Revista Encontro

Cidadania

Casais gays ainda enfrentam discriminação para demonstrar afeto em público

Segundo os casais homoafetivos ouvidos pela reportagem, muitas pessoas olham estranho quando saem nas ruas de mãos dadas ou levam os filhos para passear

Chegar à rua de casa de mãos dadas, passear abraçadas no shopping ou tomar uma cerveja no bar da esquina, trocando beijos e olhares no fim do expediente, são situações que fazem parte da rotina de muitos casais heterossexuais.
Porém, quando querem fazer coisas simples como essas, Mara Vargas e Ana Paula Vargas, casadas e moradoras de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, viajam mais de 30 quilômetros para se sentir mais à vontade, na orla da zona sul do Rio. No lugar onde moram, evitam "se expor".

"A gente gosta de sair para dançar, em boate LGBT , para curtir e beber. Em qualquer outro lugar, não vai ser a mesma coisa. Do jeito que está a violência hoje em dia, às vezes, é preferível nem sair", diz Mara, que completa, junto com Ana Paula, um ano de casada em dezembro.

Mesmo com os direitos garantidos civilmente, casais homoafetivos muitas vezes enfrentam constrangimentos e inseguranças na hora de demonstrar publicamente os sentimentos, o que a Justiça já resguardou. "Embora já se tenha um reconhecimento civil, formal e burocrático, existe preconceito muito forte que inviabiliza que essas pessoas tenham tranquilidade para manifestar seu afeto e falar disso abertamente", explica a psicóloga Daniela Murta, assessora de Saúde da Coordenadoria de Diversidade Sexual da Prefeitura do Rio de Janeiro.

"Nem sempre é a homofobia da agressão física, embora um dos motivos seja o risco de isso acontecer. Um beijo, um carinho, às vezes, são vistos como falta de respeito por quem está em torno. Eles não reproduzem o preconceito contra si mesmos e, sim, respondem a um preconceito ao qual são submetidos.
Se você está em uma situação em que se considera vulnerável, não vai se expor", analisa Daniela. "As pessoas têm direito à livre manifestação do afeto, e esse é um reconhecimento que ainda não foi introjetado por toda a sociedade."

No Brasil, o casamento homoafetivo é estendido a todo o país desde maio de 2013, quando entrou em vigor a Resolução 175, de 14 de maio de 2013, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o texto, os cartórios de todo o país não podem se recusar a celebrar casamentos civis de pessoas do mesmo sexo. Antes disso, já havia decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Apesar de já garantir esse direito, o Brasil ainda está entre os que mais registram mortes por homofobia. Em 2014, ocorreram 326 mortes, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia.

Há mais de um ano juntos, Marcelo e Eric Graciolli programaram a viagem de lua de mel e marcaram uma festa informal, um churrasco, para celebrar o casamento que conquistaram após uma saga burocrática de mais de 100 dias. Encomendaram doces e um bolo de casamento e chamaram a família para compartilhar a festa, que só teve um beijo, "selinho", que veio acompanhado de uma memória que permanece nas lembranças que guardam da festa. "A mãe dele virou o rosto. Um sobrinho correu para a cozinha e vimos risadinhas", conta Marcelo, que tem 40 anos.

"Nesse dia, combinamos de não nos beijar na frente da família. Percebemos que eles não estão prontos. O problema não somos nós, mas preferimos ter uma convivência mais tranquila", lembra o publicitário, que mora em Florianópolis, cidade que ele considera liberal e, mesmo assim, onde não se sente seguro para demonstrar afeto publicamente.

Os dois estão acostumados a promover festas em casa, a cuidar dos sobrinhos e a hospedar a família, mas, sempre sem demonstrações de afeto. "Meus sobrinhos sabem que somos casados e desenham a gente com coraçãozinho. As crianças entendem melhor que os adultos", diz Marcelo.

A regra de não demonstrar amor em público vale para qualquer situação em que não estejam sozinhos. Uma vez, por acidente, a diarista que contratavam para limpar o apartamento entrou no quarto e flagrou um beijo.
"Ela foi embora e nunca mais retornou nossas ligações. Ela sabia que a gente morava junto, tinha foto pela casa toda, usávamos alianças e só tinha uma cama de casal, e, mesmo assim, se escandalizou. Parecia que trabalhava para Satã."

(com Agência Brasil).