Após o médico mineiro Sergio Ulhoa Dani, especialista em genética, aparecer em blogs e num artigo publicado pela revista Ciência Hoje alertando para o perigo da atividade da mineradora, que estaria liberando arsênio na cidade, os paracatuenses ficaram apreensivos. Mas, para acalmar a população, em março de 2014, a prefeitura apresentou, em audiência pública na câmara municipal, o resultado de uma avaliação da contaminação ambiental por esse metal cancerígeno.
A investigação realizada pelo Centro de Tecnologia Mineral, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, não apontou risco de contaminação para os 80 mil habitantes de Paracatu.
Quem também analisou os níveis de arsênio presentes na cidade mineira é a professora Virgínia Siminelli, da faculdade de Engenharia de Minas da UFMG, especialista em extração de minério. Ela realizou estudos em Paracatu sobre a possível contaminação, e os resultados obtidos por ela foram tranquilizadores. "Dados mostraram que o arsênio na água, no solo, na poeira e nos alimentos era baixo, e não trazia risco para a saúde humana. Nossa pesquisa foi apresentada à comunidade científica, num congresso internacional sobre arsênio, na Argentina, no ano passado", explica.
A professora diz ainda que o ouro está ligado à arsenopirita como em vários outros depósitos minerais do mundo, inclusive nas cidades de Nova Lima e Santa Bárbara, em Minas Gerais. "Durante a extração do ouro, ele é dissolvido da rocha, mas o arsênio que está na pedra não se desprende. A solução usada para retirar o metal precioso não tem capacidade de afetar o elemento cancerígeno". Os rejeitos desse tipo de mineração, que contêm o pó da arsenopirita, segundo a especialista, devem ser colocados em tanques impermeabilizados ou numa coluna d'água no fundo de uma barragem, longe do oxigênio, impedindo a oxidação. Do contrário, poderia haver a liberação de arsênio.
Em nota à Encontro, a Kinross afirma que "não existe qualquer evidência na literatura técnica e científica mundial de que a mineração de rochas e minérios auríferos sejam causadores de contaminação por arsênio. Na realidade, o que existe na literatura técnica internacional é diferente. A contaminação por arsênio em alimentos, principalmente no arroz, é a principal fonte de exposição da população mundial ao metal cancerígeno. Além disso, a água naturalmente enriquecida com arsênio é a maior ameaça à saúde pública, especialmente em regiões endêmicas na India, Taiwan, Argentina e outras, onde é encontrado naturalmente em rochas adjacentes a aquíferos".
Suspeitas
Estatísticas de atendimento do Hospital de Câncer de Barretos, cidade que fica 438 km de distância de São Paulo, e que recebe parte dos doentes de Paracatu, apontam um aumento no número de casos da doença na cidade mineira. Em 2012, 17 paracatuenses foram diagnosticados com algum tipo de tumor. No ano seguinte, esse número dobrou, totalizando 36.
De acordo com a assessoria do hospital, não existe estudo interno para verificar se os pacientes com câncer de Paracatu desenvolveram a doença por exposição ao arsênio. A instituição também ressaltou que nem todas as pessoas da cidade buscam tratamento em Barretos, ou seja, o número não representa o total de casos da população.
Para Gustavo Baumgratz, presidente da Sociedade Mineira de Cancerologia, tais dados não representam indício de que as pessoas estejam adoecendo devido ao arsênio. Segundo ele, o aumento nos casos de câncer é uma tendência mundial, devido ao avanço dos diagnósticos, que são cada vez mais precoces, bem como à maior longevidade da população e ao estilo de vida sedentário. "O aumento do número de pacientes com câncer, no mundo, se deve pela mudança de hábito das pessoas, principalmente as ligadas ao tabagismo, comum entre as décadas de 1960 e 1980. A obesidade e o sedentarismo também têm relação cada vez mais forte com o aparecimento de tumores".
Sobre os tipos de câncer provocados pelo arsênio, o oncologista explica que os mais comuns são do pulmão (localizado na pleura) e de bexiga, órgãos diferentes dos mostrados na estatística do Hospital de Câncer de Barretos. "Relacionar esse diagnóstico ao arsênio seria errado. Se houvesse um surto de câncer de bexiga, aí sim, teríamos um elemento mais forte para fazer a associação. Além disso, a exposição a substâncias cancerígenas possui um hiato até o aparecimento da doença, podendo chegar a 30 anos", afirma..