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Memória

Comissão da Verdade de Minas Gerais diz que impeachment de Dilma é um resquício da ditadura militar

Relatório final da comissão foi apresentado em audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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Após quatro anos de análises e pesquisas sobre as violações de direitos durante a ditadura militar no Brasil (1964 a 1984), a Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg) divulgou seu relatório e aproveitou para criticar o posicionamento atual do judiciário brasileiro.
"Talvez os tanques militares tenham sido substituídos por togas da justiça, mas os demais atores são os mesmos: latifundiários, empresários, setores conservadores das igrejas. Entender a ditadura militar é essencial para entender o momento de ruptura democrática que vivemos agora", afirma Robson Sávio Reis Souza, coordenador da Covemg. Ele e outros membros do grupo apresentaram, nesta quarta-feira, dia 13 de dezembro, o relatório final na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A maioria dos participantes da reunião fez paralelos entre o golpe militar e o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Para Robson Souza, muito do que acontecia no período da ditadura militar se observa ainda hoje porque os acontecimentos que desenrolaram a partir de 1964, ano do golpe militar, não teriam sido devidamente esclarecidos.

Entre as práticas que se repetem, na opinião do coordenador da Covemg, está a criminalização da política e dos partidos como forma de afastar os cidadãos das decisões. Ele ressalta, ainda, que a ditadura tinha tentáculos em toda a sociedade e não foi mantida apenas pelos militares, mas com a participação ativa de membros de todos os poderes de estado, de empresários e de latifundiários, outra semelhança que ele aponta com a deposição recente da ex-presidente petista.

Memória como resistência

Também foi consenso entre os participantes que, para o avanço da democracia no país, é rpeciso conhecer a história e preservar a memória. "Lembrar também é uma forma de resistência", diz Maria Celina Pinto Albano, membro da Covemg. Ela foi responsável, entre outras funções, por buscar os locais onde foram praticadas torturas em Minas Gerais.
Segundo ela, até o educandário do Colégio Militar serviu como local de ações ilícitas de violência, assim como todos os quartéis do estado. Celina Albano sugere que o local onde funcionava o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), ícone da ditadura, seja transformado em um museu para que essas histórias não se percam.

Vale lembrar que a Covemg trabalhou em várias frentes, com pesquisas sobre torturados, desaparecidos e mortos por agentes do estado no período entre 1964 e 1988, mas também a respeito do impacto sobre etnias indígenas; a repressão de movimentos estudantis; a censura à imprensa e às artes; a repressão à população rural; a cassação de mandatos políticos e a demissão de servidores públicos; e o papel das Igrejas na ditadura e na resistência. Para a construção do relatório final, foram utilizadas estratégias como entrevistas com militantes do período, além de consulta a documentos oficiais e extraoficiais.

Impasse à democracia

Uma das dificuldades relatadas pela equipe da Comissão da Verdade de Minas Gerais é a de levantar os culpados das violações de direito durante o período. Outra é a de julgar aqueles que já foram identificados. Para Emílio Peluso, professor de direito da UFMG, o judiciário brasileiro ainda não aceitou nenhuma das 30 denúncias já feitas pelo Ministério Público de Minas Gerais contra agentes da época da ditadura. "Esta é uma demonstração de que as instituições brasileiras não passaram pelas reformas institucionais necessárias para atuarem na democracia. Nem a polícia nem o judiciário passaram por reformas", critica o professor.

Ao final do relatório apresentado pela Covemg, são feitas recomendações para os três poderes. Para a ALMG, sugeriu-se, por exemplo, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o histórico de violações de direitos e mortes em Unaí, desde 1985. Outro exemplo de recomendação é a de que se promova a reincorporação e/ou contagem do tempo para a aposentadoria dos funcionários públicos que, durante a ditadura, foram afastados de seus cargos e funções em virtude da atuação política.

Robson Souza, coordenador da Covemg, destaca que ainda há muita dificuldade de acesso a informações sobre esse período e que várias instituições às quais foram solicitados documentos se negaram a colaborar, como a Polícia Civil. Ele diz, ainda, que é preciso agora criar comissões específicas para tratar, por exemplo, dos trabalhadores rurais ou das comunidades indígenas, e, assim, avançar no conhecimento sobre o período.

(com portal da ALMG).