Revista Encontro

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Contagem regressiva

João Pombo Barile
None - Foto: Geraldo Goulart, Breno Pataro e Divulgação

A exclusão da cidade de São Paulo da Copa das Confederações de 2013 dá bem o tom de improviso nos preparativos para a Copa do Mundo no Brasil. Espécie de ensaio geral do país para receber a grande festa do futebol, o objetivo do torneio é testar o estádio de abertura e o da final do Mundial de 2014. O sinal amarelo foi aceso: os paulistas, atrasados, já estão fora. Com os cariocas, o secretário-geral da FIFA, Jerome Valcke, uniu ironia e ceticismo ao admitir que "cruzou os dedos".

 

Para alguns, a exclusão dos paulistas da Copa das Confederações é um importante passo para que Belo Horizonte se torne a cidade da abertura. Para outros, sem metrô e com poucos hotéis de quatro e cinco estrelas, a capital mineira jamais poderá sonhar com isso.

 

Para reverter a situação, um grande número de investimentos tem sido anunciado na cidade. Mas será que vai dar tempo, já que faltam só 3 anos?

 

Tiago Lacerda (centro), presidente do Comitê Executivo da Copa, durante inspeção no estádio Baleião: “Vai dar tempo”

 

Quem mora em BH sabe: o transporte público se transformou, na última década, num grande pesadelo. Resultado da mistura da explosão da frota na capital (que saltou de 655 mil automóveis, em 2000, para 1,29 milhões no ano passado) e com a falta de uma política séria de transportes, a cidade, aos poucos, vai parando.

 

Atenta a isto, a capital foi a primeira cidade-sede da Copa 2014 a assinar contratos de financiamentos do Programa de Aceleração do Crescimento, o chamado PAC da Mobilidade, com o governo federal. Ao todo, será investido R$ 1,02 bilhão.

A prefeitura, por exemplo, promete modernizar a BHTrans, com investimentos na ampliação da Central de Controle de Tráfego.
Mas a grande novidade será mesmo a implantação dos chamados Bus Rapid Transit (BRTs). Sistema de transporte de alta capacidade para ônibus, a operação do BRT é semelhante à do metrô: vias exclusivas, estações de transferência ao longo do itinerário que permitem a cobrança externa da tarifa e embarque em nível (o usuário entra na estação, paga a passagem e embarca sem passar por degraus), o que torna a viagem mais rápida.

 

No entanto, os BRTs estão longe de significar a solução definitiva para o problema do transporte na capital. É a opinião, por exemplo, de Paulo Tarso Vilela de Resende. Doutor em Planejamento de Transportes e Logística nos Estados Unidos, o professor da Fundação Dom Cabral acha que, ao aceitar os BRTs, BH praticamente fez a opção de não ter metrô. E que, agora, a propaganda oficial defende uma solução que nunca foi melhor que o metrô.

 

“A Copa teria sido, sem nenhuma dúvida, uma excelente oportunidade de termos começado o metrô da capital”, analisa o professor. “Os BRTs vão atender Belo Horizonte para a Copa? Acho que sim, pois é mais simples, você sabe o dia do jogo, a hora, o local. Mas isso é completamente diferente de resolver o problema da mobilidade urbana. ”

 

O Mineirão de amanhã, segundo projeto do escritório do arquiteto Gustavo Penna

 

Outro especialista ouvido por Encontro, que prefere não se identificar, tem pensamento semelhante ao de Resende. “A verdade é que falta vontade política do governo federal em arrumar os recursos necessários para o metrô de BH. Esse tipo de obra custa caro. Só com recursos de Brasília conseguiríamos tornar esse sonho realidade”, afirma.

 

O cronograma apertado é também apontado como um grave problema. Com menos tempo para a realização das concorrências, as chances de corrupção são maiores. “Historicamente, as obras públicas no Brasil sempre param: seja por problemas na justiça, seja por problemas de financiamento.

Mas parece que não aprendemos com o tempo”, diz o professor da Fundação Dom Cabral.

 

O presidente do Comitê Executivo da Copa do Mundo, Tiago Lacerda, discorda, e está satisfeito com a solução das BRTs. Otimista, garante que todos os prazos serão cumpridos. “Vai dar tempo. Estamos seguindo, até agora, o cronograma de maneira muito rigorosa”, afirma. “E o mais importante é que estamos realizando obras que vão ficar para sempre. O legado para o cidadão será permanente”, completa.

 

Paulo Resende, professor da FDC: “Meu medo é que soluções provisórias virem definitivas”

 

Outro problema antigo da cidade é a ausência de hotéis de luxo. Grandes investimentos neste setor foram anunciados nos últimos meses. O último deles foi em abril, quando a Ramada (que possui mais de 900 hotéis em 25 países) divulgou a entrada no mercado brasileiro. O empreendimento foi inaugurado em Lagoa Santa, pela rede Vert Hotéis. Outros sete negócios do grupo foram confirmados para os próximos anos no estado.

 

“É uma onda de crescimento que passa por todas as capitais.

BH tem demanda para diversos hotéis, de preferência para estabelecimentos de luxo”, diz Érica Drumond, diretora presidente da Vert Hotéis e que foi Secretária de Turismo no governo Aécio Neves.

 

A Maio/Paranasa, juntamente com a rede Accor, trabalha atualmente no primeiro empreendimento da rede Pullman no estado – o segundo no país. Ele será erguido na avenida Raja Gabaglia e terá a bandeira Ibis. Trata-se de um empreendimento conhecido no segmento como Site, com duas bandeiras de hotéis num mesmo lugar. A marca é conhecida no mercado de hotéis por atender o público de executivos. Jânio Valeriano, diretor da Maio/Paranasa, justifica a construção: “A taxa de ocupação média anual em hotéis da cidade subiu de 40% em 2002 para 70% em 2008. A oferta não acompanha a demanda”, garante Valeriano.

 

Sérgio Barroso, secretário extraordinário da Copa do Mundo: “Futebol é paixão, mas Copa é negócio”

 

Em março, outro hotel sofisticado chegou a ser anunciado. O grupo Fasano, famoso pelos luxuosos empreendimentos hoteleiros no país, foi o único a demonstrar interesse na licitação para transformar o antigo prédio do Ipsemg, na praça da Liberdade, em um hotel cinco estrelas. O processo, no entanto, emperrou e está suspenso pela Justiça.

 

O esforço do governo em atrair novos investidores para a cidade pode ser constatado nas mudanças sofridas na legislação que rege o setor: a prefeitura aumentou o coeficiente de aproveitamento do terreno. Na lei, sancionada pelo prefeito Márcio Lacerda no ano passado, o coeficiente saltou de 0,5 para 5. Ou seja: numa área de mil metros quadrados, agora é possível construir até cinco mil metros quadrados.

 

O setor hoteleiro também se mobiliza na tentativa de criar espaços para eventos. Novos lugares vão se somar ao Palácio das Artes, Expominas e Minascentro, sedes dos principais encontros de negócios. Um centro de convenções será erguido na avenida Cristiano Machado, ao lado do Minas Shopping. As ações estão caminhando a passos lentos. A execução ainda nem tem data definida para começar.

 

Um item em que BH não deverá ter problemas é no estádio para os jogos. O Mineirão está cumprindo os prazos estabelecidos pela FIFA até de maneira cronométrica. A demolição da parte interna do estádio está praticamente concluída. Já começaram as escavações para as fundações da nova arquibancada inferior. Na área externa do estádio, que vai abrigar uma esplanada e o novo estacionamento coberto, a demolição já está pela metade.

 

Segundo Sérgio Barroso, responsável pela Secretaria Extraordinária da Copa do Mundo, a intenção do governo é entregar o Mineirão pronto até o fim do próximo ano. “Os mineiros serão os primeiros a terem o estádio pronto para a Copa”, garante Barroso.

 

O projeto, que leva a assinatura do escritório do arquiteto mineiro Gustavo Penna – em parceria com o escritório alemão GMP –, é bastante ousado. Será instalada uma usina solar sobre a cobertura de concreto do estádio, usando placas fotovoltaicas (nome dado aos dispositivos que transformam a energia do sol em elétrica). A energia elétrica ali gerada será conectada ao sistema de distribuição da Cemig e parte dela será utilizada no próprio estádio. Assim, o Mineirão poderá ser enquadrado como uma 'edificação verde' (green building) e obter certificação ambiental de renome internacional. “O novo Mineirão foi pensado de maneira ecologicamente amigável e será um dos mais modernos do país”, garante Penna.

 

Outro item em que Minas vai bem são os centros de treinamento. Há oito deles em BH, e em boas condições: a cidade do Galo, a Toca da Raposa I e II, o CT Lanna Drumond, o campo da PUCMinas e do Centro Universitário Uni-BH, o estádio municipal Baleião e o estádio Independência. Além disso, em todo o estado 17 cidades se candidataram como CTs. Seis foram selecionadas pela Fifa: Araxá, Extrema, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Montes Claros e Uberlândia.
“Eu sempre digo: futebol é paixão. Mas Copa do Mundo é negócio”, diz o secretário Barroso. “O objetivo é que, até 2014, toda cidade mineira tenha um aeroporto regional num raio de 100 quilômetros. Com isso, teremos condições de receber muitas seleções.”

 

Jânio Valeriano, da Maio/Paranasa: “Taxa de ocupação dos hotéis subiu de 40% para 70% em seis anos

 

Já o item que mais preocupa é o aeroporto. Ignorando o grande aumento no número de passageiros em todos os aeroportos brasileiros, o governo federal pouco fez para melhorar a situação. Agora, pode ser muito tarde.

 

Os números impressionam. Em 2005, a Infraero transferiu 120 voos da Pampulha para o Aeroporto Internacional de Confins. A mudança quintuplicou o movimento de passageiros, que passou de 400 mil em 2005 para 5,18 milhões em 2008.

 

“O governo estadual vem alertando a Infraero desde a época da mudança”, diz Barroso. Ele, no entanto, é otimista, apostando que as reformas no aeroporto internacional ficarão prontas até a Copa. Ele explica que a reforma do Terminal 1 (T1), que terá custo de R$ 242 milhões, já está assegurada.

 

“A capacidade do aeroporto aumentará de 5 milhões de passageiros por ano para 8,5 milhões. O T1 opera hoje com mais de 7 milhões de passageiros. A previsão de conclusão da obra continua sendo outubro de 2013”, revela.

 

Além disso, metade do segundo terminal deve estar concluída até junho de 2014. A obra aumentará a capacidade para 10 milhões de passageiros anuais. A expectativa é de que 50% das obras fiquem prontas até o início do evento. “Com a reforma do T1 e a construção do T2, a capacidade de Confins será de 18,5 milhões de passageiros”, informa Barroso.

 

Como o T2 não ficará pronto até a Copa, a solução será a instalação de um aeroporto provisório, o Modelo Terminal Provisório (MOP). A solução temporária acabou ganhando o apelido de “puxadinho”, já que a instalação vai durar apenas 120 dias. O governo estadual já está em negociações com a Infraero para a construção, que vai atender 1,2 milhão de passageiros.
“Pelo tempo que resta, a solução será o MOP mesmo”, diz Paulo Resende, da FDC. “O meu medo é que acabe ocorrendo em Confins uma coisa muito comum no Brasil: uma solução provisória acaba virando definitiva”.

 

Preocupado com o atraso das obras do aeroporto, o governador Antonio Anastasia garante que o diálogo com o governo federal está avançado. “Já fizemos o governo federal ver que a solução adequada para o aeroporto Tancredo Neves é naturalmente o caminho de uma gestão compartilhada entre o setor público e o setor privado”, afirmou.

 

Além de todos estes itens, a transmissão de dados é apontada como outro sério gargalo brasileiro. A queda nas redes, principalmente na telefonia móvel, preocupa. “O Brasil tem hoje uma queda no fluxo de transmissão de dados que é cinco vezes pior do que os EUA. Nós, infelizmente, ainda não medimos estas quedas como já fazemos com a energia elétrica”, diz Resende. A qualidade da transmissão de dados é fundamental, por exemplo, durante a transmissão de jogos em um evento tão importante como uma Copa. “Teremos picos enormes durante o período. O mais estranho é que não estou vendo investimentos nessa área em nenhuma cidade. Inclusive BH.”

 

 

 

 


* Colaborou Rafael Campos

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