"Em minha experiência com tratamento de crianças na rede pública, constatei que nos chegavam todas as semanas encaminhamentos das escolas solicitando 'avaliação neurológica'. Não poucas vezes me perguntei por que a primeira demanda da escola diante de uma dificuldade com as crianças era a de uma avaliação neurológica, ou seja, um pedido de avaliação que supunha um transtorno neurológico diante de um comportamento difícil de uma criança, que, em principio, poderia ser atribuído a causas tão variadas", diz a psicanalista Maria Cecília Pires do site Criar e Crescer.
A especialista lembra que muitos pais chegam nos consultórios esperando que os profissionais diagnostiquem as crianças com determinado "transtorno" ou "déficit". Porém, isso nem sempre condiz com a verdade. "Ou então, nos casos em que não se encontra como resposta esse tipo de diagnóstico, é como se estivéssemos dizendo que a criança ou o adolescente não têm nada, que não há patologia ou sofrimento psíquico a ser tratado. Não cabe a nós criticar nem esperar que isso se dê de outra forma. No entanto, é preciso dizer: o trabalho clínico com as crianças exige de nós um pouco mais", afirma a psicanalista.
Uma criança agitada, que fala muito, que é considerada "inadequada" em sala de aula, normalmente, é considerada portadora do Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), segundo Maria Cecília Pires, mas, na verdade, pode exigir cuidados e intervenções diferentes. "Em todos os casos, identificar o que se passa com ela exigirá que os adultos que a cercam nos falem a partir de sua relação com ela, e que ela mesma possa, a seu modo, expressar algo a alguém que permita isso", diz a especialista.
A psicanalista deixa claro que comportamento não é um sintoma, porque, para isso, seria preciso uma análise clínica, feita por alguém que possa traduzir o que está acontecendo com a criança. "Para que uma doença seja tratada, é preciso entrar em contato com ela.
Ou seja, existe uma confusão entre o que seria a manifestação "grosseira e superficial" de uma dificuldade – isto é, o comportamento aparente – e o que exige um trabalho mais elaborado por parte de todos os envolvidos (pais, profissionais e criança), resultadando num diagnóstico.
"Muitas vezes, o diagnóstico amparado no comportamento tem sido usado como um álibi para todos, apaziguando nossas angústias e nos dando a falsa sensação de que, finalmente, sabemos o que fazer com a criança. Os efeitos desse tipo de diagnóstico, revestido de seriedade científica, mas, no entanto, extremamente frágil clinicamente, são muito danosos no caso da criança", comenta Maria Cecília Pires.
(com portal Criar e Crescer).