Revista Encontro

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A inventora da coxinha de catupiry

João Pombo Barile
None - Foto: Eugênio Gurgel

Ir à Doce Docê comer coxinha de frango ou de camarão com catupiry. Quem tem mais de 30 anos certamente se lembra desse programa de final de tarde, típico dos anos 1970 aos 90, em Belo Horizonte. Numa época em que nossos hábitos alimentares ainda não tinham sido atropelados pelas redes de fast-food, com seus sanduíches insossos e padronizados, a deliciosa iguaria era disputada a tapa pelos mineiros, que faziam fila na loja que ficava na praça ABC. “A certa altura, a paisagem do salgadinho passou a ser dominada pela coxa de catupiry. Lembra? Enorme, obesa!”, escreveu recentemente o jornalista Humberto Werneck numa crônica onde rememora o período. “E dava trabalho a quem a abocanhava: era você cravar os dentes e o catupiry derretido pelando vazava queixo abaixo. Valia por um almoço”, escreveu o autor, que, saudoso, perguntava: “Gente, que fim levou a coxa de catupiry? Tem por aí alguma dona que faz?”

 

O apelo de Werneck faria efeito. E, algumas semanas depois, a identidade da criadora do salgado seria revelada.

Pelo próprio Humberto, aliás, em uma nova crônica: a deliciosa coxinha, que fez época na cidade, era criação da mineira Theresa Cristina Pinto Coelho Martins de Oliveira. “Depois que escrevi a crônica, recebi um e-mail dela me convidando para comer umas coxinhas na sua casa quando fosse a Minas. Não perdi a chance. Foi uma tarde inesquecível”, rememora o cronista mineiro que há mais de trinta anos mora em São Paulo.

 

Sentada à mesa da cozinha da casa do seu filho, no condomínio de Alphaville, em Nova Lima, dona Thereza se diverte ao falar da crônica de Werneck. E se delicia quando começa a relembrar aquele início dos anos 70. Mais precisamente 1972, quando abriu a primeira loja da Doce Docê na subida da avenida Afonso Pena, no número 2.724.

 

“A cidade era completamente diferente de hoje, sabe? Muito menor. Mais calma. Não existiam todos esses hipermercados e delicatessens. Era difícil até arranjar o catupiry para fazer a coxinha”, conta dona Thereza, enquanto enrola algumas ao lado do marido, o advogado Levindo Coelho Martins de Oliveira. “Chegamos a ser os maiores compradores do Brasil de catupiry”, lembra, animada.

 

Dona Thereza sempre gostou de cozinhar. Mineira de Santa Bárbara, ela se lembra de, ainda criança, ajudar a avó na cozinha da fazenda: “Vovó era uma excelente cozinheira. E eu adorava recortar biscoito para assar junto com ela”. O gosto da avó pela cozinha acabaria fazendo com que a neta também se tornasse uma excelente quituteira.

Nem todo mundo sabe, mas antes de dona Thereza ter criado a Doce Docê, ela organizava jantares e festas de casamento em Belo Horizonte. “Meus bombons e bolos faziam grande sucesso. Foi por causa deles que tivemos a ideia de criar a Doce Docê”, revela.

 

Na família, a receita de salgado mais famosa sempre foi a empada. A coxinha só viria bem mais tarde, quando ela já era casada. Uma criação da própria dona Thereza. “Fui aprimorando a massa ao longo dos anos, a quantidade certa de cada um dos ingredientes para que ela tivesse a grossura certa”. A receita da coxinha é segredo de estado. Ela não revela a ninguém. Nem adianta pedir. “Ela não conta.

Não adianta nem perguntar. Nem os nossos filhos sabem”, afirma “seu” Levindo, enquanto ajuda a fritá-las.

 

Além da loja que funcionava na praça ABC, na subida da Afonso Pena, dona Thereza conta que a Doce Docê teve mais três filiais: na Savassi, no BH Shopping e em Ouro Preto

 

Dona Thereza não tem dúvidas de que ela foi a primeira pessoa no país a ter a ideia de misturar o famoso requeijão de Poços de Caldas com frango ou camarão. “Tenho certeza: o salgado não existia nos anos 1970. Fui a primeira pessoa a fazer a mistura. Me lembro do sucesso que a coxinha fazia com gente que vinha de São Paulo e do Rio de Janeiro, e que nunca tinham comido nada parecido”, afirma para, em seguida, lamentar: “É só uma pena que eu não tenha patenteado a coxinha com o nome de Doce Docê. Hoje estaria milionária”.

 

No auge do negócio, a Doce Docê teria, além da praça ABC, mais três endereços: na Savassi, no BH Shopping (ela foi a primeira loja a se instalar ali) e em Ouro Preto. “Chegamos a ter mais de 100 funcionários. Por dia, consumíamos 120 quilos de frango e 80 quilos de camarão”, conta “seu” Levindo, que ainda revela que durante o Plano Cruzado quase acabou preso por causa das coxinhas. “Foi naquela época dos fiscais do Sarney. Lembra? Tinha gente que denunciava nossa loja dizendo que o preço da coxinha era abusivo. O governo queria tabelar até preço de salgado”, relembra, resignado.

 

A mítica casa acabaria no final dos anos 1990. Com a mudança do casal para Brasília, ficou impossível gerenciar as quatro lojas. “Quando o Levindo foi transferido para Brasília, achei melhor fechar as lojas. Não era possível tocar a Doce Docê de longe”, conta dona Thereza. A Doce Docê acabaria em 1998, deixando uma saudade enorme.

 

 

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