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Estado de Minas PANDEMIA

Infectologista fala sobre ômicron em BH

Membro do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 da PBH, Estevão Urbano diz que situação da capital é preocupante


postado em 12/01/2022 20:02

(foto: Shutterstock)
(foto: Shutterstock)
A impressão de que há muita gente infectada com o novo coronavírus na capital mineira encontra respaldo nos números. Os boletins epidemiológicos de BH desde as festas de fim de ano têm mostrado aumento consistente no número de casos por 100 mil habitantes (passou de 16,4 no Natal para 200,4 na última segunda-feira) e na ocupação dos leitos - mesmo com ampliação das vagas de internação na última semana. A positividade dos testes em laboratórios particulares e na rede pública também tem aumentado. Apesar disso, devido ao fato de o número de internações estar menor do que em outras ondas (graças à vacinação e, suspeita-se, a uma menor gravidade da variante ômicron), a cidade segue funcionando normalmente, sem alterações nos protocolos ou flexibilizações dos serviços e setores. Tem-se visto cancelamentos de voos e desfalques em alguns setores e serviços devido à alta de casos, mas, como a vida tem seguido seu curso de "novo normal", há muitas dúvidas sobre como se comportar neste momento e sobre possíveis mudanças em tempo de isolamento, uso de testes, sintomas, etc. Para tirar essas e outras dúvidas, conversamos com o infectologista Estevão Urbano, membro do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 da Prefeitura de BH. Confira:

O infectologista Estevão Urbano(foto: Geraldo Goulart/Encontro)
O infectologista Estevão Urbano (foto: Geraldo Goulart/Encontro)
Qual é a situação hoje em BH em relação à pandemia?

Assim como o resto do Brasil e boa parte do mundo, estamos vivendo uma nova onda. Há um aumento de casos muito grande, tanto por causa das viagens e festas de fim de ano quanto pela maior capacidade de transmissão da variante ômicron. Há muita busca por consultas nos pronto atendimentos, muitos preferem a consulta à distância, mas até isso está difícil por causa do volume de procura. Neste caso, a cepa encontra alta cobertura vacinal, diferentemente do ano passado, quando a gama chegou mais ou menos nessa época do ano e quase ninguém estava imunizado. Isso vai salvar vidas. Contudo, ainda se vê gradativamente aumento de ocupação de leitos, e isso pode aumentar até um nível que a gente ainda não consegue mensurar.

É uma situação que preocupa?

É extremamente preocupante. Já existe um estresse do sistema de saúde ambulatorial, com esperas longas para consultas. Muitas pessoas estão sofrendo as consequências da doença, mesmo que de forma mais leve. Além disso há o absenteísmo, as faltas que sobrecarregam empresas e também hospitais. Preocupa porque poderemos ter óbitos e mesmo que seja um  extrato pequeno o das pessoas que adoecem de forma grave, graças à vacina, o número absoluto acaba sendo alto quando o número de infectados é muito alto.

Como está a relação entre infectados e internados?

Nós não temos esse dado. As internações estão em menor número, por causa da vacinação. E parece que a ômicron é mais leve, mas ainda não se tem certeza. Em outros lugares, como nos Estados Unidos, onde há ainda uma massa a ser vacinada, tem havido recorde de pacientes internados. Quando os infectados são indivíduos não vacinados, não sabemos se ela é de fato mais leve.

Qual é a orientação para quem sentir sintomas e para quem tiver tido contato com positivados?

A recomendação é variável. Idealmente deveria-se testar todo mundo para se saber a incidência do vírus e promover o isolamento. Contudo, a procura tem sido alta de PAs e de telemedicina e até dos laboratórios diretamente, com filas de horas. Nesse contexto é razoável a recomendação de que quadros leves possam aguardar em casa a recuperação, desde que não tenham febre alta, prostração intensa, falta de ar ou que não sejam pessoas muito debilitadas (de idade avançada, com muitas comorbidades). E é preciso ficar em isolamento. Se precisarem sair do isolamento antes, aí é fundamental serem testadas.

O senhor é a favor da liberação do uso de autotestes, que vão ser avaliados pela Anvisa, considerando a atual situação?

Não tenho opinião formada. Eles ainda não têm prova suficiente do quanto podem ser sensíveis, específicos. Pode ser uma ferramenta útil, mas é preciso interpretá-los com cautela. Por exemplo: um paciente sintomático, que teve contato com alguém positivo para Covid-19 e que faça o autoteste e dê negativo não pode considerar só esse resultado. Esses exames são mais úteis quando vêm positivos. Quando negativos, ainda há dúvidas quanto à confiabilidade.

Em relação ao tempo de isolamento, já se deve trabalhar com a nova orientação do Ministério da Saúde de redução para 5 a 7 dias no caso de assintomáticos?

Isso é algo que começou a ser discutido nos EUA e ainda é tema de muito debate. Na Sociedade Brasileira de Infectologia, por exemplo, estamos fazendo discussões intermináveis nos grupos de Whatsapp, cada um com uma opinião. É basante controverso. Em casos de assintomáticos, raramente se transmite o vírus após 5 ou 7 dias. Então, se após esse tempo a pessoa ainda está sem sintomas, possivelmente não é mais transmissora. E o afastamento de muitos trabalhadores por causa dessa explosão de casos pode trazer prejuízo aos serviços, à economia. Contudo, é preciso cautela. O retorno a partir do 6ª dia deve ser com teste negativo, o que ainda está um pouco confuso como orientação, e mesmo assim isso ainda é controverso, pois há os indivíduos superdisseminadores, pessoas com muita carga viral. Acho que é preciso cautela e interpretar cada situação. Uma volta após 5 dias para ir trabalhar em um lar de idosos, por exemplo, acho precoce.

O comitê está considerando alterações de protocolo para o retorno das aulas, dada a circulação de variante tão mais transmissível?

Dentro do comitê, existe a torcida para que crianças sejam vacinadas antes do calendário escolar. Não existe discussão de prorrogar início das aulas. Pessoalmente, acho até que seria razoável atrasar um pouco as aulas, em uma ou duas semanas, para que crianças sejam vacinadas antes, mas não é uma discussão do comitê.

As autoridades têm trabalhado menos para evitar o contágio, considerando que não tem havido mudança nos protocolos e flexibilizações apesar de aumento expressivo no número de casos?

Acho que enquanto o nível de internações permanecer sob controle, a repercussão da ômicron ainda é menor na gestão pública. Eu particularmente acho que talvez tenhamos que adotar medidas mais restritivas, considerando a alta transmissão. Pessoalmente, defendo, neste momento de alto contágio, que grandes aglomerações teriam de ter regras muito rígidas, como a testagem de todos os envolvidos, ou então deveriam ser canceladas. Mas ainda não chamou atenção das gestões públicas de forma geral.

Em relação à H3N2, ela tem sido mais grave do que outras variantes?

Temos essa cepa mutante, a variante Darwin, que talvez não tenha a mesma capacidade de cobertura pela vacina, o que aumenta o número de casos, mas não sei se ela tornou mais severos os casos. O problema é que veio junto de uma explosão da ômicron então são duas grandes epidemias. Além disso, por mais que a maioria dos casos seja leve, em termos absolutos, pode ser muita gente. Há, ainda, a possibilidade da co-infecção, e ainda não se sabe o que acontece com pessoas duplamente infectadas; pode ser que seja mais severo. Assim, melhor pecar pelo excesso de cuidado.

A ômicron vai transformar pandemia em endemia?

Teoricamente, existe essa possibilidade. É tanta gente contaminada que teria uma grande massa de imunizados, sem grande número de óbitos. O problema é que, além de não termos certeza de que a ômicron não possa causar tanto estrago (nos Estados Unidos, por exemplo, o cenário está preocupante), ainda existe a imprevisibilidade do vírus. Essa rápida multiplicação pode fazer surgir uma variante para a qual não estamos imunizados e que seja inclusive mais grave. O vírus é muito aleatório e imprevisível. 

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