A cidade é o espaço do encontro e da convivência e permite que fiquemos perto uns dos outros.
Essas opções resumem bem os desafios postos para nossas cidades, que cresceram de maneira tão rápida e tão intensa. No Brasil, em espaço pouco superior a 60 anos (tempo significativo na vida de uma pessoa, mas muito pouco na história das comunidades e dos povos), invertemos uma realidade e uma cultura seculares. Tínhamos em torno de 70% da população brasileira na roça e pequenas comunidades, e hoje temos mais de 80% da nossa gente nas cidades, especialmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas.
Junto com o vertiginoso crescimento das cidades consolidou-se o domínio total do automóvel e as cidades começaram a ser pensadas e trabalhadas em função dele. E mais grave: com a prevalência absoluta do automóvel particular em detrimento do transporte coletivo e outros meios alternativos de circulação das pessoas, inclusive, do hábito bom e saudável de andar a pé.
Belo Horizonte já foi chamada de “Cidade Jardim”. Cidade com clima bom e propício para tratamento de graves enfermidades; cidade acolhedora e humana, possibilitadora de encontros e boas conversas, construção de amizades fraternas e duradouras.
Pois bem: os tempos mudaram. A jovem e hospitaleira Capital das Alterosas cresceu, madurou, viu expandir as suas fronteiras, novos bairros, aglomerados, vilas, favelas. Os carros foram se impondo na esteira do progresso econômico e material, facilitando a vida de muitas pessoas. Melhorando de um lado, mas criando dificuldades do outro. Os espaços públicos foram diminuindo, os carros começaram a ditar o ritmo da vida, dos sons, dos valores. O poeta Carlos Drummond de Andrade percebeu rápido o impacto que os carros teriam na vida das pessoas: “Stop. / A vida parou / ou foi o automóvel?”
Há uma responsabilidade no trânsito que é dos governantes. Começa pela valorização e cuidado com o espaço público e pela prioridade para o transporte coletivo de qualidade. Inclui, ainda, a construção e a boa manutenção das estradas, avenidas, ruas e praças, pois para que possamos transitar bem pela cidade carecemos também desses espaços que preservam a redução do ritmo. Pede das forças públicas a sua presença em forma de instrumentos de fiscalização e segurança; a punição dos motoristas que descumprem as normas estabelecidas. Há o espaço da responsabilidade das empresas fabricantes: a segurança dos veículos; evitar a propaganda enganosa que associa o automóvel à força, ao poder, à quebra dos limites que todos devemos respeitar.
Mas a consciência dos motoristas é fundamental para recuperarmos a sanidade e a paz nesse território que se tornou conflagrado. O número crescente de carros exige novos padrões de comportamento, uma nova ética no trânsito. O ritmo agora é outro.
* Patrus Ananias é advogado, professor e pesquisador. Foi prefeito de BH e ministro do Desenvolvimento Social. Escreve mensalmente na Encontro
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