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Estado de Minas CIDADE | CALÇADAS

Obstáculos no caminho

Calçadas esburacadas e desniveladas representam risco para pedestres em muitas ruas de BH. A responsabilidade pela conservação é do proprietário do imóvel, mas projeto de lei propõe que a prefeitura custeie a reforma e repasse o valor para o IPTU


postado em 04/01/2016 16:32 / atualizado em 04/01/2016 16:22

'Sair de casa exige uma grande logística. Tenho de chamar meu pai ou amigos para ajudar', diz a publicitária Fatine Oliveira(foto: Rogério Sol/Encontro)
'Sair de casa exige uma grande logística. Tenho de chamar meu pai ou amigos para ajudar', diz a publicitária Fatine Oliveira (foto: Rogério Sol/Encontro)
Quem dera se - como diz o verso drummondiano - houvesse apenas uma pedra no meio do caminho. Na verdade, há pedras, rachaduras e buracos. Andar pelas calçadas de alguns trechos de Belo Horizonte é um exercício de atenção, às vezes, de equilibrista. Para idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida, o risco é maior. Apesar de o Código de Posturas do município, desde 2003, prever que a reforma e padronização dos passeios é de responsabilidade dos proprietários dos imóveis, há resistência. Muitos consideram que a atribuição deva ser do município. O resultado são calçadas em péssimo estado. Agora, um projeto de lei que estabelece que a administração municipal assuma a obra caso o proprietário se omita acaba de ser aprovado pela Câmara Municipal e segue para avaliação do prefeito, Marcio Lacerda. Pelo projeto, o valor gasto poderá ser repassado às guias de IPTU do imóvel, para pagamento em até cinco parcelas. Trabalho é o que não falta, já que, de janeiro a agosto deste ano, mais de 5,7 mil notificações referentes à falta de conservação dos passeios foram emitidas pela Secretaria Municipal de Serviços Urbanos.

Na rua São Domingos do Prata, esquina de Lavras, no bairro Santo Antônio, o passeio parece não mais aguentar a pressão das raízes de uma árvore. "Já virei o pé várias vezes. É uma coisa absurda", diz a empregada doméstica Marilene Dias Bastos, de 54 anos, que diariamente enfrenta os obstáculos da rua Congonhas, no mesmo bairro. Não é diferente na rua São Paulo, quase esquina com Timbiras, no centro. Até o meio-fio não resistiu. "Sou obrigada a andar na rua. O pedestre não tem vez", afirma a radiologista Diana Morgana, de 28 anos. Na avenida do Contorno, próximo à praça Floriano Peixoto, no Santa Efigênia, todo cuidado é pouco. "Todo mundo tropeça", diz João Ribeiro, despachante do ponto final da linha SC 02.

Rua São Domingos do Prata, esquina com Lavras, no Santo Antônio: passeio danificado pelas raízes de uma árvore (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Rua São Domingos do Prata, esquina com Lavras, no Santo Antônio: passeio danificado pelas raízes de uma árvore (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
O vereador Reinaldo Preto Sacolão (PMDB) acredita que, se for sancionado pelo prefeito, o projeto de sua autoria pode resolver o imbróglio. "Os proprietários não conseguem arcar com o valor dos reparos. Uma simples calçada pode chegar a R$ 5 mil", diz. De acordo com o parlamentar, a obra exige engenheiros e empresa especializada, já que os passeios devem obedecer a padrão da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que prevê piso tátil e acessibilidade.

A prefeitura não quis comentar a proposta. Mas, de acordo com a Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização, atualmente fiscais realizam uma média de 60 ações diárias para constatar a situação dos passeios na cidade, o que inclui conservação, declividade, acessibilidade, degraus, etc. Proprietários dos imóveis são notificados e têm prazo de 30 a 60 dias para corrigir irregularidades, sob pena de multa mínima de R$ 537,50. A reportagem apurou em algumas empresas especializadas que a colocação de ladrilhos especiais para deficientes visuais custa, em média, 40 reais por metro quadrado, sem levar em conta a mão de obra e a reforma. Geraldo Angelino, presidente da Associação dos Moradores do Santo Antônio, torce pela sanção da lei. "É o ideal. Não há como arcarmos com os custos de reforma. E assim as calçadas poderão ser padronizadas", diz.

Rua Congonhas, no bairro Santo Antônio: 'Já virei o pé várias vezes. É uma coisa absurda', diz Marilene Dias, que trabalha na região(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Rua Congonhas, no bairro Santo Antônio: 'Já virei o pé várias vezes. É uma coisa absurda', diz Marilene Dias, que trabalha na região (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Flávio Carsalade, arquiteto e urbanista da UFMG, considera positivo o projeto de lei, que na prática divide a responsabilidade das calçadas entre os moradores e a PBH. "É uma forma de cobrar da população, que tem sido inadimplente com essa questão. O morador tem de dar essa retribuição à sociedade. Precisamos ter uma consciência de coletividade", diz.

Prova de que adequar as calçadas à legislação não é algo simples pode ser vista em frente à própria Câmara Municipal de BH. Os moradores do entorno, funcionários da casa e visitantes reclamam que é preciso atenção para caminhar pela rua Expedicionário Nilo Seabra, no Santa Efigênia, na lateral da casa legislativa. A calçada está cheia de buracos, rachaduras e ondulações. E falta o piso tátil de acessibilidade para deficientes visuais. Ou seja: não é um bom exemplo. De acordo com a assessoria de imprensa da Câmara, o projeto da obra está sendo concluído e deve indicar a necessidade de retirada de árvores, troca de revestimento da calçada, além do acesso para cadeirantes. A previsão é de que a adequação esteja pronta até meados do ano que vem.

Rua São Paulo próximo à Timbiras, no centro: meio-fio quebrado e buracos (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Rua São Paulo próximo à Timbiras, no centro: meio-fio quebrado e buracos  (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
A publicitária Fatine Oliveira, de 30 anos, que é cadeirante, também torce para que mais ruas da cidade tenham o mesmo destino. "Sair de casa exige uma grande logística. Tenho de chamar meu pai ou amigos para ajudar", diz a moça, que chegou a criar um perfil no Youtube no qual posta vídeos que chamam a atenção para os problemas enfrentados pelos cadeirantes na cidade. Uma simples ida a bares ou restaurantes transforma-se em verdadeira saga. É o que acontece na rua Sergipe esquina com Tomé de Souza, na Savassi, onde não há rampa de acessibilidade. "Falta maior compreensão das pessoas que cuidam da nossa cidade para resolver essa questão, que não é de hoje", diz Manoel Messias de Oliveira, pai de Fatine.

Na avenida Alfredo Balena, esquina com Bernardo Monteiro, no bairro Santa Efigênia, encontramos também um buraco no meio da calçada em consequência de uma tampa quebrada da rede subterrânea de telefonia, oferecendo mais riscos aos pedestres. "Já ligamos para a empresa responsável, mas até agora nada. Só chamando a polícia", diz Jane Barbosa, gerente adjunta de uma drogaria que fica em frente.

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