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Estado de Minas ARTE

Conheça a mineira que faz sucesso colorizando fotos históricas

Autodidata, a belo-horizontina Marina Amaral está ganhando o mundo com sua arte


postado em 02/10/2020 01:46 / atualizado em 02/10/2020 01:51

Depois de inúmeras consultas com psicólogos e psiquiatras, Marina Amaral, de 26 anos, recebeu o diagnóstico de autismo e superdotação:
Depois de inúmeras consultas com psicólogos e psiquiatras, Marina Amaral, de 26 anos, recebeu o diagnóstico de autismo e superdotação: "Só alcancei o nível que meu trabalho tem hoje porque o meu hiperfoco fez com que eu tivesse exigência, perfeccionismo e obsessão" (foto: Wikimedia/Creative Commons)
Em julho de 2019, morreu, aos 85 anos, a romena Eva Mozes Kor, sobrevivente do Holocausto e vítima de experimentos nazistas junto com sua irmã gêmea, Miriam, no campo de concentração de Auschwitz. A morte foi noticiada mundo afora, pois Eva se tornou conhecida pelo trabalho que fazia em prol da publicização dos horrores do nazismo, ao mesmo tempo em que falava do perdão como forma de lidar com traumas devastadores. No ano anterior à sua morte, Eva Kor pediu a uma profissional que colorizasse uma foto de sua mãe, assassinada na câmara de gás no mesmo campo de concentração em que as filhas gêmeas haviam sido torturadas. A imagem, em preto e branco, era o único registro que Eva tinha dela. "Colorir a foto a trouxe de volta à vida", disse Kor a respeito do processo, que consiste em tornar uma foto originalmente P&B em colorida por meio de pesquisa histórica e uma dose de arte aplicadas digitalmente à imagem.

A responsável pela colorização foi a belo-horizontina Marina Amaral, de 26 anos, que desde 2015 atua nessa área e cujo trabalho se tornou conhecido quando fotos manipuladas e publicadas por ela viralizaram nas redes sociais, o que fez com que fosse convidada pelo historiador Dan Jones para produzir um livro com fotos colorizadas e seus respectivos contextos históricos. A obra, The Colour of Time, se tornou bestseller na plataforma Amazon. "Quando Eva me pediu para restaurar e colorizar a foto da mãe dela, quase neguei, pela responsabilidade", conta Marina, que depois pensou melhor e aceitou o pedido, muito honrada. "Sinto uma felicidade muito grande por ter tido a chance de proporcionar uma experiência tão bonita para ela. A mãe foi morta na câmara de gás logo que a família chegou ao campo de concentração, então, Eva não a via ‘em cores’ desde criança, e isso foi muito forte para mim."

General Eisenhower fala com soldados em 5 de junho de 1944, um dia antes da invasão da Normandia, na 2ª Guerra Mundial: foto antes e depois do trabalho de Marina Amaral, que coloriza imagens digitalmente a partir de técnicas próprias(foto: Arquivo pessoal)
General Eisenhower fala com soldados em 5 de junho de 1944, um dia antes da invasão da Normandia, na 2ª Guerra Mundial: foto antes e depois do trabalho de Marina Amaral, que coloriza imagens digitalmente a partir de técnicas próprias (foto: Arquivo pessoal)
Marina conta que começou a colorizar fotos digitalmente por acaso. Na adolescência, como hobby, tinha um blog pessoal no qual queria postar imagens. Com esse intuito, resolveu aprender a mexer em softwares de edição de imagem por conta própria, por meio de tutoriais no Youtube. Gostou muito das possibilidades que o Photoshop proporcionava e editar imagens virou, também, um hobby. Apaixonada por história (sua mãe é historiadora), ela se deparou, em 2015, com uma coleção de fotos colorizadas da Segunda Guerra Mundial em um fórum online e se encantou. Mas admirar, apenas, não foi suficiente. Ela quis aprender a fazer. "Eu já tinha uma boa compreensão de como o software funcionava, mas não sabia absolutamente nada sobre a técnica. Na tentativa e erro, horas incontáveis de prática, acabei desenvolvendo as minhas próprias técnicas. Desde então, nunca parei de tentar me aperfeiçoar", diz.

As fotos colorizadas, postadas em suas redes sociais, viralizaram várias vezes e a tornaram reconhecida - evidenciando que sua técnica, apesar de autodidata, era séria. Foi por causa dos posts do Twitter que o historiador Dan Jones a encontrou. "Ele me mandou uma mensagem privada, perguntou se eu já tinha assinado contrato com alguma editora, e eu disse que não. Dois dias depois, estávamos fechando o contrato com a nossa editora para publicar o que viria a ser The Colour of Time, lançado em 2018", conta. O livro aborda os principais eventos que marcaram o mundo entre 1850 e 1950. São 200 fotos colorizadas por Marina, acompanhadas por textos escritos por Dan. Traduzido para 13 idiomas, já estava entre os mais vendidos do Reino Unido antes mesmo de ser lançado.

O que restou da cidade japonesa de Hiroshima, após ser atacada pela bomba atômica americana(foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
O que restou da cidade japonesa de Hiroshima, após ser atacada pela bomba atômica americana (foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
Marina largou o curso de relações internacionais quando a demanda pelo trabalho com as fotos se tornou muito grande e, hoje, se dedica integralmente ao ofício, seja para projetos próprios, seja a pedido de revistas, jornais, emissoras de TV, seja para pedidos pessoais de indivíduos que queiram presentear entes queridos. E a dedicação não é pouca. Ela caracteriza sua rotina como "nada saudável", já que trabalha, entre BH e Londres, de segunda a segunda, e não tira férias há pelo menos três anos. "Mas eu amo o que eu faço, então vale a pena."

Um de seus projetos pessoais é o portal Faces of Auschwitz, fundado e idealizado por ela, com o apoio do Museu de Auschwitz, na Polônia. Na plataforma, são compartilhadas fotos (colorizadas por ela), histórias e documentos relativos ao contexto histórico do local, além de um documentário, que está sendo produzido. "Planejamos também uma exposição", completa. Foi no contexto desse projeto que ela conheceu Eva Kor. 

O 16º presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln(foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
O 16º presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln (foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
Quando Eva morreu, Marina foi uma das pessoas a comentar o fato nas redes sociais, contando a história desse presente que havia lhe dado no ano anterior. Todas as imagens que a mineira posta, aliás, são acompanhadas de contextualização histórica e curiosidades a respeito do personagem em questão. Segundo ela, algo que não poderia deixar de fazer. "Acho que não tem sentido publicar as fotos sem dar o contexto histórico, fazendo as pessoas pensarem, talvez aprenderem algo novo, refletirem, enxergarem o impacto de algo que aconteceu lá atrás, nos dias de hoje", afirma. 

A parceria com o historiador Dan Jones rendeu outro livro, The World Aflame, lançado este ano, que segue o mesmo modelo do anterior, mas foca no período das Guerras Mundiais (1914-1945). Atualmente, a belo-horizontina está envolvida na pós-produção do documentário filmado em Auschwitz em 2018, e começando a trabalhar no terceiro livro com Dan, sobre mulheres que marcaram a história.  

O místico Russo Grigori Rasputin, morto em 1916(foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
O místico Russo Grigori Rasputin, morto em 1916 (foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
Segundo Marina, o termo correto para seu trabalho não é restauração ou recuperação, pois não existem informações escondidas na escala de cinza que possam indicar as cores originais. O processo de identificação e mapeamento é todo feito manualmente. "E é a parte mais essencial do que eu faço", afirma. Ela diz que a investigação pode demorar dias e muitas vezes pode requerer auxílio de historiadores. Especialistas em áreas diferentes, como militar ou monarquia britânica, que são capazes de identificar uniformes, medalhas, veículos específicos e outros objetos, lhe passam as cores desses itens, que Marina reproduz o mais perto possível do que eram na realidade. "Ainda assim, um certo nível de ‘licença artística’ é necessário para preencher partes ‘menos importantes’ das fotos, como as cores de árvores, prédios que não podem ser identificados, roupas civis", explica. 

A física e química polonesa Marie Curie, primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, em 1903(foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
A física e química polonesa Marie Curie, primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, em 1903 (foto: Domínio público, colorizada por Marina Amaral)
Recentemente, a mineira esteve em pauta por um motivo pessoal. Ela decidiu divulgar em suas redes o fato de que havia sido diagnosticada com autismo. Como outras mulheres, ela batalhou por anos, sem conseguir respostas de um quadro adequado ao que sentia, já que os sintomas considerados clássicos do espectro autista são aqueles mais comuns em homens com a condição, o que dificulta a avaliação no sexo feminino. Marina diz que o processo até chegar ao diagnóstico foi longo, confuso e doloroso. "Tenho certeza absoluta de que se não fosse pela minha amiga (a jornalista mineira) Andréa Werner - que percebeu detalhes em mim e na minha personalidade que até então tinham passado despercebidos por absolutamente todos os psicólogos e psiquiatras que consultei ao longo da vida - eu morreria sem saber a razão por trás de todas as questões emocionais que tive e ainda tenho", afirma. "Serei eternamente grata a ela." Marina foi diagnosticada com dupla excepcionalidade, o que quer dizer ter uma desordem psíquica - o autismo - e superdotação. "Só alcancei o nível que meu trabalho tem hoje porque o meu hiperfoco fez com que eu tivesse exigência, perfeccionismo e obsessão pelo assunto, o que eu não teria se não fosse autista", conta, completando que considerou o diagnóstico um alívio. "Deu sentido a tudo."

Veja mais fotos colorizadas por Marina Amaral no InstagramTwitter e Facebook dela.

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