Na fila, que se forma em horários diversos, as pessoas esperam para encher vasilhames com água que brota da parede de imóvel que divide espaço com uma serralheria e uma igreja evangélica. Um mosaico colorido, idealizado pela arquiteta Maria Beatriz Boncompagni de Castro e executado pelos mosaicistas Breno de Jesus dos Santos e Rubens Gomes de Souza, da Prefeitura de Belo Horizonte, decora a “biquinha”, canalizada há décadas. Algumas pessoas chegam a pegar até 100 litros de água de uma só vez. Certamente, o fato de a água ser de graça atrai muita gente, mas há quem diga que a água da biquinha funciona até como remédio.
José Patrocínio Vitorino mora no Sagrada Família desde que nasceu, e é um dos que acredita nos benefícios do consumo do líquido. Sofrendo durante um bom tempo com os incômodos de uma gastrite, ele foi incentivado por amigos a beber apenas dessa água. “Coincidência ou não, a gastrite melhorou. Desde então, busco água para abastecer a minha família duas vezes por semana”, revela.
História parecida com a de José é a da aposentada Therezinha de Jesus Silva, ou Dona Terezinha, como é conhecida no bairro. Todo dia era a mesma coisa: sensação de inchaço no estômago e gastrite. Cansada de tomar remédios, ela foi, por indicação de conhecidos, atrás da água da bica. Ficou livre do problema. “Não falo que a água é milagrosa, mas ela faz muito bem para mim”, diz. O filho dela, Décio Reis da Silva, que quase todos os dias enche garrafas PET para levar para casa, vai além. “Acredito que é medicinal, um prêmio!”
A fé no poder curador não vem apenas de moradores do bairro, de pessoas mais velhas ou religiosas. Até mesmo quem poderia ter um perfil mais cético acaba se rendendo à história passada boca a boca, de geração em geração. A psicanalista Lúcia Romanelli procura a bica duas vezes por semana. “A fila já virou um ponto de encontro. Bebo, faço comida e até no meu carro a água tem de ser da biquinha”, conta.
Crenças à parte, foi graças a essa fonte que muita gente serviu a mesa, vestiu roupas limpas e ergueu a própria casa. Itamar Luiz de Oliveira diz que sua mãe contava que buscava litros e litros de água para fazer a massa que iria colocar sua casa em pé. O que era necessidade virou opção. “Esta é a melhor água.
Pessoas de cidades próximas também aumentam a fila, mas há quem venha ainda de mais longe. O comerciante André Magnus de Oliveira conta que costumava brincar ao redor da bica e que seu irmão, que mora no exterior, nunca se esquece do local. “Tenho um irmão que mora na Europa, na região dos Pirineus Franceses, local de águas nobres e, sempre quando ele vem a BH, não deixa de visitar a biquinha. Acho que tem gosto de saudade, de infância”, diz André.
Tem até gente lucrando com essa atração especial. Daniel Diniz é dono de uma papelaria e sai ganhando com o movimento de pessoas de outros bairros e cidades. “As pessoas vêm buscar água, acabam comprando por aqui e movimentando o comércio da região”, explica.
Bem, se esta matéria deixou você curioso ou com sede, dê uma passada pela biquinha. O que importa é o poder da fé e, no fim das contas, a água sempre foi responsável pelo grande milagre que é a vida..