Revista Encontro

None

Instituto de ideias

Cláudia Gabriel
None - Foto: Emmanuel Pinheiro e Eugênio Gurgel

Em Ribeirão das Neves, uma mesa de ideias. Profissionais liberais, empresários e líderes comunitários estão do mesmo lado. Discutem propostas para mudar a realidade do Vetor Noroeste, uma área empobrecida que sofreu os impactos do crescimento da região metropolitana e que, historicamente, recebeu menos recursos. Os projetos existem, e só estão saindo do papel porque um grupo de voluntários resolveu provocar o debate com um diagnóstico da região.

 

São profissionais de várias áreas que se uniram para emprestar parte do seu tempo concorrido a uma busca de soluções para as cidades. O Instituto Horizontes, criado há 11 anos na capital, nasceu para enxergar longe. Planejamento estratégico é o nome técnico dessa visão de longo prazo, que tem a meta de melhorar a qualidade de vida da população da Grande BH. A organização sem fins lucrativos foi inspirada numa experiência europeia. Um engenheiro civil que, na época, era vice-prefeito de Belo Horizonte, importou o modelo.

Marcos Sant’Anna, hoje com 72 anos, esteve num Congresso na Espanha e lá conheceu o Centro Ibero-Americano de Desenvolvimento Estratégico e Urbano (Cideu).

 

Jorge Vilela, arquiteto: “Planejamento não é só tarefa do governo. A sociedade tem que entrar nessa discussão, contribuindo para a visão de futuro”

 

Na volta ao país, foi um dos fundadores do Instituto Horizontes. E o argumento do passado continua o mesmo: “As soluções dependem do comprometimento da sociedade. Quando nós discutimos e elegemos prioridades, nós nos comprometemos”, destaca Sant’Anna. Ele, que tem passagem pelo poder público e pela iniciativa privada, defende que o planejamento estratégico não deve ser feito de cima para baixo.

 

O atual presidente do conselho deliberativo do instituto, Teodomiro Diniz Camargos, é engenheiro civil e empresário. Ele lembra que, desde a extinção do Plambel, autarquia estadual que existiu nas décadas de 70 e 80, havia um vácuo no planejamento integrado para a região metropolitana. Nessa ausência, os voluntários se mobilizaram. O instituto reúne arquitetos, engenheiros, economistas, jornalistas, advogados. São cerca de 40 associados.

 

Félix Moutinho, engenheiro civil e diretor do instituto: “O problema é que não há escutatória. Só oratória. A comunidade quer discutir, trocar informações”

 

E as contribuições foram muitas. O Vetor Noroeste está em andamento. Um projeto que abrange parte de Belo Horizonte, Ribeirão das Neves, Contagem, Esmeraldas, Pedro Leopoldo e Capim Branco.

Além de envolver a comunidade, o instituto encontra novos parceiros. Em reunião com a Fiemg Jovem para discutir soluções para o Vetor Norte, diretores do Horizontes alertaram que não daria para ignorar a região noroeste, mais pobre e com altos índices de crescimento populacional. Convenceram o grupo e conseguiram o compromisso de incentivos às áreas de móveis, confecções e empreendedorismo. Sugeriram ainda que o Vetor Noroeste abrigue um polo da construção civil, com microempresários do próprio local, que vai gerar empregos e aumento na arrecadação de impostos.

 

O coordenador do diagnóstico, o arquiteto Jorge Vilela, deixa claro que, além das medidas práticas, é preciso pensar em ações que resgatem a identidade cultural e o sentimento dos moradores de que pertencem à região e devem cuidar de seu espaço. Ele trouxe a experiência de planejamento da Fundação João Pinheiro e do antigo Plambel, do qual foi coordenador e diretor. Também foi secretário de Atividades Urbanas de Belo Horizonte. O arquiteto não tem dúvidas: “Planejamento não é só tarefa do governo. A sociedade tem que entrar nessa discussão, contribuindo para a visão de futuro.”

 

Um problema antigo

 

No Planejamento Estratégico da Grande BH, iniciado em 2002 e concluído em  2005, o Instituto Horizontes já alertava sobre os problemas do trânsito na capital. Os estudos apontavam como indispensável a construção do Anel Rodoviário do Contorno Norte – o Rodoanel – para o escoamento da produção do eixo Belo Horizonte-Betim-Contagem. Seria uma forma de estimular o comércio e a prestação de serviços numa região que tem dois aeroportos, todo o Complexo da Pampulha e ainda o núcleo de Venda Nova.

O projeto já fazia parte das ideias defendidas pelo Plambel, mas estava engavetado e o instituto resolveu trazê-lo novamente ao debate. Visitou municípios e esteve na Assembleia Legislativa. O diretor-geral da organização, Hudson Navarro, frisa a importância do Rodoanel para absorver o tráfego pesado, funcionando como alternativa ao Anel atual, que deveria ser requalificado.


Desde aquela época, falava-se na necessidade de desafogamento do trânsito na rodovia que tem características urbanas e já se encontrava saturada. Há seis anos, o Instituto, numa parceria com a Câmara da Indústria da Construção da Fiemg, concluiu que, paralelamente ao Rodoanel, o Anel deveria ser transformado em uma Avenida Metropolitana, dividida em três trechos, de acordo com as características e vocações de cada região.


A primeira via seria a do Encontro, na extensão compreendida entre o bairro Olhos d’Água e a avenida Amazonas. No trecho, que tem mais áreas verdes mantidas, haveria forte preservação ambiental, com a construção de parques e de centros de eventos. Na sequência, viria a Via Metropolitana, entre as avenidas Amazonas e Cristiano Machado. Seria destinada ao comércio semiatacadista e a serviços metropolitanos de modo geral, como Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Correios. Por último, haveria a Via da Morada, desde a Cristiano Machado até Sabará, com conjuntos habitacionais, centros de economia popular para geração de emprego e renda, centros sociais.


O estudo concluiu ainda que, a partir da nova Avenida Metropolitana, seria preciso fomentar um espaço para o desenvolvimento de Belo Horizonte, com incentivos ao surgimento de centros empresariais e tecnológicos na área, que já tem uma Universidade Federal. A recuperação das margens degradadas foi outra medida sugerida para melhor aproveitamento do Anel. O que se detectou é que, embora o trânsito esteja saturado, há espaço para crescimento na região. O diagnóstico previa, inclusive, mudar a legislação municipal para que a área pudesse abrigar grandes e novos empreendimentos. A prefeitura chegou a reservar, no Plano Diretor, as bordas do Anel para esse objetivo.


Logo após a divulgação das conclusões, a Fiemg fez o projeto executivo da parte viária. A obra ainda não saiu do papel, mas os voluntários do Instituto Horizontes não desistiram. “Nosso trabalho é pôr o assunto na pauta do dia. Não somos órgão público. Não temos condições de fazer obras nem projetos, mas o debate nós temos que levantar”, afirma o presidente do conselho deliberativo, Teodomiro Diniz Camargos.

 

A análise das características de cada vetor já estava presente num estudo iniciado em 2002. O Plano Estratégico da Grande BH trouxe a visão dos técnicos e da sociedade, por meio de oficinas e entrevistas. Depois, em 2006, houve o planejamento para o Vetor Norte, que inclui 15 municípios: as cidades do Vetor Noroeste e, ainda, Santa Luzia, Vespasiano, São José da Lapa, Matozinhos, Confins, Lagoa Santa, Jaboticatubas, Betim e Sabará. A demanda veio do governo do estado, que definia a localização do Centro Administrativo e a Linha Verde. A proposta era instalar o centro na região do Carlos Prates e o instituto foi contratado pelo governo mineiro para avaliar essa possibilidade. Após análise aprofundada, os técnicos desaconselharam a escolha. O estado procurou novas opções, chegando ao local atual.

 

Hudson Navarro, diretor-geral do Horizontes: “Não há recursos públicos nem interferência privada. O instituto é apartidário. O empresariado deve interagir com a sociedade”

 

O diretor-geral, Hudson Navarro, ressalta o aspecto preventivo do trabalho feito pelo Horizontes. Segundo ele, o Vetor Sul é o que tem maiores condições de reversibilidade dos problemas. Palavras de um advogado atuante, com formação em engenharia civil. Na região sul, o levantamento foi desenvolvido, em 2009, a partir de um pedido da Associação dos Empreendedores da Vila da Serra e Vale do Sereno. As cidades convivem com novos empreendimentos imobiliários, comerciais, industriais e de serviços. A preocupação é com as ameaças que o desenvolvimento pode trazer ao meio ambiente e à qualidade de vida, inclusive com o esgotamento do sistema viário.

 

A região abrange BH, Nova Lima, Raposos, Rio Acima, Itabirito, Moeda, Brumadinho, Ibirité, Sarzedo e Mário Campos. Entre as ações, foram apontados investimentos em habitações populares, já que muitas pessoas vêm de longe para trabalhar nesses locais, e melhoria do transporte coletivo. Foram apresentadas 26 intervenções nas áreas de mobilidade urbana, ocupação do solo, desenvolvimento sustentável. A região de Alphaville foi identificada como a que tem maior vocação para ser um centro de importância metropolitana com moradias, empregos, estabelecimentos de saúde e atividades produtivas inovadoras. Outro alerta é sobre a necessidade de se reservar uma área para construção de vias locais ao longo da BR-356.
Para a execução dos diagnósticos, o instituto contrata profissionais que complementam o trabalho dos voluntários. A organização é mantida por contribuições de empresas. “Não há recursos públicos nem interferência privada. O instituto é apartidário”, enfatiza Hudson Navarro. De olho nas discussões sobre a Copa do Mundo, quem pensa a longo prazo já não considera apenas o período anterior ao campeonato. Os técnicos pretendem se debruçar sobre o legado da Copa, ou seja, desde agora é preciso planejar para que a estrutura criada não fique ociosa ao fim do evento.

 

Os voluntários do Instituto Horizontes costumam ir além do diagnóstico: tentam sensibilizar a sociedade para que os projetos saiam do papel. No caso do Vetor Noroeste, um líder comunitário da periferia de Fortaleza veio contar a experiência de moradores que viviam à beira de um lixão e conseguiram se organizar e levar melhorias para o local. O exemplo serviu de impulso.
Quanto ao poder público, há cobrança por maior abertura a essas inciativas da comunidade. “Todos os projetos do governo deveriam ter a participação da sociedade. O problema é que não há escutatória. Só oratória. A autoridade não ouve a sociedade. Isso frustra. Você quer discutir, trocar informações”, diz o diretor e engenheiro civil Félix Moutinho.

 

O engenheiro Marcos Sant’Anna, um dos fundadores, era vice-prefeito de BH e conheceu na Espanha o modelo que depois aplicou no Horizontes

 

Todas essas pessoas que dedicam seu tempo a melhorar a qualidade de vida das cidades fazem isso porque têm consciência de que precisam contribuir. O jornalista Manoel Marcos Guimarães cuida da comunicação. Ele, que já foi repórter de grandes jornais, assessor de imprensa e professor, completa 40 anos de formado com a sensação de fazer a sua parte. “Meus filhos e netos nasceram aqui. Temos a intenção de ver as coisas melhorarem. Acho que a participação da sociedade é fundamental para tirar as instituições oficiais da acomodação”, ressalta o voluntário. Hudson Navarro concorda: “Dentro do Estado inclusivo, a sociedade carrega o ônus da participação e não pode ficar ausente. O empresariado deve interagir com a sociedade.”

 

Teodomiro Camargos sente-se recompensado cada vez que o instituto provoca mudança de pensamento na comunidade. “O poder público trabalha com urgências e emergências. Não pode ser responsabilizado por tudo. Como quem detém 85% da economia pode ficar alijado do projeto de estruturação do futuro?” E ele ainda faz uma comparação que ilustra o tamanho da responsabilidade social : “O mandato do governante é de quatro anos. O da sociedade é eterno. Se os projetos não estão incorporados, vão parar de quatro em quatro anos”.

.