Revista Encontro

Religiosidade

Qual seria a origem da fé e da religião?

Cientistas acreditam que sejam fruto da cultura

Correio Braziliense
- Foto: Pixabay

Existe explicação para a fé e a religiosidade dos seres humanos? Pesquisadores estão tentando desvendar esse "mistério" da mente. Por meio de questionários e exames por imagens no cérebro de voluntários, os cientistas analisaram o comportamento de peregrinos que fizeram o Caminho de Santiago de Compostela, no norte da Espanha. Com base nos resultados, que foram publicados na revista Scientific Reports, eles concluíram que a crença religiosa provavelmente está arraigada na cultura e não em alguma intuição primitiva, além de sofrer forte influência da educação. Para os pesquisadores, entender melhor a relação do homem com as crenças pode ajudar na condução de tratamentos médicos.

"Muitos estudos defendem que pessoas religiosas não possuem um pensamento mais lógico, e, sim, mais intuitivo. Várias pesquisas foram realizadas sobretudo na América do Norte. Porém, nós quisemos colocar essa teoria novamente à prova", comenta Miguel Farias, professor da Universidade Coventry, no Reino Unido, principal autor da pesquisa, em entrevista para o jornal Correio Braziliense. "O que impulsiona a nossa crença nos deuses? Intuição ou razão, coração ou cabeça? Tem havido um longo debate sobre este assunto, mas os nossos estudos desafiaram a teoria de que ser um religioso é determinado pelo pensamento intuitivo ou analítico", diz o cientista, que é especialista em psicologia experimental.

A equipe de pesquisadores tentou decifrar a relação do homem com a religião ao observar o comportamento de viajantes do Caminho de Santiago de Compostela. Numa primeira etapa, eles aplicaram um questionário com perguntas que englobavam temas diversos.
Os andarilhos podiam optar por escolhas lógicas ou por respostas baseadas em mitos. Os resultados mostraram que os indivíduos tendiam a escolher a opção mais relacionada à razão.

Na segunda parte do experimento, foram oferecidas uma série de enigmas aos voluntários. A conclusão se repetiu: os peregrinos resolveram todos os desafios, mesmo os matemáticos, que envolviam elementos mais racionais e menos intuitivos, sem dar preferência aos mais subjetivos. Na última parte da pesquisa, os investigadores induziram uma corrente elétrica no couro cabeludo dos participantes, por meio de dois eletrodos. A estimulação cerebral foi utilizada para aumentar a atividade do giro frontal inferior direito, a parte do cérebro que controla a inibição cognitiva. "Um estudo anterior, que envolveu imagens cerebrais, mostrou que os ateus usavam mais essa área do cérebro quando queriam suprimir ideias sobrenaturais", afirma Miguel Farias ao Correio.

Os resultados mostraram que o aumento da inibição cognitiva não alterou os níveis de crença no sobrenatural. O achado sugere que não existe relação direta entre a inibição cognitiva e a fé e a espiritualidade. "Vimos que a estimulação elétrica não refletiu em qualquer alteração, não teve efeito", destaca o principal autor do estudo.

Com o resultado dos três experimentos, os investigadores acreditam que a origem da crença religiosa é bem mais complexa do que se imaginava e, portanto, mais difícil de se explicar. Eles defendem que a religiosidade se desenvolve por causa de processos socioculturais, incluindo a educação. "Nós não achamos que as pessoas são 'crentes nascidas'. Os dados sociológicos e históricos disponíveis mostram que nossas crenças são principalmente baseadas em fatores sociais e educacionais e não em estilos cognitivos, como o pensamento intuitivo ou analítico", diz Miguel Farias..