir em outra linha sem ter de pagar a segunda passagem. Assim, o Move aumentou as opções de cobertura geográfica das pessoas.

(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
(foto: Alexandre Rezende/Encontro)


Mas existem alguns problemas, como as portas dos terminais, que ficam abertas 24 horas por dia. Não é um risco para os usuários?
Há nas estações uma botoeira de abertura emergencial da porta, mas tem sido utilizada pelas pessoas de forma inconveniente. As pessoas sentem calor e abrem. Isso, de maneira continuada, provocou um estrago rápido desse sistema. Estamos trabalhando há dois meses para corrigir. Agora, no último aditivo contratual, repassamos para a Transfácil, empresa concessionária, a responsabilidade da manutenção das portas. Para eles, como empresa privada, é muito mais fácil contratar serviços. Entretanto, vale ressaltar que a porta ali é um serviço a mais, pois existem BRTs no mundo e muito qualificados que não contam com a porta, como é o caso do metrô. É um conforto a mais, mas, já que oferecemos, tem de funcionar.

E quanto às estações vandalizadas? Além da insegurança, não representa um prejuízo aos cofres públicos?
Quando vejo uma estação vandalizada dói muito, pois estamos investindo dinheiro público e o cidadão destrói, picha... Chega a ser incompreensível. Nos terminais de integração, já estamos com segurança privada, que é um custo a mais e que no final volta para a sociedade. E nas 45 estações de transferência, estamos com a licitação em curso para contratar. Teremos segurança armada das 19h às 7h e durante o dia continuaremos com o apoio da Guarda Municipal.

Então o Move melhorou a vida de quem utiliza transporte público, mas não houve impacto para quem utiliza carro?
Foi beneficiado também. Isso é percebido, por exemplo, na avenida Cristiano Machado, onde, durante três anos de obra, a pista era compartilhada por ônibus e carros. Hoje reduzimos os ônibus, liberamos espaço para o carro passar. Evidentemente, nos horários de pico, como já disse, o congestionamento é inevitável. Mas melhorou. Outros exemplos podem ser percebidos nas avenidas Antônio Carlos e Pedro I, onde as pistas de tráfego misto são generosas.

Mas qual foi a redução do tempo de trânsito para os motoristas nas vias do Move?
Ainda não temos como quantificar essa redução de tempo.

A frota de BH já ultrapassou 1,6 milhão de veículos. E tende a crescer. O que fazer para evitar que a situação do trânsito piore?
Principalmente, intensificar campanhas para o uso do transporte público. Vamos fazer uma experiência na estação Pampulha, onde teremos 300 vagas para automóveis. O estacionamento será em sistema de rotativo, mas com um prazo maior. Estamos imaginando, num segundo momento, a possibilidade da compra casada do estacionamento e do ônibus, ou seja, o motorista poderá deixar o carro na estação e seguir utilizando o Move. É um pequeno teste, mas é uma experiência interessante. Há ainda um projeto de ciclovia de acesso às estações do metrô ou do Move para incentivar a pessoa a pedalar de casa para a estação e continuar o percurso com o Move ou metrô. Isso está sendo estudado.

(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
(foto: Alexandre Rezende/Encontro)
Há alguma ideia de estimular também as caronas solidárias, como já existe em São Paulo?
Elas até ganharam um nome mais sofisticado, mobilidade corporativa. São iniciativas que devem ter apoio do poder público, entretanto, seria mais interessante partir de uma determinada corporação. É o que acontece em São Paulo, onde num edifício sede de um banco os funcionários ganham incentivos para deixar o carro em casa ou não utilizá-lo nos horários de pico. O condutor pode ganhar um desconto no valor do estacionamento se levar mais pessoas com ele. Outro modelo é o carro compartilhado, ou car sharing. Há uma experiência em São Paulo, com prédios que oferecem frotas para serem compartilhadas entre os moradores a partir de agendamento prévio.

A falta de vagas na cidade já é um problema crônico. Qual é a saída?
Vamos lançar neste semestre um edital de concessão do estacionamento subterrâneo, que será integrado ao estacionamento rotativo digital. E isso deve amenizar os problemas. No sistema tradicional de rotativo, por exemplo, temos um percentual de inadimplência bem expressivo, o que diminui a rotatividade das vagas. Nossas pesquisas mostram que cerca de metade dos usuários do rotativo não tem utilizado talão de pagamento. Registramos muitos canos ainda. Sabemos que grande parte dos congestionamentos da cidade têm a ver com o percurso que é feito mais de uma vez no mesmo trecho, ao procurar a vaga. É como se o carro fosse multiplicado por três ou quatro no trânsito. O gerenciamento do estacionamento nas cidades é muito importante. Se for dada uma oferta indiscriminada de estacionamento, o uso do transporte público não é incentivado.

Quanto a empresa arrecada com o talão de faixa azul? E para onde vai o dinheiro?
A arrecadação está em torno de R$ 20 milhões por ano e cobre os custos para confecção de talão e comissão do vendedor das folhas. Também é aplicada em nossos projetos de sinalização semafórica, vertical e horizontal, e em outras ações do sistema viário.

E em relação às ciclovias, quais os projetos? Os belo-horizontinos podem esperar por mais ciclovias neste ano?
Tiramos nota 7 em 2014, pois nossa meta era fazer 100 km de ciclovia, mas fechamos com 70 km. Queremos até o fim do governo Marcio Lacerda chegar a 200 km de pistas. Estamos contando com verba de R$ 22 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com foco nas ciclovias que alimentam as estações de transporte. O Banco Mundial está doando 15 km de ciclovia para a cidade.

O governador Fernando Pimentel disse que vai realizar uma consulta pública para saber da população o que ela quer do metrô. Isso pode atrasar ainda mais o processo de construção das outras linhas, que já se arrasta. Qual o impacto do futuro metrô para o trânsito da cidade?
Toda intervenção e melhoria do transporte público coletivo é fundamental e é o único remédio que faz efeito para minimizar os problemas. O metrô em BH é fundamental. Tanto é que, nos últimos anos, a PBH participou, com o governo estadual e federal, do encaminhamento dos projetos de engenharia nas linhas Calafate/Barreiro e Lagoinha/Savassi. É claro que todo processo de consulta pública é importante num regime democrático, mas acho interessante discutir com a população apenas os detalhes e durante a implantação dessas duas linhas que já estão com os projetos de engenharia concluídos.

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