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Estado de Minas ESPECIAL NOVO CORONAVÍRUS

Médicos e enfermeiros contam experiências no combate à Covid-19

Profissionais de hospitais de BH relatam dramas e alegrias por causa do novo coronavírus


postado em 23/06/2020 22:48 / atualizado em 23/06/2020 22:49

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)
A pandemia da Covid-19 afetou o mundo inteiro. Hábitos corriqueiros como sair de casa para ir à padaria ou mesmo visitar amigos ou familiares se transformaram em grande dilema. É difícil também encontrar alguma atividade que não tenha sido impactada pela pandemia. Entretanto, há funções que se destacam nesse quesito. São profissionais da saúde que estão atuando na linha de frente do combate à doença. São eles, afinal, que irão garantir que as famílias não sejam derrotadas pelo vírus, ainda desconhecido. Por isso, são chamados de heróis. E não é exagero. Para salvar vidas, eles mudaram drasticamente a rotina, estão longe dos familiares e convivem diariamente com o inimigo invisível. Nesta edição de Encontro, conversamos com sete profissionais que nos revelaram como tem sido a rotina exaustiva nos hospitais e centros de saúde. Todos fizeram coro à frase que viralizou em vários idiomas: "Estamos aqui por vocês. Fiquem em casa por nós”.
 

Indiara Penido 
34 anos, infectologista

A rotina anda bem puxada para a infectologista Indiara Penido. Afinal, ela trabalha no Hospital Eduardo de Menezes, no Barreiro, referência no atendimento a pacientes com doenças infectocontagiosas. No fim de março, o centro médico passou a atender exclusivamente pessoas diagnosticadas com Covid-19. A rotatividade dos leitos da UTI (Unidade de Tratamento Intensiva) tem sido grande: muitas altas e, infelizmente, óbitos. Além da tensão que a pandemia provoca, a médica diz que o trabalho se torna ainda mais exaustivo por causa da paramentação, necessária, mas que acaba atrapalhando ações corriqueiras. "São 18 horas de plantão e chego a beber água apenas duas vezes. E o tempo para ir ao banheiro e almoço é reduzido”, diz. São 15 minutos, no mínimo, para vestir a roupa especial, com acessórios como óculos, gorro, máscara, entre outros equipamentos. A rotina frenética é atravessada por cenas e relatos que a fazem também refletir sobre o seu lado de filha. "Marcou-me a história de uma mulher. Impossibilitada de trabalhar de casa, ela teria infectado à mãe, que, infelizmente, veio a falecer. Tentamos de alguma forma consolá-la. Eu me coloquei imediatamente no lugar dela”, diz. Indiara mora sozinha e conversa com sua mãe apenas por telefone ou por meio de acenos distantes da janela do apartamento. 
 
Daniella Cristina Brites Almeida
32 anos, médica intensivista

Vizinhos nem chegam perto da médica Daniella Cristina, intensivista do hospital Luxemburgo. Que dirá dividir o elevador. "No início da pandemia, as pessoas tinham medo de mim. Achavam que eu era um veículo da doença”, diz. Daniella mora com os pais, mas se mantém distante há mais de dois meses. "Fico trancada no meu quarto. Só vejo minha família de longe.” Vizinhos e demais pessoas não têm noção de como a rotina de profissionais como a da Daniella é complicada. A função de intensivista, destaca a médica, possui característica diferente das demais especialidades. "Entro na vida do paciente sem ser apresentada, quando as funções vitais já não estão funcionando bem.” Por vezes, a médica tem de lidar e buscar forças para conversar com a família, nos piores momentos. "Um paciente faleceu. O caixão tinha de ficar fechado por causa do risco de contaminação, mas a família não sabia desse detalhe. Aí nos questionaram sobre o que eles fariam com a roupa que tinham separado com todo o carinho para o seu ente querido.” A situação motivou Daniella, que se especializou também em cuidados paliativos, e os colegas, a estudarem o luto e outras questões referentes a despedidas. Em meio a histórias tristes, são as pequenas vitórias que dão forças para a médica continuar. "Certo dia, uma paciente solicitou que tirássemos uma foto com ela, pois queria mostrar para todos como estava sendo bem cuidada. Isso foi um grande alento para mim”, afirma.
 
Patrícia Brandão
37 anos, pediatra

A pediatra e neonatologista Patrícia Brandão está muito preocupada também com as consequências da pandemia da Covid-19 na saúde de recém-nascidos e demais crianças. Ela atua no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora e em consultório particular, mas diante do isolamento social, muitos pais têm optado por não levar as crianças aos centros médicos. As consultas, por esse motivo, caíram bastante. "Onde estão essas crianças? Pode ocorrer atrasos em diagnósticos. Quantas crianças serão amamentadas de forma inadequada por falta de orientação? A pandemia mudou bastante essa realidade”, diz Patrícia, que já atendeu crianças diagnosticadas com o novo coronavírus, mas, felizmente, sem a necessidade de internação. A relação médica-paciente, tradicionalmente repleta de muito afeto e brincadeiras, ficou um pouco mais fria, distante. "Como temos de usar toda a paramentação necessária, uma paciente minha ao terminar a consulta perguntou: ‘Mãe, depois vamos ver a tia Pat?’
 
João Saldanha 
33 anos, enfermeiro

O enfermeiro João Saldanha, traumatologista e intensivista do Hospital João XXIII, afirma que a Covid-19 tem provocado algumas surpresas por lá. Ele lembra que uma idosa chegou ao hospital se queixando de dores, segundo ela, provocadas por uma queda. Entretanto, quando realizaram exames de imagem foi notado algo diferente na altura dos pulmões. Após a tomografia foi constatado que, na verdade, a paciente poderia estar infectada com o novo coronavírus. "Encaminhamos a senhora para o Hospital Eduardo de Menezes, seguindo a recomendação, mas infelizmente soubemos que ela faleceu dias depois, diagnosticada com Covid-19”, diz João, que acompanhou a paciente na ambulância até o centro médico no Barreiro. O enfermeiro afirma, portanto, que são comuns casos suspeitos da doença mesmo em um hospital que é referência em pacientes vítimas de outros problemas como politraumatismos, queimaduras e intoxicações. Por isso, o medo de ser contaminado com o novo coronavírus ronda a equipe. "Tivemos de mudar toda a nossa rotina. É mais cansativo e os acessórios da paramentação chegam a nos ferir”, diz. Muitos profissionais tiveram de se afastar por ser do grupo de risco ou por estarem resfriados, o que acabou por reduzir a equipe. "Outra preocupação é a possível falta dos EPI´s (Equipamento de Proteção Individual), o que tornaria tudo ainda mais difícil”, afirma. 
 
Daniel Fontes
45 anos, médico intensivista

Em meio ao medo de contaminação e a preocupação para que todos os protocolos de segurança funcionem no Hospital Felício Rocho, o médico intensivista Daniel Fontes teve um momento de alegria. Um de seus pacientes, o senhor Gilson, completou 81 anos de vida no dia 18 abril em um dos leitos do CTI do hospital. Diagnosticado com Covid-19 e impossibilitado de estar em casa em um momento tão importante, equipe médica e familiares resolveram fazer uma surpresa para ele. Luvas médicas foram transformadas em balões e o esperado "Parabéns para você” veio por meio de um tablet. "Impossível não se emocionar com essa situação. É a sensação de dever cumprido”, diz Daniel, que antes da pandemia visitava os pais todos os dias. "Hoje, os vejo apenas pela janela do carro.” A festa do senhor Gilson foi registrada no perfil do Instagram do hospital, a pedido da família. O médico reforça o coro de todos os profissionais da saúde. Ele pede para que se possível todos fiquem em casa, pois acredita que a vida vai voltar ao normal apenas quando a vacina chegar.   
 
Bárbara Magalhães Viola
31 anos, médica de família e comunidade

A cada dia que passa, a médica Bárbara Magalhães confirma a sua vocação: "Virei médica porque gosto de gente”, diz. Ela trabalha no Centro de Saúde da região norte de BH e atende também no Centro de Doenças Respiratórias/Covid-19, em Venda Nova, montado ao lado da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) na mesma região. Além de atender pacientes com sintomas de Covid-19, Bárbara se depara com outras demandas. A grande quantidade de informações disseminada pela mídia sobre o assunto tem gerado problemas como crises de ansiedade e até surtos em algumas pessoas. Trata-se de uma outra realidade que por vezes pode passar despercebida. "Já fizemos uma vaquinha virtual e compramos materiais para que costureiras voluntárias fizessem 3 mil máscaras para serem distribuídas em uma favela próxima”, diz. Conversando com alguns moradores, a médica notou que eles se sentem mais seguros fora de casa, pois as moradias, na maioria das vezes, oferecem pouco espaço e não têm boa ventilação. "Convivemos com outras dores, além das doenças”, diz. 
 
Anselmo Dornas I Médico intensivista

As cenas de pacientes tendo alta em um corredor de aplausos também se tornaram rotina no hospital Materdei. É o momento no qual o médico intensivista Anselmo Dornas se orgulha da profissão. "Eu me tornei médico para fazer a diferença na vida das pessoas. Para enfrentar o que estamos enfrentando”, diz Anselmo, coordenador das unidades de terapia intensiva adulto da Rede Materdei. O obstáculo maior que enfrenta diariamente é o desconhecimento sobre a doença que tem sido trágica para milhares de famílias pelo mundo. Por outro lado, revela também vitórias. "Tratamos de um casal (marido e mulher). Ficaram internados na UTI com quadro de saúde muito grave. O homem chegou a ficar com ventilação extraordinária por mais de 10 dias. Foi submetido ainda a um procedimento incomum chamado Ecmo, quando o sangue é retirado, oxigenado e devolvido ao corpo. "Foram dias de tensão, pois a responsabilidade é ainda maior”. Felizmente, os dois tiveram alta.

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