Revista Encontro

Patrimônio

Rua dos Caetés: a vida comercial de BH começou aqui

Principal via econômica na época da inauguração de Belo Horizonte, local guarda formas e personagens importantes para a memória da cidade

As histórias do comércio na capital e de alguns personagens de Belo Horizonte não podem ser contadas sem antes percorrer a rua dos Caetés, no Centro.
Consolidada como o primeiro grande corredor comercial da cidade, a via não só resultou no desprendimento dos ares provincianos da nova capital, com suas lojas e casas especializadas, como também foi onde grandes empreendedores iniciaram suas atividades, escrevendo, assim, os primeiros rascunhos da história de BH. Daquela época, ainda estão preservados casarões e prédios centenários, que se misturam com edificações mais modernas, dando continuidade à tradição das vendas. Com um fluxo de mais de 16 mil pessoas por dia e reunindo cerca de 700 estabelecimentos comerciais, a rua dos Caetés ainda guarda vestígios de sua vanguarda.

Uma das razões que favoreceu a transformação da rua dos Caetés em referência na cena comercial da cidade foi o fato de que uma de suas extremidades estava ligada à Praça da Estação. Na época, a antiga estação ferroviária, que auxiliava no transporte de materiais de construção da nova capital mineira, logo se tornaria uma das principais portas de entrada para pessoas que tinham Belo Horizonte como destino final. Sem contar que, alguns anos depois, ela também cortaria a praça Rio Branco, região onde foi construída a rodoviária. Portanto, o movimento natural da região já entregava aos terrenos do entorno um grande potencial para o comércio.

Essa capacidade rapidamente foi reconhecida por um indivíduo que se imortalizou na história por sua atitude visionária. Percebendo que o Curral Del Rey se tornaria a nova capital do estado, Zé dos Lotes, como ficou conhecido, tratou de comprar terrenos que, imaginava, fariam parte do ponto comercial determinado pela Comissão Construtora em 1895.
A escolha dos lotes se voltou justamente para os da rua Caetés. Com o tempo, sua previsão certeira lhe garantiu a fama de ser um dos homens mais ricos da capital.
 
Comércio a todo vapor

Para o encontro da Caetés com a rua São Paulo foi transferido o mais importante armazém do Curral del Rey. “A Esperança”, pertencente aos senhores Neves e Quites, atendiam quase todas as necessidades da população com a venda de artigos de setores variados, do alimentício ao de limpeza. Aos poucos, o comércio ganhou força com a chegada de imigrantes sírios, libaneses e árabes. Suas primeiras lojas se voltavam para a venda de tecidos e cereais, como trigo, lentilha, grão-de-bico e arroz, e rapidamente a região passava a ser conhecida pela população como Bairro do Comércio.

Onze anos depois da inauguração de Belo Horizonte, a Caetés abrigaria também o Cine Teatro Comércio. O prédio de cúpula e ornamentação com guirlandas e ramos, foi um dos mais nobres espaços culturais da cidade até 1922. A edificação representa um marco em Belo Horizonte, já que foi a primeira a ter mais de quatro andares na capital. Seu teatro tinha capacidade para atender 800 pessoas. Depois do espaço cultural, o lugar abrigou o Banco Comércio e Indústria e, hoje, pertence ao Sesc-MG.

Outro estabelecimento que continua a se perpetuar é a Casa Salles, fundada em 1881 em Ouro Preto pelo comerciante João de Salles Pereira. Ela abriu as portas em BH em 1903 e até hoje comercializa armas de caça e munições. O interessante é que parte do mobiliário da loja, como os dois balcões principais e uma caixa registradora tipificada em conto de réis, foram os mesmos utilizados por seu João.
Atualmente a loja está sob a direção de seu Edmar Salles, neto do criador do estabelecimento. Em cima da Casa Salles, nascia a pensão da Dona Rita, que mais tarde se tornou o Hotel de Minas, o melhor da cidade na época da inauguração.

Na rua dos Caetés, funcionou também a drogaria de seu Modesto Araújo. O estabelecimento, localizado no terreno onde hoje funciona o prédio da seguradora Minas Brasil, surgiu em 1906 com o nome de Pharmácia Mineira. Na época ela pertencia a Abelardo de Faria Alvim e José Lage Martins da Costa, responsáveis por contratar o jovem Modesto, de apenas 17 anos. Dedicado no trabalho, o rapaz comprou em 1913 o estabelecimento, que passou a se chamar Drogaria Araújo. Morando nos fundos do espaço da loja, quando alguém precisava de algum remédio durante a noite, bastava tocar a campainha que seu Modesto atendia. Hoje ela é maior cadeia de farmácias da capital mineira.

Rua dos Caetés esquina com rua Rio de Janeiro, nos anos 1930. À esquerda a antiga Casas Pernambucanas e à direita a Casa Bleriot e o seu icônico 'farol' - Foto: Curraldelrei.blogspot.com/Reprodução

Conjunto arquitetônico

Em função do seu alto valor histórico, a rua dos Caetés é definida pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural da cidade como Área de Conjunto Urbano. Tal classificação tem o objetivo de preservar seus 51 imóveis, que acompanharam a história da capital desde o seu início. Levando em consideração a localização dos prédios históricos do Centro, os que estão situados na Caetés formam um importante acervo arquitetônico que mantém a homogeneidade entre eles. Há 13 prédios construídos em 1900 e 1930, onde predomina o estilo eclético, como o edifício Aurélio Lobo e o prédio que abriga o Colégio Carrier.
Já em estilo art-decô são 20 e foram erguidos entre 1930 e 1950, como os prédios dos hotéis de Minas e Majestic. Os construídos em 1950 são 18 e pertencem ao modernismo, como o edifício Cartacho.

A rua dos Caetés ao longo do tempo:


(com Ascom da PBH).