Revista Encontro

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Exaltação bossa-nova

José João Ribeiro
None - Foto: Divulgação

A fórmula segura e certa para atingir o sucesso fatalmente está bem longe de existir. No país onde cinema é antes de tudo indústria, um projeto de pretensões milionárias se inicia com escolhas, sempre escoradas no componente sorte. Todo esse rito, traçado por flagrante obviedade, tão cedo perderá sua força ou deixará de ser determinante e atual. Se pensamos que um filme americano começa a partir de uma ideia, incorporada em roteiro, com pré-produção, filmagens, pós-produção e lançamento (isso, para ser o mais básico e reducionista possível), estamos, no mínimo, enxergando um prazo otimista de quatro ou cinco anos.

 

Quando se trata de um longa-metragem de animação, esse tempo pode saltar para o dobro, em virtude da exigência de mais detalhes e capricho. A grande razão do estouro de Rio, nova possível franquia da produtora Blue Sky (de A Era do Gelo), braço da Fox, deve-se justamente às escolhas feitas no projeto.


Uma ararinha azul, totalmente deslocada no frio cenário do estado do Missouri, nos EUA, é trazida para a cidade maravilhosa, onde deveria acasalar com uma fêmea de impressionante personalidade, na esperança de assegurar a sobrevida da espécie. Antes de existir essa chance (além do estranhamento inaugural), o casalzinho tem que enfrentar diversas intempéries e desencontros, depois de serem sequestrados por traficantes de animais e se perderem por paisagens já fincadas em nosso imaginário particular. Parafraseando Carmen Miranda, os responsáveis pelo “it” dos protagonistas são duas jovens estrelas na crista da onda: a lindíssima Anne Hathaway e o garoto geek Jesse Eisenberg, que, com um criativo e divertido processo de dublagem, colaboraram sobremaneira para que existisse empatia e química entre as aves. É necessário pontuar que o trabalho de captação sonora, ou seja, o que há de humano e artístico nas animações computadorizadas de hoje, é um dos primeiros atos na pré-produção.

Em seguida, buscando a desejada perfeição, as vozes e as reações dos artistas são “encaixadas” nas personagens.


A escolha do jovem Jesse Eisenberg para o protagonista Blu talvez tenha sido uma aposta que, no linguajar americano, quebrou a banca. Ninguém que participou na seleção do elenco de Rio podia imaginar que Jesse concorreria ao Oscar neste ano, interpretando Mark Zuckerberg, inventor da febre Facebook, e que sua cotação em Hollywood arrebentaria todos os padrões da noite para o dia. O adolescente-cabeça, que capturou há anos todas as atenções na obra-prima A Lula e a Baleia, superou todas as expectativas dos realizadores do desenho.
Quando Mr. Spielberg sentenciou que o novo Tom Hanks era Shia LaBeouf, o garoto da série Transformers, ele estava redondamente enganado. As semelhanças entre a carreira e, sem dúvida, o colossal e despretensioso talento de Hanks com os primeiros passos e trabalhos de Jesse são impressionantes. Basta dar uma simples espiada na filmografia do dublador de Woody, caubói da saga Toy Story, nos idos da década de 1980. Isso, sem mencionar que ambos dominam um gênero de humor gaiato, refinado, inteligente e corrosivo, que vive tempos de penúria na América, deste milênio.


A respeito da sempre bem-humorada Anne Hathaway, é extremamente prazeroso e fácil, para qualquer amante da sétima arte, poder usufruir a oportunidade de tecer toda sorte e gama de comentários. A beleza marcante da competente atriz consegue ficar em segundo plano quando pensamos em sua versatilidade. Figurinha fácil neste espaço, a estrela que divide com Natalie Portman o alto posto de queridinha dos estúdios esbanjou muita simpatia em sua passagem pelo Rio de Janeiro, quando do lançamento mundial do filme.


Mesmo nos estereótipos, Rio, ideia afetiva do diretor brasileiro Carlos Saldanha, consegue se equilibrar, e suas derrapagens são rapidamente esquecidas. O clima predominante tem um tom encharcado de nostalgia e romantismo. O tempo, apesar da ação se desenvolver nos dias de hoje, remete insistentemente à década de 1950, do presidente bossa-nova, que o escritor e jornalista Joaquim Ferreira dos Santos escreveu certa vez que não deveria ter terminado. A associação com a alegria das chanchadas da Atlântida, dos mestres Watson Macedo, Carlos Manga e J. B.

Tanko, é inevitável. Uma alegria ingênua, que flerta com a excelência visual de um espetáculo pensado para encher tanto os olhos quanto os corações.

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