Resultado de parceria entre a FSP-USP e o Ministério da Saúde, o guia foi lançado em novembro de 2014, em substituição à edição de 2006. Em vez de trabalhar com grupos alimentares e porções recomendadas, a publicação sugere como base da alimentação os alimentos frescos – como frutas, carnes, legumes e ovos – ou minimamente processados, como arroz, feijão e frutas secas. Recomenda ainda evitar os alimentos ultraprocessados, como macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote e refrigerantes.
Na época de seu lançamento, o guia teve repercussão discreta na imprensa brasileira, mas despertou atenção nos Estados Unidos, recebendo elogios de renomados especialistas na área de nutrição. Em seu blog Food Politics, Marion Nestle, professora da New York University – que, apesar do sobrenome, não tem nenhuma relação com a multinacional suíça –, afirmou que "as orientações são notáveis pelo fato de serem baseadas em alimentos que os brasileiros de todas as classes sociais comem todos os dias e considerarem as implicações sociais, culturais, econômicas e ambientais das escolhas alimentares".
Em entrevista concedida à Agência Fapesp, o pesquisador contou como foi o processo de levantamento das evidências científicas que dão o embasamento teórico ao guia:
AGÊNCIA FAPESP – Como funciona a nova classificação dos alimentos proposta pelo guia alimentar para a população brasileira?
CARLOS AUGUSTO MONTEIRO – O entendimento de que alimentos processados podem acarretar problemas para a saúde é antigo, mas impreciso, pois não especifica os tipos de processamento e a natureza dos problemas. Para preencher essa lacuna, nosso núcleo de pesquisa na USP criou uma classificação de alimentos baseada no grau de processamento industrial e que contempla quatro grupos. No primeiro grupo, que deve ser a base da alimentação, estão os alimentos in natura, como frutas e hortaliças.
Por que devemos evitar os alimentos ultraprocessados?
O ultraprocessamento permite fazer produtos de muito baixo custo e de grande aceitabilidade, durabilidade e conveniência. Isso é conseguido por meio de processos tecnológicos muito sofisticados e uso de ingredientes relativamente baratos, como açúcar, gorduras, sal e aditivos. Além de ter um perfil nutricional intrinsicamente desequilibrado (muito sódio, muito açúcar, muita gordura não saudável), os processos e os ingredientes utilizados no ultraprocessamento levam a produtos que confundem o controle natural da fome e saciedade e que, nesta medida, promovem a obesidade. De fato, alimentos ultraprocessados são manufaturados para que sejam "irresistíveis" e isso é comumente mencionado na propaganda desses produtos.
Os aditivos alimentares não são seguros?
Embora a indústria só utilize aditivos alimentares legalmente permitidos, as avaliações que geram essas permissões são muito limitadas, não levando em conta efeitos de longo prazo e efeitos de interações entre aditivos. Estudos recentes vêm mostrando, por exemplo, que adoçantes artificiais e emulsificantes, aditivos muito comuns em alimentos ultraprocessados, podem alterar a microflora intestinal e destruir a camada de muco que protege o epitélio intestinal, levando ao aumento do risco de colite, obesidade, diabetes e outras doenças crônicas.
O guia também aponta desvantagens ambientais do consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, certo?
O ultraprocessamento de alimentos é muito ruim para o ambiente também, pois gera uma grande quantidade de resíduos sólidos e requer maior consumo de água e de energia em comparação aos alimentos minimamente processados. Também representa risco à diversidade de espécies. Como a lógica da indústria é reduzir custos, compram apenas um tipo de laranja, um tipo de milho ou de soja. Dentre os alimentos minimamente processados, o impacto ambiental não é homogêneo e, neste sentido, o guia recomenda que a alimentação esteja baseada em uma variedade de alimentos de origem vegetal, que são os de menor impacto ambiental, e que as carnes vermelhas, em particular, sejam consumidas em pequenas quantidades.
A dieta da população brasileira caminha no sentido de se parecer com a da população norte-americana?
Estamos em um momento de transição.
(com Agência Fapesp).