Revista Encontro

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Remédios da felicidade?

None - Foto: Geraldo Goulart e Cláudio Cunha

Nas últimas décadas, uma avalanche de medicamentos do gênero despencou no Brasil. Segundo a IMS Health, empresa de auditoria do mercado de medicamentos, a venda no país subiu 138,5% nos últimos cinco anos, cenário preocupante que não surgiu do nada: foi puxado por grande parcela da população – jovens, adultos e idosos – que tem nos comprimidos uma válvula de escape para enfrentar as agruras da vida.

 

Todo mundo conhece pelo menos uma pessoa que faz uso de antidepressivos ou analgésicos sem prescrição médica. Tristes exemplos de jovens, no auge de sua vida artística, que sucumbiram ao consumo descontrolado de tais substâncias podem ser encontrados no mundo dos famosos. Os atores Heath Ledger, o Coringa de Batman – O Cavaleiro das Trevas, e Brittany Murphy (do elenco de Sin City), e até mesmo o cantor pop Michel Jackson teriam morrido em consequência do uso excessivo de remédios potentes, alguns deles facilmente adquiridos em drogarias.

 

Oncologista Leandro Alves Ramos: “Os antidepressivos nunca devem ser consumidos aleatoriamente”

 

Os médicos alertam que o uso indiscriminado de antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos – ingeridos com a intenção de trazer sensação de conforto – pode gerar graves problemas à saúde. Para ilustrar este comportamento, Encontro conversou com algumas destas pessoas, que pediram para não ser identificadas. Uma delas é a jornalista M.S., de 27 anos, que usa diariamente, desde os 18 anos, sertralina, substância antidepressiva. “Toda vez que tentei parar tive recaídas”, revela a moça, que toma frequentemente anti-inflamatório para amenizar a cólica menstrual e analgésicos para dores no corpo.

 

Ela reconhece alguns efeitos colaterais. “Alguns me dão enjôo e dor no estômago, mas talvez o principal efeito colateral seja a dependência”, afirma a jovem que revelou já ter consumido sibutramina para emagrecer.

O medicamento, por sinal, está entre as substâncias que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quer proibir a venda, por ,entre outros motivos, desencadear doenças cardiovasculares e distúrbios comportamentais.

 

Breno Figueiredo Gomes, presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica de Minas Gerais, destaca o poder da publicidade da indústria farmacêutica, por vender a solução para todos os problemas. “Nos Estados Unidos, por exemplo, um famoso analgésico que pode provocar problemas graves de fígado, se consumido com exagero, é vendido em pacotes como balas”, explica. E acrescenta: “A diferença do remédio para o veneno é a dose”.

 

“O consumo de antidepressivos deve ser acompanhado essencialmente por especialistas; nunca devem ser consumidos aleatoriamente”, afirma Leandro Alves Ramos, oncologista da Clínica Oncomed. “A sertralina, a fluoxetina e a paroxetina, todas substâncias antidepressivas, reduzem o efeito terapêutico de remédios oncológicos”. Ele conta que é comum em seu consultório pacientes se sentirem angustiados por causa do câncer e solicitarem prescrição de calmantes ou antidepressivos.

 

Sandra Carvalhais: “A tristeza é um sentimento humano, deve ser vivida, até porque é a partir dela que conseguimos dar a volta por cima”

 

Para a presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, Sandra Carvalhais, os remédios não devem agir sozinhos sobre o problema. “É importante trabalhar os mecanismos de defesa e lidar com as diferentes circunstâncias da vida. O remédio não é mágico, por isso a importância dos psicoterapeutas”. Ela lembra que as pessoas não querem mais vivenciar o luto, que pode vir em formato de alguma perda querida, de um emprego, ou de alguma notícia grave. “A tristeza é um sentimento humano, deve ser vivida, até porque é a partir dela que conseguimos dar a volta por cima”. A aposentada L.S., de 71 anos, também não dispensa o uso de antidepressivos. Ela toma um comprimido de sertralina todos os dias. “Já tentei parar, mas não consigo, fico irritada facilmente e intolerante na falta deles”, conta a avó de três netos e mãe de três filhos.

 

A principal discussão em relação ao consumo desenfreado destes medicamentos começa ainda no consultório médico. Em muitos casos, são os próprios especialistas que receitam antidepressivos sem mesmo conhecer qual reação que aquele medicamento provocará no paciente.

É o que revela Breno Figueiredo Gomes. “Hoje, com a consulta relâmpago, o médico não está disponibilizando tempo para o paciente; não há, por exemplo, como se fazer uma anamnese, conhecer a história do paciente”. E foi exatamente isso que aconteceu com a professora e massoterapeuta D.B., de 37 anos. Desde 2005, ela toma um ansiolítico, para crises de ansiedade; contudo, ela revela que não sabia o que de fato a substância era capaz.

 

“Ele me ajuda a dormir e a relaxar; porém, com o tempo, notei que ele provoca também transtorno de humor e dores de cabeça”. A moça afirma que já tentou parar, em vão. “Tive uma crise de abstinência, virei uma dependente química, com a falta do remédio minha pressão arterial se altera, tenho sudorese e dores no corpo. Meu maior sonho é parar com este medicamento”, desabafa. E ela continua tentando.

 

 

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