Eu devia ter uns 6, 8 anos. A cena ficou na memória. Meus dois irmãos mais velhos, de pé diante de mim, para uma pergunta definitiva: "Tem Atlético e Cruzeiro. Pra qual deles você quer torcer"? Escolhi aleatoriamente, para responder rápido e demonstrar segurança. Mas me lembro de seus sorrisos de satisfação ao ouvir minha resposta. Talvez por isso eu carregue até hoje o orgulho de ser atleticana. Mesmo sem entender as regras de um jogo de futebol – para mim a matemática é bem simples: a bola entrou? Então foi gol.
Só anos mais tarde fui saber que ao fazer a pergunta eles ignoraram a existência do outro clube da cidade. Agiram envolvidos pela onda da época, em que o time do coelho vinha perdendo prestígio – como talvez façam hoje muitos pequeninos cruzeirenses, influenciados pela história recente de consecutivas vitórias da seleção azul.
Se houver alguma lógica para a escolha de um time, ela não permanece depois da decisão.
O amor a um escudo é o caso mais forte de lealdade a uma marca – e deveria ser objeto de estudo, pois é o sonho dourado de toda empresa. Não há lógica em vestir por uma vida a camisa de um mesmo time, já que nem sequer a camisa permanece. Ao longo do tempo muda o goleiro, a direção, o artilheiro, o técnico, o uniforme, o time todo, a sede do clube. E, passados alguns anos, a única coisa que não terá mudado num time será o seu nome e o seu hino.
Mesmo questionando essa falta de lógica, fiz do meu filho um atleticano, antes que ele tivesse autonomia para escolher. Hoje, aos 4 anos, ele usa o uniforme do Galo toda quarta-feira para a aulinha de futebol da escola. Foi ele quem me pediu para praticar o esporte, mesmo sem haver em casa um pai que o incentive a gostar da bola no pé. E ao assistir a ele aprendendo a ser mais companheiro e colaborativo a cada aula, passei a acreditar mais no futebol.
Mas, mesmo carregando um coração preto e branco, aprendi a dividir com meu time apenas as vitórias. Explico: se o Atlético ganha, comemoro feliz. Se ele perde, não há motivos para que isso afete a minha vida.
A lógica é simples: quando o time ganha um campeonato, os jogadores são compensados financeiramente. Eu, como torcedora, só ganho a alegria de dizer “É campeão” e dar umas buzinadas no trânsito infernal. Por outro lado, depois da derrota, a equipe recebe chuvas de críticas, o titular vira reserva, o técnico perde o emprego. Quanto a mim, digo sinto muito – e nem sempre sinto.
Acho injusto abrir mão da minha alegria em nome do time se, por outro lado, ele não divide comigo seus troféus e prêmios em dinheiro.
Há alguns dias mostrei para o meu filho o hino do Galo pela internet. Não foi preciso que eu explicasse nada: diante de seus olhinhos vidrados na tela em que tremulava a bandeira, os meus se encantaram. Entendi ali: a bandeira era para ele a representação de si mesmo. E me lembrei da minha tardia estreia no Mineirão, em que o Atlético empatou com a Portuguesa, perdeu o campeonato, mas me deixou em estado de graça até o fim da noite, com a imagem da força daquela torcida fazendo coro comigo. E lá se foram minhas tentativas de torcer com sabedoria.
Torcida é soma que fortalece. Estamos nela como numa corrente sanguínea, a seguir em frente com a força das batidas de um enorme coração. Mas, se por alguma razão o sangue não bombeia e o coração para de bater, a ordem é voltar ao tamanho real e cuidar do pequeno e solitário coração que nos restou. Levando dali alguma lição, nem que seja de perseverança e respeito.
É para isso o esporte.
* Cris Guerra é publicitária e escritora, autora do blog www.hojevouassim.com.br e escreve mensalmente na Encontro
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