Para receber o projeto, o espaço expositivo foi transformado: em vez de paredes de arquitetura tradicional, o público encontra a terra como elemento central, conduzindo o percurso. O gesto conecta a paisagem vulcânica da Guatemala aos relevos e solos de Minas Gerais, criando pontes entre territórios, imaginários e contextos políticos.
. “Calel nos convida a uma reflexão ampla sobre território, a partir da cosmovisão kaqchikel-maia. Para nós, enquanto instituição, é fundamental nos aproximarmos de perspectivas que tratam do aprendizado com a natureza e oferecem novos olhares sobre os desafios contemporâneos e sobre os territórios que habitamos. Esses temas atravessam a exposição, mas também reverberam em nossas práticas de gestão e de governança. Trata-se de um compromisso manifesto desta exposição e que orienta a programação do Inhotim como um todo”, afirma Júlia Rebouças, diretora artística do Inhotim.
. No percurso de “Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho”, o visitante é conduzido por obras feitas de folhas, pedras, madeira e terra, elementos naturais que narram histórias e testemunham cosmologias dos povos originários. Em In b’aqil (2005), o artista descasca o reboco do prédio da galeria, em um gesto de investigação das camadas de ocupação do espaço arquitetônico e do território. Outras criações se destacam pela escala, como Q’eq Ulef Xan (2025), bordado monumental de oito metros feito em colaboração com sua família, e Kej-chi’ch’ (2025), escultura em tamanho real da caminhonete vermelha da família, cercada por 18 figuras humanas também em escala real — trabalho realizado em parceria entre o Ateliê do Inhotim e o artista.
. A mostra culmina em um ambiente doméstico imersivo, que evoca o ateliê-casa de Calel em San Juan Comalapa, na Guatemala. Da janela desse espaço íntimo, é possível ver Tab’el (2025), altar de pedra com velas e objetos religiosos instalado na área externa da galeria.
. “Nessa exposição apresento trabalhos que surgem da experiência e da convivência que tive com minha avó durante a infância. Muitas obras vêm de memórias: de sons, de cantos, de rezas nas montanhas, de oferendas, de imaginar mover uma pedra no ar, ou de perceber um avô ou uma avó na forma de pedra. Acredito que esta é uma das exposições mais emblemáticas que realizei nos últimos dez anos, porque as obras têm a dimensão necessária e o tempo de permanência adequado”, reflete Edgar Calel.
. Ao todo, doze trabalhos foram comissionados pelo Inhotim, entre eles Ru b’ix Qa Tzub’al , Aqu’omanik Paruwi Juyu’ e Nimajay kaqchikel . Três outras obras já existentes integram o percurso, ampliando os diálogos do projeto curatorial assinado por Beatriz Lemos e Lucas Menezes. Todos os títulos estão em kaqchikel, língua maia falada na Guatemala Central, sempre acompanhados de versão em português.
. A concepção da mostra foi resultado de pesquisa que incluiu a primeira visita do artista a Brumadinho, em 2024, e, posteriormente, uma viagem das equipes de curadoria, ateliê e educação do Inhotim à Guatemala. “A produção de Edgar Calel tem raízes profundas em sua cidade natal. A medida que avançávamos na pesquisa e discutíamos as questões-chave e os primeiros projetos para a exposição, ficou claro que era fundamental estar com o artista em seu território. A relação que o artista estabelece com sua ancestralidade maia não é referencial, ela está presente em todas as dimensões do cotidiano. Entendendo isso, saímos da Guatemala com o projeto pronto, tudo tinha o seu lugar, víamos tudo integrado. O resultado é a realização de uma mostra sem precedentes na carreira do artista”, comenta Lucas Menezes, cocurador.
. Durante esse processo, Calel autorizou pela primeira vez que parte de sua obra fosse produzida fora de seu ateliê familiar. O encontro com a equipe do Ateliê Inhotim resultou em um eixo de trabalho entre San Juan de Comalapa e Brumadinho. “Ao falar da minha família, reconheço também a importância da conexão entre ela e toda a equipe que se dedicou a produzir as ideias nos ateliês do Inhotim. Há uma conexão profunda entre um ponto e outro, entre um povo e outro. O que existe é algo tão bonito e tão importante: reconhecer que a arte contemporânea está sendo feita a partir dos povos. Esse enfoque é fundamental, pois também se trata da memória dos povos que estamos transportando por meio dessas obras”, reflete Calel.
. Para a produção das esculturas de Veado de metal, colaboradores do Inhotim serviram como modelos para a confecção de moldes, posteriormente preenchidos com argila — técnica que remete a experiências realizadas pelo museu em meados dos anos 2000 com artistas como John Ahearn & Rigoberto Torres.
. “O Inhotim se orgulha muito de capacidade para produzir grandes e complexos projetos artísticos. Foi a partir dessa vocação que a Instituição conseguiu ser o que é e se tornar um projeto tão único. Nessa exposição, tivemos a honra de conectar o nosso ateliê ao ateliê familiar do artista, materializando e reforçando um diálogo existente na exposição: o que acontece entre os territórios de Brumadinho, Brasil, e da San Juan de Comalapa, Guatemala”, conclui Júlia Rebouças.
Exposição: Ru Jub’ulik Achik’ – Aromas de um sonho, de Edgar Calel
Abertura: 18 de outubro de 2025
Local: Galeria Lago — Inhotim, Brumadinho