No circuito das artes, os rótulos são recorrentes.
Pouquíssimas atrizes, por exemplo, conciliam perfeitamente, através de décadas e décadas, a beleza exuberante e o talento crescente. Logo, delegamos, nesses casos, um honroso e nobre título de “diva”. Uma das expressões máximas da cultura francesa, Catherine Deneuve é diva por mérito e excelência. Nenhuma outra atriz atravessou tantas gerações, com sua beleza digna e imemorial, sempre se reinventando e sendo, constantemente, requisitada por diretores, sejam eles estreantes ou consagrados.
Em Potiche: Esposa Troféu, do versátil diretor François Ozon, Catherine é adorada e escancaradamente homenageada.
Catherine Deneuve em cena de Potiche: Esposa Troféu, de François Ozon |
A dona de casa Suzanne Pujol (Catherine Deneuve), maltratada e ignorada por um marido crápula (Fabrice Luchini), reconhece ser um potiche, espécie de troféu ou bibelô de luxo que se mantém dentro de casa e que nunca compromete,nem questiona as ardilosas aventuras do cônjuge. Deliciosamente alienada, Madame Pujol é obrigada a reavaliar todo o seu cotidiano e seus valores, quando o marido é forçado a se afastar do comando da fábrica de guarda-chuvas da família. Como nova diretora geral, Madame Pujol terá de arbitrar um explosivo conflito com os operários descontentes, além de manter, a contragosto, um estreito contato com um antigo (e conhecido) líder político de esquerda (Gérard Depardieu). Tantas mudanças acabam desmascarando a “verdadeira” Suzanne.
Em resumo, a personagem de Catherine domina e cresce durante todo o roteiro de Potiche, inspirado em uma clássica e popular história do teatro francês. O diretor François Ozon, um dos mais produtivos da França, não disfarça seu encantamento por Catherine. Seu primeiro grande sucesso mundial, 8 Mulheres, também tinha o nome iluminado da atriz no topo dos créditos. Em Potiche, Ozon percorre quase toda a carreira da estrela, proporcionando referências e pinceladas nos seus grandes saltos em obras-primas da sétima arte.
É perfeitamente prático garantir que sem Catherine Deneuve, Potiche não existiria. Estão presentes, por exemplo, as digitais de Buñuel em A Bela da Tarde; de Jacques Demy em Os Guarda-Chuvas do Amor; e de Polanski em Repulsa do Sexo. Apesar de se apoiar totalmente em sua protagonista, Potiche é uma comédia muito bem realizada. O tempo das cenas, imprescindível para o humor, transcorre com perfeição, a partir de cortes precisos e certeiros. Todo seu elenco colabora generosamente para tanto êxito. Fabrice Luchini, um dos maiores atores da atualidade na França, simplesmente arrasa nos duelos cáusticos travados com Deneuve.
Em recente passagem pelo Brasil para divulgar o filme, a grande inspiração e musa do gênio Yves Saint Laurent provou que continua linda, apesar dos seus bem vividos 68 anos de idade. Catherine Deneuve, com seus traços frios (no melhor sentido) e imponentes, merece ainda muitos e muitos roteiros, exclusivamente pensados para ela. Seu trabalho e seu talento, se algum dia, foram questionados por parte da crítica mais preconceituosa, hoje pairam tranquilos e serenos na certeza da mais concreta qualidade.
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