Revista Encontro

None

Mãe de coração

Daniela Costa
None - Foto: Paulo Márcio, Geraldo Goulart e Cláudio Cunha

Mulheres diferentes, histórias diferentes. Mas todas dispostas a falar sobre as dificuldades que enfrentaram e as alegrias que vivem ao lado de seus filhos – ainda que não biológicos. Para elas, não importa como eles chegaram e nem de onde vieram, mas sim que sejam seus filhos de coração.

A psicopedagoga Níblia Soares Moreira Leite que o diga. Ela passou por angustiantes processos de inseminação artificial. “Cada dia para mim era uma tormenta. Minha vida era chorar”. Após um ano de tentativas, ela e o marido, o professor Marcus Vinícius Leite, chegaram a uma conclusão: “Queríamos uma criança independentemente da maneira como ela viesse”. Cadastraram-se no programa de adoção solicitando um bebê.

Depois ampliaram a faixa etária para crianças de até 4 anos. Hoje com 10 anos, Larissa já não é mais filha única. Quando estava com 4 anos e os pais tentavam uma nova adoção veio a surpresa: “Descobri que estava grávida do Nicolas, que hoje tem 5 anos”. Três anos depois, outra novidade. “Engravidei novamente, desta vez do Henrique, que está com 3 anos e meio. Agora a família está completa, não falta mais ninguém”, diz Níblia.

Segundo o Cadastro Nacional de Adoção, há 252 meninas e 298 meninos a espera de uma família em Minas Gerais – até abril. Metade dessas crianças (274) têm de 13 a 18 anos e se enquadram na chamada adoção tardia, que tem início a partir dos 2 anos. Para Marcos Flávio Lucas Padula, juiz de Direito da Vara Cível da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, a preferência por crianças menores ainda é predominante no Brasil. “Apesar de ter havido mudanças na lei de adoção, ainda é necessário mudar a questão cultural. Os candidatos a pais adotivos devem se conscientizar sobre a necessidade de também procurarem crianças mais velhas”, afirma.
 

Esforço compensado

Foi de forma inesperada e não programada que a professora Luciana Haas Leivas Laboissière, 35 anos, adotou sua filha Raiane, hoje com 8 anos. Até que uma amiga indicou a menina – Miguel, filho biológico, tinha na época 3 anos e meio. Raiane, por sua vez, tinha 2 anos e meio e havia passado por experiências difíceis, como ter sofrido maus tratos quando bebê. A guarda provisória demorou sete meses para sair, mas o esforço valeu a pena, garante a professora.

“É gratificante perceber melhoras em uma criança com histórico de problemas”, diz Luciana.

 

 

Contrariando as estatísticas, a engenheira Júnia Elaine Martins Guerra Turra, 53 anos, e seu marido, o empresário Ivan Cabral Turra, venceram preconceitos e optaram pela adoção de uma criança de 7 anos. Na época, eles já tinham dois filhos biológicos. “Comecei a fazer trabalhos voluntários em abrigos e foi lá que conheci minha filha, Taynara, que hoje está com 12 anos”. Negra e vinda de uma família humilde com 12 irmãos, a criança apresentava traumas.  A adaptação ao novo lar foi difícil. “A convivência inicial foi complicada, porque você adota a criança, mas ela também tem que adotá-lo”. Para Júnia, a dificuldade maior é lidar com o preconceito. Leonardo, seu filho mais velho, afirma: “Nem me lembro de que a Taynara é adotada. Para mim, ela é minha irmã de sangue, como o Felipe também é”.

Perante a lei, essa diferença realmente não existe. A advogada especialista em direito de família, Fabiana Coelho Simões, esclarece que algumas pessoas ainda confundem filhos de criação com filhos adotivos e explica: “Os filhos adotivos adquirem um novo registro de nascimento e possuem os mesmos direitos legais de um filho biológico. Já os filhos de criação não são registrados pelas famílias e não possuem direitos legítimos”.
 

Família completa

A psicopedagoga Níblia Soares Moreira Leite, 34 anos, desde cedo sonhou em ser mãe.

Mas aos 22 anos já sofria com angustiantes processos de inseminação artificial, que nunca deram certo. Após um ano de tentativas, Níblia e seu marido Marcus Vinícius chegaram à conclusão: “Queríamos uma criança independentemente da forma como viesse”. Adotaram Larissa, hoje com 10 anos. Para surpresa da família, algum tempo depois a menina ganharia dois irmãos biológicos: Nicolas, atualmente com 6 anos, e Henrique, 4. “Agora, a família está completa”.

 

Foi na porta de um ferro velho no centro de Belo Horizonte que a secretária Sandra Regina da Silva Andrade Machado, 45 anos, conheceu sua filha. “Quando completei 6 anos de casada comecei a tentar ter filhos biológicos, mas não conseguia engravidar”. Após três anos de tentativas por meio de inseminação artificial, Sandra começou a pensar na adoção. Pouco tempo depois, uma amiga lhe telefonou dizendo que sabia de uma moça que queria doar uma menina, filha de um morador de rua. Ligou para o marido, o psicólogo Rogério Alves Machado, e informou que estava indo para o local. “Quando me viu, a mãe nem esperou eu me apresentar e foi logo dizendo: ‘Toma, a menina é essa aqui’”.

Orientada sobre os procedimentos legais, Sandra sabia que teria de conseguir uma declaração da mãe de próprio punho, dizendo que abria mão da criança, juntamente com a cópia de seus documentos e assinatura de duas testemunhas. Só havia um problema: a moça não sabia escrever. No desespero, a secretária pensou rápido. Escreveu o texto em um papel e pacientemente aguardou que a mãe da criança copiasse palavra por palavra. Aos 40 anos, outra reviravolta em sua vida: milagrosamente ela estava grávida de seu primeiro filho, Felipe. Com cinco meses de gestação recebeu mais uma surpreendente notícia: “Haviam encontrado Kathleen. Ela já estava com 6 anos”. Kathleen era irmã de Karine e, anos antes, havia sido procurada por Sandra. Com tantos acontecimentos inesperados, o resultado foi um parto prematuro e a chegada de dois novos filhos. “Digo que em dois anos eu pari três”, brinca.
 

Por que não?

Suzana Gouvêa Simões, 57 anos, tem dois filhos adotivos: Carolina, hoje com 27 anos, e Bernardo, 20. Um problema que nem mesmo os médicos conseguiam identificar não permitia que ela engravidasse. “Na verdade nunca havíamos pensado na possibilidade de adoção”, lembra Suzana. Ela e o marido foram informados de que havia uma gestante que iria doar seu bebê assim que nascesse. Suzana parou para pensar e disse: “Por que não?”

 

Não são somente famílias tradicionais compostas por pai e mãe como a de Sandra que podem adotar uma criança. Segundo a advogada Fabiana Coelho Simões, a família pós-moderna aceita vários estereótipos de candidatos, desde que sejam maiores de 18 anos e 16 anos mais velhos que o adotando. “Em geral, é feita uma análise no contexto econômico e principalmente moral do candidato a pai ou mãe, não importando se ele é solteiro ou casado”, explica.
Aproveitando a oportunidade, a pediatra Cláudia Valadares Meireles Martins da Costa, 50 anos, solteira, há cinco meses virou mãe. “A Ana Vitória chegou em novembro de 2010, com 3 anos e meio”. A médica assume a solteirice, diz que nunca pensou em casamento e muito menos em ter filhos. “Sempre viajei muito, curti, namorei e, com isso, o tempo foi passando. Até que, aos 47 anos, começou a bater aquela vontade de ser mãe, mas eu já estava na menopausa”. “A Ana foi o melhor presente de 50 anos que eu poderia ter”.

A turismóloga Liliane Rosa Gomes Afonso passou por situação diferente. Em seu caso, desde o início ela e o marido, o fotógrafo Oswaldo Afonso, tinham consciência de que não poderiam ter filhos biológicos. “A princípio, a única chance era fazermos inseminação artificial, mas não queríamos. E também nem cogitávamos adotar.” Liliane acabou mudando de ideia. “Começamos a nos preparar psicologicamente para ter um filho. Mudamos nossa rotina, nos transferimos para uma casa maior com muitas árvores no quintal e espalhamos a notícia para os familiares e amigos”. Liliane ainda não sabia, mas seu filho Aquiles, que hoje está com 7 anos, viria de longe, do interior de Minas. Na ocasião, tinha apenas 36 horas de vida. “Quando ele chegou, já tínhamos toda a infrainstrutura preparada para recebê-lo. Foi maravilhoso”. O filho, que ao contrário de sua família é negro, foi extremamente bem acolhido. “Sempre contamos a verdade. Temos muito respeito por sua história”.

Aos 50 anos

Solteira, a pediatra Cláudia Valadares Meireles Martins resolveu virar mãe aos 50 anos.
“Ana Vitória chegou para mim em novembro de 2010, com 3 anos e meio”. A médica assume
a solteirice, diz que nunca pensou em casamento e muito menos em ter filhos. “Sempre viajei
muito, curti, namorei e com isso o tempo foi passando”. Até que aos 47 anos veio a incontrolável vontade de ser mãe. “Minha filha faz tudo valer a pena. Ela reza comigo e até me consola
dizendo: ‘Calma, mãe, vem dormir...”



 

 

Adotar não é um ato simples. A psicóloga judicial Mônica Gonçalves Fonseca Pinheiro explica: “O processo leva em média seis meses, desde a data em que o adotante se cadastra no Juizado da Infância e Juventude até o deferimento da adoção pelo juiz”, afirma. “E pode ser ainda mais demorado.” O tempo é usado na análise da documentação dos candidatados, na participação de palestras que orientam os candidatos a pais sobre o assunto, e na avaliação dos aspectos socioeconômicos e psicossociais dos pretendentes. Em seguida, o relatório é encaminhado à promotoria, que emite um parecer favorável ou não. A decisão final fica por conta do juiz. Todos esses procedimentos visam evitar traumas como a devolução infantil.

A professora Luciana Haas Leivas Laboissière, 35 anos, e seu marido, o eletricista Lúcio Laboissière, foram, de certo modo, surpreendidos com a chegada de Raiane. “Nós sempre cogitávamos a possibilidade de ter filhos adotivos, mas nunca levamos a ideia a sério”, lembra Luciana. Até que uma amiga indicou Raiane ao casal – Miguel, filho biológico deles, tinha na época 3 anos e meio. A menina, por sua vez, tinha 2 anos e meio e havia passado por experiências difíceis, como ter sofrido maus tratos quando bebê. A guarda provisória demorou sete meses para sair, mas o esforço valeu a pena, garante o casal. “É muito gratificante perceber melhoras em uma criança com histórico de problemas”, diz Luciana.

Suzana Gouvêa Simões, 57 anos e também professora, tem dois filhos adotivos. Carolina hoje tem 27 anos e Bernardo, 20. “Quando eu e o Rui (Simões de Almeida, industriário, marido de Suzana) compramos uma casa em Ipatinga, sentimos que lá era o local ideal para termos filhos”, afirma Suzana. Mas um problema que os médicos não conseguiam identificar não permitia que ela engravidasse. “Fizemos todos os exames possíveis e todos davam ‘normal’.” Somente mais tarde descobriram incompatibilidade genética no casal. “Nunca havíamos pensado na hipótese de adoção, mas pela primeira vez pensei na possibilidade”, relembra a professora. O casal de meninos não reclama, pelo contrário. “Tenho uma família como qualquer outra”, diz Carolina. Bernardo concorda: “Não trocaria meus pais por outros”.
 

Irmã de sangue

A engenheira Júnia Elaine Martins Guerra Turra, 53 anos, e seu marido, o empresário Ivan Cabral Turra, venceram os preconceitos e optaram pela adoção tardia de uma criança negra. Na época, os dois já tinham dois filhos biológicos, Leonardo e Felipe. Foi realizando trabalho voluntário em um abrigo que ela conheceu Taynara, hoje com 12 anos. Leonardo, o filho mais velho, afirma: “Nem me lembro de que ela é adotada. Para mim, Taynara é minha irmã de sangue”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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