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Estado de Minas EDUCAÇÃO

Meu filho não quer voltar para a escola. E agora?

Ressocialização das crianças após período de isolamento exige empenho dos pais e, em alguns casos, ajuda profissional


postado em 14/09/2021 00:08 / atualizado em 14/09/2021 00:09

Com volta às aulas presenciais, estudantes enfrentam novo desafio: o virtual às vezes ficou confortável demais(foto: Freepik)
Com volta às aulas presenciais, estudantes enfrentam novo desafio: o virtual às vezes ficou confortável demais (foto: Freepik)
Um mês e meio. Esse foi o tempo que a estudante Joana Arcanjo Ferreira Silva, de 15 anos, teve para se adaptar à nova escola antes de a pandemia da Covid-19 mudar os planos do mundo e exigir um isolamento forçado. A jovem tinha estudado por sete anos em outra escola e não teve tempo de fazer amizades ao colégio em que cursaria o ensino médio. Com o retorno das aulas presenciais, autorizado pela prefeitura de Belo Horizonte no dia 23 de julho, a estudante poderia voltar à sala de aula após mais de um ano isolada, e construir laços mais fortes do que aqueles alcançados com as breves conversas durante as aulas on-line. Mas ela ainda não quer. "Acho que eu até deveria voltar para fazer esses laços. Eu sei que é importante socializar, mas acho que não é o momento ainda", diz. O principal receio, segundo Joana, é a contaminação. "Ainda não estou vacinada e na minha turma tem 34 alunos. Mesmo dividindo em dois grupos, ainda são 15 estudantes dentro de um ambiente fechado."

Izamara Arcanjo tem dois problemas distintos em casa: o filho mais velho, Lucas, de 19 anos, não conseguiu um bom desempenho com as aulas on-line e chegou a pensar em trancar a faculdade até o início dos encontros presenciais. Já a filha mais nova, Joana, não quer voltar para a escola ainda(foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Izamara Arcanjo tem dois problemas distintos em casa: o filho mais velho, Lucas, de 19 anos, não conseguiu um bom desempenho com as aulas on-line e chegou a pensar em trancar a faculdade até o início dos encontros presenciais. Já a filha mais nova, Joana, não quer voltar para a escola ainda (foto: Pádua de Carvalho/Encontro)
Ao lado do medo da doença, existe outro obstáculo: a adaptação. "Quando eu voltar, as coisas serão diferentes. Todos mudamos muito nesse tempo, somos adolescentes. Nossos gostos mudaram na pandemia, nossos assuntos, nossas personalidades", afirma. "Vai ser um caminho longo para se adaptar e voltar a ser como era antes." Para a mãe de Joana, Izamara Arcanjo, a escolha da filha por ficar em casa e se proteger do vírus é sensata, mas traz uma preocupação. "Ela sempre foi mais caseira, tranquila. O problema é que, com o isolamento, ela se sentiu confortável de não sair", diz. "Não temos nenhum problema com o ensino remoto. É uma realidade que veio para ficar. Mas é necessário que os adolescentes convivam, se sociabilizem. Isso é uma perda e nós reconhecemos." Na outra ponta da família, há o irmão de Joana, que não via a hora de retornar às salas de aula e chegou a pensar em trancar a faculdade durante o período de ensino remoto. Lucas Arcanjo Ferreira Silva, de 19 anos, está no terceiro período de Ciência da Computação na PUC Minas e, ao contrário da irmã, não se adaptou ao isolamento. "O que eu mais senti falta foi o contato com os amigos. O emocional fica abalado", afirma. Izamara conta que o jovem chegou a ser reprovado em duas matérias. "Ele pensou em trancar a faculdade para voltar no ano que vem, presencialmente. Respeitamos a decisão dele também e tentamos orientar da melhor forma", diz a mãe. Felizmente, Lucas não precisou interromper o curso, já que as universidades foram autorizadas a retomar o ensino presencial na última segunda-feira (23/8). "O nosso grande dilema é que temos as duas situações em casa. Um que precisa ser freado porque quer sair o tempo todo, e a outra que precisa de estímulo", diz Izamara.

Para incentivar, aos poucos, o retorno da filha para o mundo externo – seguindo os protocolos de segurança –, Izamara e o marido têm criado momentos de passeio em família, como idas semanais à cafeteria. "Ao mesmo tempo em que respeitamos a decisão dela se manter isolada, buscamos estratégias para que volte à vida mais próxima da normalidade", relata. "Convidamos para ir à casa de um parente que também está isolado, conversar um pouco, sair de carro. Sem querer forçar e respeitando."

A psicóloga e psicanalista Alice Oliveira Rezende acredita que a estratégia dos pais pode ser benéfica para incentivar um retorno gradual. Para ela, a partir do momento em que se sente seguro para voltar ao mundo presencial, o adolescente precisa fazer novos laços e lidar com desafios que extrapolam a pandemia. "Sabemos que não é só o vírus que ameaça os adolescente e as crianças. Há grupos, divisões, melhores alunos, segregação", afirma. "Coisas que precisamos enfrentar na vida, e a escola é o primeiro ambiente onde somos expostos a elas." O perigo, segundo a especialista, é que o ensino remoto tenha gerado acomodação e fuga para não enfrentar a inserção no grupo. "A aula remota é não ter de enfrentar, continuar sob a tutela e a proteção dos pais. E essa é exatamente a travessia que as crianças e adolescentes precisam realizar para se tornarem adultos e assumirem a própria vida no futuro." Segundo Alice, cada família deve identificar se é ou não o momento certo de voltar ao convívio social – considerando, inclusive, as condições de saúde dos membros. No entanto, os benefícios dos relacionamentos presenciais para o desenvolvimento dos filhos é inquestionável.  "A pandemia trouxe problemas que não imaginávamos. Crianças muito pequenas apresentando sintomas de autismo, automutilação, atraso no desenvolvimento e na fala, irritabilidade. Algo que nunca tínhamos visto nessa proporção", conta. "Tivemos uma melhora impressionante com o retorno das aulas presenciais."

A psicóloga e psicanalista Alice Oliveira Rezende:
A psicóloga e psicanalista Alice Oliveira Rezende: "Sabemos que não é só o vírus que ameaça os adolescente e as crianças. Há grupos, divisões, melhores alunos, segregação. Coisas que precisamos enfrentar na vida, e a escola é o primeiro ambiente onde somos expostos a elas" (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Para ajudar nesse retorno, ela orienta que os pais identifiquem, principalmente, o motivo de a criança não querer voltar à escola e, caso necessário, busquem ajuda profissional. "Muitas vezes é um medo da covid, a ameaça do vírus, da morte. Mas em alguns casos também aparece o medo de não conseguir se incluir, de não querer enfrentar a vida. Esses casos precisam ser acompanhados", diz. Quando a recusa se torna muito emblemática e rígida, a ponto de gerar sofrimento, é necessário buscar o acompanhamento profissional. "Um especialista pode ajudar a entender o que está acontecendo, especialmente se os pais não estão encontrando uma forma de ajudar."

De acordo com Alice, alguns dos sintomas da manutenção do isolamento por longos períodos são apatia, tédio e desânimo, assim como o desinteresse pela aprendizagem e pelos laços sociais. "O desejo pelo laço é algo a ser construído, não vem pronto. E isso teve uma perda", afirma. "O presencial envolve a vivência, os encontros, as surpresas, a dinâmica, ter de se virar. O on-line nos protege das contingências da vida, mas, ao mesmo tempo, nos mortifica também."

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