Revista Encontro

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Carro sem dono

Fábio Doyle
None - Foto: Divulgação

A grande novidade no setor automotivo, ainda quase desconhecida no Brasil, é o sistema car sharing (ou carro compartilhado). É uma forma de poder ter seu carro apenas nos momentos que realmente precisa dele e sem ter as preocupações e gastos do carro próprio.

Os defensores do modelo apostam que a população das grandes cidades irá cada vez menos querer enfrentar as chateações e custos que implicam ser proprietário de um carro, que não é mais símbolo de status para muita gente. As montadoras, por sua vez, estão, cada vez mais, procurando novas formas de ganhar dinheiro além da montagem e venda de carros. Os carros serão cada vez menos bem-vindos aos centros urbanos devido aos congestionamentos, poluição e falta de espaço.

A empresa de análise do setor automotivo Frost & Sullivan prevê que, em 2016, o número de adeptos dos serviços de car sharing será de 5,5 milhões na Europa e 4,6 milhões na América do Norte. O crescimento desse mercado pode não ser uma boa notícia para as montadoras e concessionárias. “Cada carro do sistema pode suprimir pelo menos cinco outros das ruas, uma vez que os clientes do car sharing tendem a deixar parados seus veículos próprios”, diz Aswin Kumar, da Frost&Sullivan. Mas há também o lado positivo. O sistema dá aos participantes a chance de dirigir os carros que mais tarde eles irão comprar.

Além disso, as montadoras podem também usar o car sharing como modelo de negócio do varejo para introduzir no mercado seus carros elétricos, que são hoje muito mais caros do que os modelos equipados com motores convencionais. Seria uma forma de popularizar e baratear o uso de carros ambientalmente corretos.

A BMW, Daimler e Peugeot acreditam no novo filão e saem na frente, conscientes de que as chances de lucros são boas. A Peugeot é a mais ousada e oferece vários tipos de veículos. Os clientes podem alugar carros Peugeot, EVs (veículos elétricos), furgões de trabalho e até mesmo scooters e bicicletas por hora ou por dia. No ano passado, a empresa implantou o sistema em cidades da França, Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido e Bélgica, e tem planos de levar o serviço para a maioria das cidades europeias com mais de 300 mil habitantes até o final de 2013. De forma menos agressiva, a Daimler e a BMW também estão com um pé no car sharing. O sistema da Daimler começou na cidade de Ulm, na Alemanha, em Austin, capital do Texas, e, no mês passado, foi lançado em Hamburgo (Alemanha) e Amsterdam (Holanda). Por ele é possível alugar um Smart Fortwo para trajetos curtos ou longos. Já a BMW lançou em Munique, sua sede na Alemanha, um programa piloto de 12 meses que permite aos clientes alugar veículos da marca bávara por hora. O diferencial do sistema BMW é que dá aos interessados a oportunidade de dirigir o modelo mais adequado para cada situação.

De um modo geral, as montadoras estão de olho em clientes urbanos entre 30 e 45 anos, além dos aposentados. São grupos que não consideram essencial possuir um carro e que só ocasionalmente precisam de um. Pesquisas feitas pela Peugeot revelam também que os jovens adultos nos centros urbanos europeus dão muito menos importância ao fato de possuir um carro do que as gerações anteriores.




O cliente usa um cartão da empresa para ter acesso às chaves do carro


O analista da IHS Global Insight, Carlos Da Silva, compara o sistema car sharing ao serviço de telefonia móvel. “Essa é uma resposta dos fabricantes para permanecerem vivos,” diz.
“De outra forma, veremos a indústria automobilística cada vez mais parecida com o sistema de telefonia móvel, no qual as operadoras oferecem os serviços de telefone e os fabricantes dos aparelhos (Nokia, Blackberry) são meramente fornecedores do objeto em si. Eu não acho que os grupos automotivos querem que isso se torne realidade para eles.”

A novidade, que se espalha com rapidez em médias e grandes cidades na Europa e Estados Unidos, ainda é vista com desconfiança pelas montadoras que estão no Brasil. Nenhum executivo quer dar sua opinião sobre o sistema, sua viabilidade e consequências para o mercado de automóveis. Segundo Ademar Cantero, diretor de Relações Institucionais da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o mercado brasileiro ainda não atingiu o grau de maturidade que tornaria viável essa modalidade de mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Para ele, a propriedade de um automóvel é ainda um fator importante para o brasileiro.

Mas há quem pense diferente. O empresário Paulo Barroso, inspirado no sistema ZipCar, que já funciona em grandes cidades dos Estados Unidos, criou em 2009, em São Paulo, a Zazcar, até agora o único sistema de car sharing do país. A idéia surgiu quando viu na televisão reportagem sobre o tema e, aproveitando que sua esposa estava estudando em Washington, passou a utilizar a alternativa de mobilidade. A partir de então, visitou e procurou conhecer vários sistemas de car sharing nos Estados Unidos e Europa antes de elaborar seu plano de negócios e, após 16 meses de planejamento, inaugurar seu sistema no Brasil. Começou com 10 carros; hoje tem 14 e em breve deverá aumentar a frota, formada pelos modelos VW Fox e Gol, Fiat Punto e Siena, Honda Civic, Toyota Corolla, Chevrolet Zafira e Smart, para 23 automóveis.

Com 320 clientes cadastrados, o sistema de Barroso funciona de forma quase idêntica aos europeus e norte-americanos. O cliente reserva o carro pelo telefone, internet ou pessoalmente, vai até local indicado, destrava a porta do carro selecionado com o cartão magnético (a chave de ignição está no porta luvas), usa o veículo e depois o devolve no mesmo local.
Se precisar de gasolina é só ir a um dos postos conveniados para encher o tanque. O custo para participar é a taxa de inscrição de R$ 55, a anuidade ou mensalidade, que varia de acordo com o plano escolhido e o valor da hora de uso, que gira entre R$ 8,90 e R$ 21,90, dependendo do modelo de carro e do plano a que pertence. Aprovado o cadastro, o cliente recebe o cartão de sócio em casa e, a partir de então, passa a ter vários carros em São Paulo à disposição, sem arcar com despesas como impostos, manutenção e combustível.

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