Revista Encontro

Patrimônio

Você sabe o que faz um tipógrafo?

Conheça o belo-horizontino que há 57 anos trabalha com a antiga arte de imprimir usando tipos móveis

Em uma pequena gráfica ainda ativa nos fundos de uma residência de BH, máquinas com décadas de história relembram, semiadormecidas, uma época de ouro em que trabalhavam noite e dia para dar conta das encomendas.
O personagem no cenário, agora silencioso, é um tipógrafo apaixonado pelo ofício de toda a sua vida; hoje quase extinto por um mercado dinâmico e impaciente demais para valorizar a arte minuciosa dos tipos móveis que deram origem a todo e qualquer impresso.

"O grande avanço da prensa de Gutenberg hoje é algo ultrapassado. Mas é só o que sei fazer e é o que vou continuar fazendo pelo resto da minha vida. Não existe um plano B para mim, que me sinto o 'último dos moicanos'", conta o belo-horizontino Ademir Matias de Almeida, que está oficialmente nessa profissão desde 1979 – antes, apenas ajudava o pai.

Para quem não sabe, ou é jovem demais, a tipografia era usada para se montar textos para serem impressos. Era a forma de "diagramar" as páginas antes da existência do computador e dos softwares de design.

O tipógrafo mineiro Ademir Matias de Almeida virou tema do documentário Prelo, lançado em 2014, e dirigido por Raquel Pinheiro e Virgínia Pitzer - Foto: Prelo/Vimeo/Reprodução

Senhor das letras

Dezenas de gavetas guardam as pequenas fontes de ferro que serão montadas, uma a uma, no clichê para que, como um grande carimbo, o tipógrafo Ademir Matias de Almeida faça manualmente as impressões dos pedidos que chegam cada vez mais espaçadamente. O trabalhoso processo acaba tendo altos custos e demorados prazos de entrega, se comparado ao mercado gráfico atual; o que o torna cada vez menos atraente ao cliente, senão pelo imensurável valor artístico que traz consigo.

De uma família de pais e avós de mesmo ofício, Ademir é hoje um dos últimos tipógrafos de Belo Horizonte. Talvez um dos dois últimos, ele acredita.
"Mas a coisa mudou muito rapidamente e o que não mudava há 50 ou até há 500 anos virou de pernas para o ar em cinco. Eu não percebi, tão confiante que estava", lembra o profissional de 67 anos, que desde os 10 trabalha nas máquinas que eram do pai.

- Foto: Prelo/Vimeo/Reprodução

Houve épocas áureas e muitos funcionários. Um deles trabalhou para a família por 30 anos e só saiu aposentado. Outros dois aprenderam o ofício, abriram sua própria gráfica e, quando os ventos viraram, migraram como todos para o processo gráfico moderno. Há cinco anos, Ademir é o único funcionário de seu próprio negócio e chega a passar até um mês sem serviço. "Tem sido muito difícil viver da profissão. Mas não apenas é tarde demais pra mudar, como eu não gostaria nunca de largar essa que é minha grande paixão. Sigo com ela até o fim", conta Ademir.

Para garantir que a tipografia sobreviva às novas mídias, periodicamente, o tipógrafo recebe pequenas turmas de alunos de design para um workshop, onde ensina um pouco do que sabe e incentiva os jovens a viverem um dia no ofício, semeando sua arte aos que cresceram em um mundo muito diferente do seu. O tipógrafo segue em sua oficina sem computadores, emails ou qualquer outra modernidade eletrônica.

(com Iepha/MG).