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Estado de Minas CRÔNICA | PAULA PIMENTA

Um pouco de sofrimento faz com que fiquemos mais fortes

Ao reler as cartas de tantos anos atrás, que ainda guardo, posso constatar que eu realmente vivi. E que aquele meu intercâmbio tão sofrido foi fundamental para fazer de mim a pessoa que hoje eu sou


postado em 12/10/2020 23:34 / atualizado em 12/10/2020 23:36

(foto: Pixabay)
(foto: Pixabay)
Quando eu tinha 16 anos, me perguntaram se eu gostaria de fazer intercâmbio cultural. Na época eu não entendia muito do assunto, mas fiquei animada só de pensar em morar um ano fora, fazer amigos de outras nacionalidades, aprender outra língua... Mas foi apenas quando eu já estava no Hemisfério Norte é que tive a noção exata do que aquilo significava. Fazer intercâmbio não era só diversão, especialmente por um motivo: era preciso conviver com a saudade. Muita saudade!

Hoje em dia, muito tempo depois daquele ano em que peguei um avião e fui viver do outro lado do mundo, vejo que tudo mudou. A saudade ainda se manifesta, mas agora existe algo "mágico" que ainda não existia naquela época... A internet! E foi exatamente isso que transformou completamente a experiência de morar fora. Agora, parece que o mundo encolheu.

Nesse momento de quarentena, em que estamos na maior parte do tempo enclausurados dentro de casa e arrumando formas de socializar on-line,  fico imaginando como seria mais fácil se na ocasião em que fui intercambista eu pudesse também mandar mensagens instantâneas para a minha mãe via aplicativo, pois, naquela época, para ter notícias de casa era só por correio tradicional ou ligação internacional. Porém, as cartas demoravam mais de uma semana para chegar e os telefonemas custavam muito caro...  Então, eu passava dias sem ter ideia do que estava acontecendo no Brasil e quando alguma informação finalmente chegava, estava até meio desatualizada. Imagina só se a pandemia tivesse acontecido naquela época? Acho que ninguém aguentaria...

Quando eu fiz intercâmbio, o tempo dos poucos telefonemas nunca era suficiente para matar a saudade, e em cada um deles eu terminava chorando, desejando ter um teletransporte para poder me materializar lá do outro lado da linha. Agora ninguém mais está preocupado com telefone. Pelo menos não com o telefone tradicional. Pelo próprio celular podemos ver ao vivo e em cores alguém que está a quilômetros e quilômetros de distância... Fico pensando em como essa tecnologia toda teria facilitado a minha vida! Quando eu viajei, deixei no Brasil grandes amigas e um amor. Teria sido tão fácil se eu pudesse simplesmente falar com todos eles no minuto em que quisesse... Nem ia parecer que a distância era tanta e certamente aquela sensação de estar completamente sozinha, que frequentemente me atormentava, não iria passar nem perto. Afinal, agora as pessoas têm os amigos na palma da mão... ainda que dentro de uma tela.

Mas, apesar de hoje em dia ser tudo mais ágil e simples, me orgulho ao constatar que vivenciei o verdadeiro sentido de um intercâmbio, algo que se perdeu com esse contato frequente que os intercambistas atuais têm com seus países de origem. Fazer intercâmbio era mergulhar em outra civilização, era conviver por semanas, meses ou anos apenas com os habitantes do outro lugar, era passar pelos choques culturais e pelas diferenças comportamentais, era fazer amigos que acabavam virando irmãos, pois era apenas com eles que podíamos contar em alguma dificuldade imediata. Acima de tudo, ser intercambista era morrer de saudade e continuar vivendo... Ao reler as cartas de tantos anos atrás, que ainda guardo, posso constatar que eu realmente vivi. E que aquele meu intercâmbio tão sofrido foi fundamental para fazer de mim a pessoa que hoje eu sou. Afinal, um pouco de sofrimento faz com que fiquemos mais fortes.

Acho que todos nós sentimos isso durante esse período de isolamento social, afinal, a distância faz com que valorizemos trivialidades que nem notávamos antes, como, por exemplo, abraços e beijos de quem nós gostamos... Essa distância a internet ainda não encurtou. 

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