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Estado de Minas ENTREVISTA | RÔMULO DE CARVALHO FERRAZ

Procurador quer agilidade nas indenizações e retomada da mineração em Mariana

Ele, que atua no caso do rompimento da barragem de Fundão, critica a lentidão dos processos e diz que está empenhado em três frentes: pagamento de indenizações, recuperação ambiental e volta das atividades da Samarco à região


postado em 21/02/2018 13:47 / atualizado em 21/02/2018 14:19

(foto: Violeta Andrada/Encontro)
(foto: Violeta Andrada/Encontro)
Quando Rômulo Ferraz assumiu a função de procurador-geral de Justiça adjunto institucional no Ministério Público de Minas, no final de 2016, tinha pela frente o desafio de intermediar as consequências do maior desastre ambiental do país, registrado em novembro de 2015. Um ano após a tragédia, que matou 19 pessoas devido ao rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana, as instituições que acompanhavam o caso estavam desarticuladas. Em 2017, segundo ele, foi o momento de colocar a casa em ordem. Rômulo reconhece que, graças à morosidade da Justiça, depois de dois anos do desastre ainda há muito o que fazer. O procurador, contudo, está bem otimista sobre os próximos trâmites. Um dos passos que pode ser dado neste ano é a retomada da operação da Samarco, e das sócias Vale e BHP. "Vamos buscar as reparações, mas o MP não pode ser um obstáculo na retomada da mineração em Mariana", diz. De acordo com o procurador, mais de 25% dos moradores locais estão desempregados por causa da paralisação das atividades de mineração. Nesta entrevista, Rômulo fala sobre o andamento dos processos, os acordos já firmados e como é lidar com pressões diárias dos atingidos, municípios e empresas envolvidas.

  • Quem é: Rômulo de Carvalho Ferraz, 57 anos

  • Origem: Belo Horizonte (MG)

  • Formação: graduado em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

  • Carreira: procurador-geral de Justiça adjunto institucional no Ministério Público de Minas Gerais. Ingressou no MPMG em 1989, tendo atuado como promotor de Justiça nas comarcas de Mesquita, Congonhas, Contagem e Belo Horizonte. Na capital, atuou nas áreas de defesa do patrimônio público, defesa da ordem econômica e tributária, defesa das pessoas com deficiência e eleitoral. Em 2001 foi promovido a procurador de Justiça. Foi secretário de Estado de Defesa Social e subsecretário de Relações Institucionais da Casa Civil

ENCONTRO - O senhor assumiu a atual função em dezembro de 2016, um ano depois da tragédia de Mariana. Qual foi sua primeira ação?
RÔMULO FERRAZ - A partir de dezembro de 2016 remodelamos nossa atuação, pois cada instituição que acompanhava o caso - Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público Federal (MPF), além do governo do estado e das empresas envolvidas - tinha uma estratégia diferente. O diálogo estava muito desgastado. No âmbito do MPE temos, além da questão do meio ambiente, a questão humanitária, que é a indenização das pessoas. Esta estava muito relegada. Os colegas do Ministério Público que cuidam dos direitos humanos, por exemplo, não integravam a força-tarefa. Procuramos refazer essa articulação e começamos a estabelecer uma atuação conjunta.

E o que mudou de maneira prática?
Até o final de 2016 não tivemos nenhum resultado objetivo. Agora, temos colegas que estão dedicados quase que exclusivamente à questão. Por isso, nossa preocupação é para que haja indenização efetiva dos atingidos, que tem sido feita de maneira isolada e parcial pela Fundação Renova (entidade criada para implementar e gerir os programas de reparação do desastre), sem a nossa participação. Há, inclusive, muita reclamação sobre a atuação da Fundação Renova. Entendemos que com esses primeiros acordos é como se encerrássemos uma primeira fase. Agora, a mudança de governança da Fundação Renova será a segunda fase.

Mas antes de o senhor assumir já havia acordos firmados?
Teve um primeiro acordo, em 2016, chamado de TTAC (Termo de Transação e Ajustamento de Conduta), entre a União, o estados de Minas Gerais e Espírito Santo e as empresas Samarco, Vale e BHP. Mas os atingidos não participaram desse acordo. Depois, o MPF entrou com ação de grande magnitude pedindo indenização de 150 bilhões de reais.

E que andamento vocês deram ao caso?
Em janeiro de 2017, fizemos um primeiro acordo com as empresas no chamado eixo socioambiental. Duas auditorias internacionais foram contratadas e estão fazendo estudos no intuito de direcionar o trabalho de recuperação ambiental ao longo de toda a bacia afetada, que vai de Mariana a Linhares, no Espírito Santo. Trata-se de um Termo de Acordo Preliminar, o TAP.

"Nosso sistema judicial e processual é obsoleto. As demandas são sempre muito postergadas. Estamos tentando tirar esse atraso" (foto: Violeta Andrada/Encontro)
A sociedade fica com o sentimento de que nada aconteceu após a tragédia. Há, realmente, morosidade no processo?
Essa crítica é natural. Esse processo, para nós, incomoda muito também. Temos um sistema legal muito intrincado e que torna a tramitação de processos muito morosa. Mas da nossa parte houve um esforço para não judicializar a questão, o que poderia atrasar ainda mais as coisas. Para se ter ideia, as empresas negociam separadamente. Cada uma tem a sua representação jurídica. Nosso sistema judicial e processual é obsoleto. As demandas são sempre muito postergadas. Estamos tentando tirar esse atraso.

Sobre a indenização das famílias, o que se avançou nessa questão?
Recentemente, firmamos um termo aditivo que deve ser o caminho para indenizar milhares de pessoas. O número ainda não está fechado, mas pode chegar a mais de 400 mil pessoas, que foram afetadas direta ou indiretamente, em mais de 40 municípios. Esse termo aditivo é o acordo em que as empresas Samarco, Vale e BHP estão contratando a Fundação Getulio Vargas e o Fundo Brasil de Direitos Humanos. A Fundação e o Fundo farão um levantamento para cadastrar as pessoas a serem indenizadas. Acredito que essa seja a parte mais importante deste trabalho, até então. Mas, para fechar esse acordo de contratação da FGV e do Fundo Brasil, foram mais de 50 reuniões.

Quantas indenizações já foram pagas?
A empresa (Fundação Renova) fala em pouco mais de mil indenizações, mas que são, às vezes, parciais. O âmbito dessas indenizações será definido nesse trabalho entre a FGV e o Fundo Brasil. Será paga uma assessoria técnica para cada localidade. O acordo que fizemos teve anuência completa dos atingidos. Esse é o ponto que estava sendo muito mal conduzido, pois as vítimas não tinham acesso a essa discussão. Trata-se, portanto, de uma questão complexa. Não há uma fórmula mágica ou conhecimento definitivo que diga o que deve ser feito nesses casos. Esse processo é de muito longo prazo.

Atualmente, o que se pode dizer sobre riscos em relação à estrutura remanescente?

Temos, agora, uma garantia com relação à estrutura remanescente, ou seja, no complexo de Germano, onde estava a barragem de Fundão, que se rompeu. Precisávamos saber qual o risco que ainda existia ali. Numa ação judicial, fizemos um acordo e contratamos uma empresa internacional. A empresa afastou novos riscos, mas ainda assim fizemos outro acordo judicial para prolongar essa auditoria e afastar de vez as chances de novos acidentes. Queremos também fazer um termo de acordo para mudar o TTAC que redundou na contratação da Fundação Renova. Esse acordo prevê também uma compensação ambiental na faixa de 500 milhões de reais que estão separados para construção de uma estação de tratamento de esgoto e aterro sanitário ao longo da bacia afetada.

Hoje, qual a principal reclamação dos atingidos?

Os municípios foram impactados e tiveram a economia local atingida com a redução das atividades da mineradora, sobretudo em Mariana. Eles estão reivindicando que a mão de obra contratada para o cumprimento das obrigações da Fundação Renova seja local. O TTAC já prevê isso, mas está sendo feito sem critério. Por isso, estamos fechando um documento para reservar um percentual de contratações para os moradores locais. É uma maneira de minorar esse prejuízo, já que mais de 25% das pessoas estão desempregadas neste momento.

A Samarco conseguiu duas licenças para voltar a funcionar e o senhor declarou que essa é uma demanda justa.
Há quase um consenso dessas comunidades em prol da volta da operação em razão da importância econômica para as cidades e para o estado, já que a mineração tem forte participação no PIB. A retomada da operação das empresas não estava entre os objetivos iniciais. Agora, ela está ao lado da questão humanitária e de meio ambiente. Em nossas conversas com as empresas e com a Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) deixamos claro que não conversaríamos sobre licenciamento sem que esses pontos estivessem minimamente amarrados, e hoje eles estão. Numa eventual retomada, a empresa não poderá operar utilizando a mesma metodologia. Haveria a necessidade de um avanço tecnológico.

"É claro que os atingidos são os mais vulneráveis. Mas não podemos ter a visão de que as empresas são as nossas adversárias (foto: Violeta Andrada/Encontro)
O que já ficou acertado sobre a mudança na contenção dos rejeitos?
O licenciamento que está sendo pensado é o que utiliza a cava Alegria Sul, que tem capacidade de operar durante 22 meses. O entendimento é de que ao final desse prazo eles terão de avançar na disposição a seco deste rejeito, o que em Minas Gerais é pouco registrado. Portanto, pessoalmente, vejo que com o início dos processos de indenizações e de contenção de risco a empresa poderá voltar a operar, isso com o licenciamento devidamente aprovado e com a anuência dos ministérios públicos.

O que o senhor acha da opinião de que a Samarco não deveria voltar a operar?

Do ponto de vista econômico e social de todos os municípios na bacia é um prejuízo. Vamos buscar as reparações, mas o MP não pode ser obstáculo na retomada da mineração em Mariana. Esse acidente foi gravíssimo do ponto de vista humanitário e ambiental. Mas precisamos tirar lições desse episódio.

A partir de agora, podemos dizer que o processo será menos moroso?
Haverá menos morosidade daqui para frente. Há também questões mercadológicas. A Samarco é a sociedade de duas grandes concorrentes mundiais, e que só estão em sociedade aqui. O que significa que têm interesses mercadológicos de solucionar essas ações. Isso representa um passivo para elas no mercado internacional. Agora, estou mais confiante. Reconhecemos que já se passaram dois anos e os resultados objetivos ainda não são consistentes e palpáveis, mas agora acreditamos que no curto espaço de tempo eles virão.

Podemos tirar boas lições desse acontecimento?
Nós temos a obrigação de tirar lições do ponto de vista tecnológico, em relação ao risco ambiental e à vida das pessoas. Temos a obrigação de tomar atitude para que isso não ocorra mais. Não podemos partir para inviabilizar a mineração no estado. Temos de ter boa vontade e bom senso, forçar um avanço tecnológico para que o dano ambiental e o risco às pessoas seja minorado e praticamente extinto.

Como é lidar no seu dia a dia com a pressão da sociedade, populações afetadas e as empresas envolvidas?
Já temos muita experiência nisso. Nosso grande papel nesse processo, e em outros, é realizar uma articulação e interlocução. A empresa tem grande dificuldade de conversar com os atingidos, sobretudo quando estão organizados, pois eles se constituem em uma entidade e os interesses são conflitantes. Então, o desafio é conseguir conduzir o diálogo e não tomar parte de nenhum dos atores. É claro que os atingidos são os mais vulneráveis. Mas não podemos ter a visão de que as empresas são as nossas adversárias. É neste contexto que estamos atuando.

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