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Estado de Minas HISTÓRIAS DA PANDEMIA

Mineiros transformam hobbies gastronômicos em negócio

Durante a crise sanitária do coronavírus, muita gente encontrou na gastronomia a forma de dar uma guinada profissional. De bolo a croquete, passando por pão e chocolate, conheça alguns casos


postado em 23/03/2021 10:23 / atualizado em 31/03/2021 13:33

Luciana Gondim Costa Duarte, da @lemonpie_luduarte, trocou a carreira de fisioterapeuta pela de confeiteira:
Luciana Gondim Costa Duarte, da @lemonpie_luduarte, trocou a carreira de fisioterapeuta pela de confeiteira: "De repente eu me vi como todo mundo: querendo, mas sem poder trabalhar" (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Já passam das nove da noite e, finalmente, as crianças estão na cama. É preciso esperar que Arthur, 6 anos, e as gêmeas Beatriz e Laura, de 3, durmam para que então Luciana Duarte Gondim Costa, de 46 anos, assuma seu posto de confeiteira. Essa rotina é nova para a família e começou logo após o início da pandemia, em março. Fisioterapeuta por formação, Luciana tinha diminuído o ritmo de trabalho desde que as caçulas nasceram. "Ainda fazia um atendimento ou outro, mas quando todos se viram obrigados a ficar dentro de casa, o movimento caiu de vez", explica. E aí foi a hora de se reinventar - palavra de ordem nesses tempos de COVID-19. Há tempos, Luciana era requisitada para preparar doces e tortas para aniversários de familiares e amigos. Sua torta de limão, então, era sucesso absoluto no reduto Gondim-Costa. Pois foi exatamente na famosa lemon pie que a fisioterapeuta viu a chance de ter uma nova fonte de renda. Foi para o Instagram e criou a @lemonpie_luduarte e abriu o leque de encomendas para fora do raio familiar. "De repente, eu me vi como todo mundo: querendo, mas sem poder trabalhar", diz Luciana, que precisou vencer o medo antes de começar o novo negócio. "Fiquei muito receosa. Eu me perguntava o tempo todo: 'E se ninguém gostar?'".

A receita da torta é própria e fruto de vários experimentos. Demorou até que Luciana chegasse a um resultado capaz de agradar tanto aos clientes que amam sobremesas doces àqueles que preferem algo mais sutil ao paladar. A confeiteira acha que o segredo do seu sucesso está aí, na sua "receita bem elaborada, que surgiu por meio de muita pesquisa e testes". Os consumidores podem escolher ainda a torta com duas coberturas, merengue suíço ou chantilly com preços que variam de R$ 20, a mini (quatro porções), a R$ 160, a super que rende de 40 a 45 fatias. As encomendas podem ser feitas pelas redes sociais ou pelo telefone (31) 99707-1310.

O empresário Ricardo Horta, da @ned_kroket: depois de conquistar o público, a ideia agora é atender bares e restaurantes(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
O empresário Ricardo Horta, da @ned_kroket: depois de conquistar o público, a ideia agora é atender bares e restaurantes (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Assim como Luciana, muita gente durante a pandemia encontrou no ato de cozinhar uma forma de se manter produtivo e até mudar os rumos profissionais. Com a instabilidade econômica gerada pelo novo coronavírus, o mercado informal cresceu. Foi diante do fogão que algumas pessoas acharam um novo caminho e o transformaram em negócio. A tecnologia, claro, é uma aliada e tanto. Em 2021, as vendas online devem crescer 26%, atingindo um faturamento de R$ 110 bilhões, segundo expectativa da Ebit/Nielsen. Segundo a análise, o desempenho do e-commerce será impulsionado pelo crescimento do número de consumidores, consolidação de plataformas locais e maturidade logística do setor para agilizar a entrega.

Dono de uma empresa especializada na fabricação de troféus, o artista plástico Ricardo Horta, de 53 anos, tratou de arregaçar as mangas e tirar da gaveta um antigo projeto, a Ned Kroket (ned_kroket). "Trabalho com eventos, que foi um dos primeiros setores a serem fechados. E não podia ficar parado", diz. A ideia de fazer croquetes típicos holandeses veio de uma viagem realizada em 2019. "Aqui em BH não tinha." Pronto. Com o negócio definido, Ricardo distribuiu seu produto entre amigos e familiares para uma avaliação. Passou com nota 10. Foi então que ele ampliou as vendas oferecendo seus quitutes em condomínios, como o Vale dos Cristais, em Nova Lima. Para o empresário, que agora planeja atender bares e restaurantes, o mais importante em começar um negócio é ter a certeza da qualidade do produto. O seu croquete de carne bovina, por exemplo, leva até três dias para ser produzido. Só de cozimento, são quatro horas. "Estudei bastante e adaptei uma receita holandesa de 1870 para ter um produto original e com o uso de ingredientes naturais, sem conservantes industrializados". O resultado são croquetes com uma casquinha crocante e recheio cremoso. São quatro sabores, boi, frango, bacalhau e vegetariano, com preços que variam de R$ 30,50 a R$ 39,50 (pacotes com 5 unidades). No cardápio, ainda está disponível frikandel, uma salsicha holandesa preparada com carnes de frango, porco e especiarias (R$ 50,50). Os interessados podem entrar em contato pelo Instagram ou pelo Whatsapp (31) 3024-6145.

Nada de baladas ou eventos: o DJ João Andrade passou a fazer bolos e tortas durante a pandemia no @medaumpedacim(foto: Anna Valentina/Divulgação)
Nada de baladas ou eventos: o DJ João Andrade passou a fazer bolos e tortas durante a pandemia no @medaumpedacim (foto: Anna Valentina/Divulgação)
Outro que viu as luzes do setor de eventos se apagarem com a pandemia foi o DJ João Andrade, de 26 anos. De repente, há quase um ano, o silêncio tomou conta da rotina do rapaz - formado em marketing - acostumado ao ritmo frenético das festas e baladas de Belo Horizonte. Já na primeira semana de pandemia ele teve todos os contratos adiados ou cancelados. E João não perdeu tempo. Trouxe à luz sua paixão por confeitaria. "Sempre gostei de cozinhar e resolvi resgatar algumas receitas que eu já fazia há algum tempo", conta. Fez um, dois, três bolos. Seus vizinhos, no bairro Guarani, foram alçados ao posto de provadores oficiais. "Eles se deram bem durante um tempo", brinca João, que depois do período de testes se desafiou em outros preparos para aumentar seu repertório gastronômico. Assim, há quatro meses, nasceu a Pedacim (@medaumpedacim), que hoje tem um cardápio com nove bolos, quatro tortas doces e duas tortas salgadas. Entre os mais pedidos, que podem ser feitos pelo (31) 98830-6671, estão o bolo de churros (R$ 27, o médio, e R$ 40, o grande) preparado com doce de leite caseiro; e a torta de cebola caramelizada com creme de provolone (R$ 20, a pequena, R$ 28, a média, e R$ 35, a grande). "O bacana é que os meus clientes acabam pedindo mais de um produto. Consigo sempre fazer uma venda casada", diz João, que também conta com um serviço de entrega próprio.

O jornalista Fábio Gomides investiu na @barupanetteria, especializada em pães de fermentação natural:
O jornalista Fábio Gomides investiu na @barupanetteria, especializada em pães de fermentação natural: "Era para ser um projeto datado, mas percebi que minhas duas profissões podem coexistir" (foto: Bárbara Dutra/Divulgação)
Acostumado a falar sobre a comida preparada por grandes chefs, o jornalista e assessor de imprensa Fábio Gomides virou, também durante a pandemia, um padeiro de mão cheia. Na verdade, era um hobby que ele adquiriu quando resolveu fazer uma reeducação alimentar, há 4 anos. "Passei a desconfiar de tudo. Queria menos industrializados e ingredientes mais saudáveis. Com isso, comecei a preparar minhas refeições", explica. Com o tempo, além da comida, Fábio se interessou pelo universo da panificação. Fez alguns cursos e preparar o próprio pão, de forma artesanal e fermentação natural, virou um hábito. Hábito que ele dividia apenas com os amigos próximos, que pediam para ele aumentar a fornada e comercializar seus produtos. "Não tinha tempo e ficava receoso de pegar uma encomenda e não dar certo." Nos dois primeiros meses da pandemia, Fábio se isolou em um sítio e fez pão até cansar. Em maio, lançou a Baru Panetteria, que funciona no São Pedro. "Para minha sorte, onde funciona meu escritório já foi uma escola de gastronomia, então herdei estrutura que facilitou a vida nesse início", diz. As fornadas saem de quarta a sábado e os clientes ficam sabendo dos pães disponíveis pela semana por meio de uma lista de transmissão no Whatsapp (31) 99693-2767e pelo Instragram @barupanetteria. O sourdough com queijo canastra (R$ 35) já virou um clássico, assim como o semi-integral com mix de grãos e sementes (R$ 25). Toda semana, no entanto, tem novidades. As últimas a entrarem no cardápio foram o brioche de laranja com amêndoas (R$ 38) e o pão 100% integral com figos e nozes (R$ 30). E Fábio não pensa em abandonar o novo negócio quando a pandemia passar. Muito pelo contrário. Acabou de adquirir um novo forno e já tem dois funcionários. "Era para ser um projeto datado, mas percebi que a assessoria e a panificação podem coexistir. São trabalhos diferentes, em turnos distintos."

Fernanda Albert, da @peralimonera.br, investiu na marca de chocolates durante a pandemia: alugou um espaço no Santo Agostinho e já tem funcionária fixa(foto: Divulgação)
Fernanda Albert, da @peralimonera.br, investiu na marca de chocolates durante a pandemia: alugou um espaço no Santo Agostinho e já tem funcionária fixa (foto: Divulgação)
Fernanda Albert foi outra que trocou de profissão de vez por causa do coronavírus. Arquiteta por formação, há cerca de dois anos começou a fazer chocolate. A história é aquele velho clichê da mãe que resolve preparar ela mesma o aniversário da filha e deixa os convidados de boca aberta. "Foi a primeira vez que mexi com chocolate e deu certo. Aí mergulhei no assunto e fui estudar", conta. Frustrada por não ter como se expressar artisticamente na arquitetura, ela acabou encontrando esse caminho através da chocolateria. "Desde o início, a parte estética, as embalagens foram importantes na Pera Limonera (@peralimonera.br)." Realmente, os chocolates da marca são impecáveis, assim como a apresentação. Caixas personalizadas, latas e embalagens comemorativas com design arrojados fazem parte do DNA da empresa. Sim, empresa. Porque, depois de preparar os chocolates em casa, no Vale do Sereno, Fernanda viu o negócio tomar um novo rumo durante a pandemia. "Logo depois de decretado o isolamento, veio a Páscoa e foi uma loucura", explica. Os clientes aprenderam o caminho do delivery e passaram a valorizar ainda mais o artesanal. A Pera Limonera cresceu. Em dezembro, passou a funcionar em uma casa no Santo Agostinho. Agora, Fernanda conta com uma funcionária fixa, além de freelancers durante datas especiais. No cardápio, mais de trinta opções de produtos, muitos com sabores inusitados como caramelo com uísque e maracujá de pimenta rosa. As telhas, delicados discos de chocolate, são o carro-chefe e aparecem nos sabores pistache, amêndoas e nozes (R$ 56, com 8 unidades). As trufas de hibisco (R$ 82, com 18 unidades) também encantam os clientes.

A Covid-19 transformou o mundo. Fez com que muitos se reencontrassem com o ato de cozinhar. O confinamento levou muita gente- até mesmo os que não tinham tanta intimidade assim com as panelas - a preparar suas próprias refeições. Mas, para alguns, a cozinha se tornou escritório e a pandemia foi a oportunidade de dar uma grande virada profissional.

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