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Estado de Minas ENTREVISTA | IGOR LEVY

Exercitar o cérebro é fundamental para envelhecer bem, afirma neurologista

Cuidar da saúde física e mental pode adiar o Alzheimer em até 10 anos, segundo o especialista


postado em 28/03/2017 14:26 / atualizado em 28/03/2017 14:43

Academias da cidade, grupos gratuitos de atividades físicas em parques e praças, restaurantes com pratos balanceados e opções vegetarianas. A consciência das pessoas em relação à saúde física está em ascensão. Tanto campanhas governamentais quanto a busca individual por informação têm feito com que os brasileiros estejam mais atentos ao que faz bem ao corpo e ao que pode contribuir para maior expectativa de vida e um envelhecimento mais saudável. Contudo, não é apenas o corpo que envelhece. A mente também sofre com a passagem dos anos. Assim como o físico, ela precisa ser protegida e exercitada ao longo da vida para que se chegue à terceira idade com as funções psíquicas adequadas para essa fase. Segundo o neurologista Igor Levy, que se divide entre BH e a Flórida (EUA), é normal que aconteçam mudanças na capacidade mental com a idade, como esquecimentos ocasionais, demora para se aprender coisas novas etc. Praticar exercícios físicos, ter uma dieta saudável, evitar fumo e excesso de álcool, manter uma vida social ativa e, sobretudo, "exercitar" o cérebro são hábitos recomendados para quem pretende envelhecer com melhor saúde. No caso da doença de Alzheimer, por exemplo – que ataca até 5% das pessoas entre 60 e 70 anos e até 40% daquelas acima de 85 –, Levy afirma que estudos já indicam que a prevenção e controle dos fatores de risco podem atrasar em dez anos o início da doença. "O melhor meio de manter a mente afiada é usando-a", diz. E as formas são muitas: aplicativos de jogos para a memória, palavras cruzadas, Sudoku, leitura, jogos de cartas, aprendizado de novas atividades.

(foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
(foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
ENCONTRO - Quais são as doenças que precisamos combater para chegarmos bem à terceira idade?
IGOR LEVY - As causas mais comuns de morte nas sociedades ocidentais são as doenças cardiovasculares, câncer e doenças cerebrovasculares. O endurecimento das artérias do coração e do cérebro contribuem para o desenvolvimento das doenças cardíacas e cerebrais. Assim, o controle da pressão arterial, do colesterol, diabetes e obesidade são o melhor caminho para a prevenção dessas doenças e desse modo permitir um envelhecimento mais saudável.

Por que há tanta preocupação com o Alzheimer?

A doença de Alzheimer é uma das maiores ameaças nas sociedades ocidentais, tanto do ponto de vista médico como socioeconômico. Ainda não há cura ou tratamento para a doença, apenas para sintomas, e a incidência da doença aumenta com a idade: de até 5% para pessoas com idade entre 60 e 70 anos até 40% em idosos acima de 85 anos de idade. Interessantemente, últimos estudos populacionais mostram uma diminuição da incidência do Alzheimer nos países ocidentais. Pensa-se que isso se deva ao melhor controle dos fatores vasculares que contribuem para a doença.

Então a tendência é a diminuição da incidência do Alzheimer, ou o aumento na expectativa de vida compensa esse declínio no número de casos por melhor prevenção?
Acho que diferentes países vão ter diferentes realidades. Em países em desenvolvimento, onde a expectativa de vida está aumentando, vai haver um aumento de casos, em comparação com os países desenvolvidos. Mas a maior conscientização e controle dos fatores de risco, se não previnem, adiam o começo da doença. Estudos mostram que quem teria alta propensão de desenvolvê-la aos 75 anos pode acrescentar dez anos ao começo da doença se controlar esses fatores. Isso, em saúde pública, é muito significativo.

E quais são os principais cuidados para evitar doenças cerebrovasculares?
Estima-se que os nossos genes sejam responsáveis por cerca de 30% de como nós envelhecemos. Somam-se a isso outros fatores, como ambiente e estilo de vida (incluindo dieta, exercícios e estresse, que afetam o processo). Pesquisas mostram que ter um objetivo na vida, uma dieta saudável, exercícios regulares, evitar o fumo e o excesso de álcool, manter uma vida social ativa e "exercitar" o cérebro são hábitos de pessoas que tendem a envelhecer com melhor saúde.

"Há vários estudos em andamento no sentido de atuar na causa do Alzheimer, e a perspectiva é de que até 2025 haja terapia eficaz em alterar o curso da doença" (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
Os cuidados têm de começar cedo na vida?
Sim, bem cedo. Acredita-se que quando a pessoa tem o primeiro sintoma do Alzheimer, ou seja, quando chega ao consultório com as primeiras reclamações – esquecimentos, repetição de falas –, ela já tenha a doença há 15 ou 20 anos no cérebro. É um processo muito longo. E esse é um dos problemas do tratamento, pois, quando se começa a tratar, a condição já existe há muito tempo, já há muita perda de células cerebrais em decorrência da doença. Estudos mais atuais estão recrutando as pessoas com o mínimo de sintomas possível e o futuro vai ser iniciar o tratamento antes de se ter o sintoma, apenas detectando a presença da proteína que causa a doença, o amiloide.

O que é hoje o tratamento padrão para Alzheimer?
Para se ter uma ideia, há mais de dez anos que não se aprova uma nova droga para o Alzheimer nos Estados Unidos. Isso mostra a complexidade de desenvolver tratamentos eficazes. A primeira droga surgiu na década de 1990. Depois, baseadas nessa primeira, outras vieram. Nenhuma delas altera o curso da doença. As drogas têm benefício temporário em retardar um pouco a progressão dos sintomas, mas, eventualmente, a doença progride apesar da droga. Isso porque os medicamentos não atuam no acúmulo do amiloide, causa da doença. O que eles fazem é atuar em conexões cerebrais envolvidas na memória. No entanto, há vários estudos em andamento no sentido de atuar na causa, e a perspectiva é de que até 2025 haja terapia eficaz em alterar o curso da doença.

A perda de memória é a consequência mais negativa para os pacientes?
Há uma preferência do amiloide em se acumular nas células usadas para a memória, não se sabe o porquê. É preciso dizer que já há uma tendência clara no cérebro, em populações normais, do declínio na memória a partir dos 50 anos. Testes de memória aplicados em pessoas de 50 e 80 anos (ambas sem doença de Alzheimer) mostram isso. A perda é, no entanto,  muito mais acentuada em quem tem a doença.  Pacientes se lembram do casamento, de histórias antigas, mas não do jantar ou do filme que viram ontem.

Além do Alzheimer, quais são outras principais condições neurológicas que podem atingir as pessoas?
As doenças chamadas neurodegenerativas mais comuns incluem, além do Alzheimer, a doença de Parkinson e outras similares, conhecidas como parkinsonismo, que se manifestam com tremores, problemas de marcha e fala, além, eventualmente, de problemas de memória. Há ainda a esclerose lateral amiotrófica, que causa degeneração das células motores, levando à fraqueza generalizada e ao comprometimento respiratório.

"Pessoas que se mantiveram ativas cognitivamente durante a maior parte da sua vida desenvolvem o que se denominou 'reserva cognitiva'. Mesmo com a perda natural de neurônios, elas tendem a preservar melhor sua memória" (foto: Ronaldo Dolabella/Encontro)
Há tratamento para essas doenças?
Infelizmente, não, mas grande progresso tem sido feito no controle dos sintomas da doença de Parkinson, com novas drogas e procedimentos cirúrgicos, como estimulação cerebral via implante de um chip em áreas profundas do cérebro. Ainda não existem drogas para prevenção dessas doenças. Fatores de risco para o Parkinson incluem presença de certos genes, exposição a tóxicos como pesticidas e manganês e história de concussões cerebrais recorrentes, como no pugilismo.

Como é a evolução esperada das atividades mentais de uma pessoa saudável?

Com o passar dos anos, estudos mostram que há mudanças esperadas na nossa capacidade mental. Aprender coisas novas pode ser um pouco mais lento. Fazer várias atividades ao mesmo tempo pode demorar mais. Esquecer ocasionalmente um nome ou palavra e depois lembrar novamente é normal. Esquecer onde colocou algum objeto também. O que pode ser um sinal de algo mais sério é quando a perda da memória começa a afetar a vida diária, como repetir a mesma pergunta várias vezes, dificuldade em resolver problemas comuns, ficar perdido em áreas conhecidas, dificuldade em completar frases ou acompanhar uma conversa, mudança de personalidade.

A  partir de que idade se percebe essa perda natural de memória?
Em geral, as pessoas começam a notar algum leve problema de memória por volta dos 50 anos e passam a utilizar métodos para recordar algo de importante. Observa-se que as pessoas que se mantiveram ativas cognitivamente durante a maior parte da sua vida desenvolvem o que se denominou "reserva cognitiva". Ou seja, mesmo com a perda natural de neurônios, com a idade, essas pessoas tendem a preservar melhor sua memória, o que funciona também como uma "proteção" contra a doença de Alzheimer, pois construíram uma reserva extra de conexões neuronais que substituem, até certo ponto, a perda fisiológica.

No geral, o que se recomenda para quem pretende se manter saudável, em termos de atividade neurológica, por mais tempo?
O melhor meio de manter a mente afiada é usando-a. Do mesmo modo que para manter o coração sadio praticamos exercícios físicos, também precisamos exercitar o cérebro. Existem disponíveis on-line exercícios para a memória. Palavras cruzadas, Sudoku, leitura, jogos de cartas, aprendizado de novas atividades, novos cursos, manter-se curioso, aprender novos usos do seu  computador, participar de palestras, clube de livro. Também é importante manter-se ativo fisicamente e ter um sono restaurador (pois apneia do sono é um fator de risco para Alzheimer). Minimize o estresse com meditação, ioga, trate a depressão, se for o caso. Discuta com seu médico seus remédios, já que alguns podem afetar a memória.

Quanto a tecnologias, o uso de tablets, smartphones e outros dispositivos é positivo para o desenvolvimento cognitivo?
Há aspectos positivos e negativos, mas acho que, hoje, o aspecto negativo está vencendo. As pessoas passam muitas horas em redes sociais. Nos EUA, a média é de duas horas por dia, sendo que em vários momentos elas fazem esse uso enquanto realizam outras atividades, o que chamamos de multitasking. De acordo com pesquisas, uma pessoa que lê um artigo enquanto checa o e-mail, por exemplo, tem menor capacidade de retenção da informação comparada a quem está realmente focado naquela leitura. Assim, o excesso de uso tem causado diminuição de atenção e produtividade das pessoas. Hoje, a propaganda que se vê é no sentido contrário, do que se chama de mindfulness, de concentrar-se em apenas uma coisa de cada vez.

Essa perda de atenção é algo permanente ou apenas enquanto o multitasking acontece?
Há estudos que mostram diminuição de massa cinzenta nas áreas do cérebro relacionadas com atenção, comparado com a de quem não tinha o hábito de fazer várias coisas ao mesmo tempo. Ou seja, a perda de atenção pode ter, sim, efeitos em longo prazo.

As pessoas estão preocupadas com o envelhecimento mental?
Nos países desenvolvidos há uma grande mudança de hábitos que diminuem casos de demência. A conscientização está maior quanto à importância de atitudes saudáveis desde a idade jovem para o envelhecimento. Nos EUA, foram criadas recentemente as chamadas blue zones, que envolvem hospitais, restaurantes e lojas que oferecem dietas saudáveis. Esses estabelecimentos informam calorias das refeições, patrocinam corridas, realizam atividades de ioga e tai chi chuan. Isso estimula as pessoas a entender a importância dessas atividades para um bom envelhecimento mental.

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