Revista Encontro

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O inventor de negócios

Daniele Hostalácio
None - Foto: Cláudio Cunha

“Uma coisa que um pai deve fazer com o filho é desafiá-lo: ‘Aposto que você não vai conseguir’. Isso se torna um grande incentivo: aí o cara se esforça e consegue mesmo”, acredita o empresário Luiz Otávio Pôssas Gonçalves. Foi essa a sua experiência. Aos 17 anos, ele queria trabalhar. O pai arrumou uma vaga como carregador de caixas na fábrica de Coca-Cola da família. “Você não vai durar uma semana”, provocou.

 

Mal sabia o pai que aquela estreia no mundo do trabalho seria triunfante. Pôssas ficou muito mais que uma semana na fábrica – foram 44 anos – e construiu, a partir dali, outro império, que se somou aos negócios herdados da família. Fundou a Kaiser e as marcas de água de coco Kero Coco e Trop Coco; criou o Vale Verde, parque ecológico onde são produzidas hoje duas das mais destacadas marcas de aguardente do país, e uma marca de ração para aves silvestres, a MegaZoo, além de negócios nas áreas de logística, reflorestamento, mercado imobiliário, entre outras atividades, reunidas sob o guarda-chuva do Grupo Regon, holding que ele preside.

 

O primeiro emprego na Coca-Cola surgiu quase como um castigo.

“Eu não gostava muito de estudar”, lembra. Primeiro, o pai dele, José Heilbuth Gonçalves, que iniciara a vida como vendedor de tapetes, ofereceu a ele um trabalho como bancário. “Disse que não queria ser mendigo de gravata, que era como chamávamos esse profissional. Mas meu pai não gostou daquilo, pois essa era a profissão dele, então me colocou para carregar caixas na Coca-Cola”, conta. Era o fim da década de 1950.

 

Na Vale Verde, que está virando zoológico, Pôssas Gonçalves tem o maior criatório de aves silvestres do país

 

 

 

Pôssas não ficou muito tempo na atividade braçal: foi trabalhar na produção, depois com vendas, chegou à supervisão, passou pela gerência geral, tornou-se diretor e, por fim, presidente da empresa, pouco tempo depois de o pai morrer, em 1964.

 

Foi ali que a alma de vendedor e o empreendedorismo de Pôssas encontraram campo fértil. “A gente viajava para o interior de Minas e eu ia dirigindo a caminhonete, levando uma barrica de Coca-Cola com gelo para os donos dos bares provarem. Eles provavam e detestavam! Não queriam comprar, diziam que não conseguiriam vender”, lembra. Bom de lábia, Pôssas não desistia. “Insistíamos até que o dono do bar falava que não tinha dinheiro. Então pedíamos um pacote de cigarro, uma lata de salsicha, outra de sardinha; pagávamos a conta e dizíamos: agora você tem esse dinheiro aí e já pode comprar o refrigerante”, lembra.

 

A fábrica ficava num prédio alugado na rua Uberaba, no Barro Preto, na capital mineira, num ambiente rudimentar, de terra batida, com apenas seis caminhões. “Eu sempre brinco que invisto em dívidas. Assim, resolvi comprar um galpão localizado no que hoje é parte do Anel Rodoviário, que nem existia na época. Enchi-me de dívidas, porque apostei no negócio.”

 

Com a mulher, Teresa Cristina Recorder: casados desde 1966

 

 

 

De um negócio foram nascendo outros.

Para vender mais Coca-Cola, ele resolveu fabricar cerveja – foi chamado de maluco. Assim nasceu a Kaiser, em 1982. “No fim da década de 1970, eu e os demais franqueados da Coca-Cola no Brasil estávamos sofrendo muito. Tínhamos 40% do mercado em Minas, mas nessa época nossa participação havia caído para 15%. A gente ia quebrar por causa do dumping que a Antártica e a Brahma faziam. Cerveja é um item muito importante para um bar, mas as duas marcas só vendiam a bebida se os bares comprassem o dobro de caixas dos refrigerantes delas”. Para resolver o problema, Pôssas pensou na inusitada solução. “O jeito era a gente ter uma cerveja também. Tínhamos uma fábrica de Coca-Cola recém-montada em Divinópolis, num espaço muito grande, com uma água muito boa. Ali estava a oportunidade”, conta.

 

Começava, assim, a grande aventura de Pôssas pelo universo da cerveja.

“Eu não entendia nada do produto. Contratei um cervejeiro português, que tinha trabalhado montando fábricas da Heineken, em Angola, durante muitos anos.”

 

A Kaiser começou a ser distribuída aproveitando a mesma estrutura de vendas da Coca-Cola. “Em três meses, nossa participação no mercado de refrigerantes em Minas foi para quase 50%, pois conseguimos acabar com a venda casada”.

 

 

A ousadia se revelou uma das tacadas mais acertadas do empresário. Outros fabricantes da Coca-Cola, vendo o sucesso da estratégia do franqueado de Minas, interessaram-se pelo produto e o negócio explodiu. Para a primeira fábrica da cerveja em Divinópolis, Pôssas acredita ter investido cerca de R$ 15 milhões – dinheiro que ele não tinha e que, para conseguir, mais uma vez havia recorrido a empréstimos. Cerca de 20 anos depois, em 2003, quando a Heineken já possuía 15% da Kaiser e a Coca-Cola outros 10% da cerveja, a marca foi vendida para uma empresa canadense, a Molson, pela quantia de quase US$ 1 bilhão.

 

Depois da era dos refrigerantes e da cerveja, era chegada a vez da água de coco. “Acho que trabalhar com bebida é minha sina”, observa. Tudo começou a partir de uma inocente conversa com um dos sócios da Sococo. “A Sococo comercializava leite de coco, coco em pó, entre outros produtos. Perguntei a esse empresário o que eles faziam com a água de coco, e ele me respondeu que eles jogavam fora, que não era possível envazá-la, pois se tratava de um produto muito perecível”.

 

Mestre em criar soluções inventivas para os problemas que encontrava pelo caminho, Pôssas procurou pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa e resolveu financiar uma pesquisa que resultou na fórmula para envazar o produto. “Procurei a Sococo e fiz uma proposta: eu entraria com a tecnologia, a envazadora e todos os equipamentos, e eles entrariam com a água de coco; fizemos uma sociedade, meio a meio”. Da parceria, surgiu a empresa Amacoco, que criou as marcas Kero Coco e Trop Coco. Em 2009, 16 anos depois de criada, a empresa respondia por mais de 70% do mercado de água de coco no país e foi arrematada pela PepsiCo, por valores que permanecem em sigilo.

 

Hoje, as maiores áreas de produção de coco no Brasil pertencem a ele, que vendeu a marca e as envazadoras para a PepsiCo, mas ficou com os coqueirais e, portanto, é quem fornece água de coco para a multinacional – são três fazendas em Petrolina (Pernambuco) e seis no norte do Espírito Santo.

 

“O Pôssas parece ter uma bola de cristal. Ele consegue enxergar além, vislumbrando oportunidades onde ninguém vê. Além disso, ele não tem medo de arriscar e é uma pessoa que possui um conhecimento vastíssimo. O resultado dessas características, juntas, são os negócios bem-sucedidos que ele idealiza”, resume o amigo de longa data e sócio da MegaZoo, Jerônymo Moutinho.

 

Foi assim que a fazenda Vale Verde, onde durante muito tempo ele criou gado de leite, acabou se transformando também em atividade lucrativa. Localizada a 42 quilômetros de Belo Horizonte, em Betim, era uma herança deixada pelo pai. “Eu tinha cana plantada ali, para o gado; como sempre gostei muito de bebida, resolvi produzir uma cachaça na fazenda. Mas quis inovar: copiando os uísques e os conhaques, decidi fazer uma aguardente envelhecida em barris de carvalho. Até aquela época, ninguém havia feito isso”, conta.

 

Para criar a cachaça, Pôssas recorreu ao know how adquirido com a experiência na Kaiser. “Estudei muito sobre cerveja, fermentação, destilação, cheguei a fazer cursos na Alemanha.”
As pessoas gostavam da cachaça e queriam ir até a fazenda para conhecer a produção. Para recebê-las, Pôssas fez um restaurante”. Resumo da ópera: o local se transformou num parque ecológico e a produção das cachaças, batizadas de Minha Deusa e Vale Verde, expandiu-se – em 2010, a fazenda produziu 200 mil litros da bebida, com faturamento de cerca de R$ 4 milhões. Na mesma fazenda, ele possui também um orquidário, com cerca de 20 mil orquídeas, e um criatório de aves silvestres brasileiras – o maior do país, com quase 2 mil exemplares. “Agora vamos partir para transformar o espaço em zoológico”, avisa.

 

Pôssas não parou por aí. Criou a fábrica de ração MegaZoo, que fatura cerca de R$ 7 milhões por ano e terá sua produção quintuplicada com a inauguração de nova unidade, ainda este ano, para atender à demanda de outros criadores e de zoológicos. Para fazer a ração, fundou também a Nutrinsecta, empresa de criação de insetos, que são incorporados na composição do produto: “Estou criando cerca de uma tonelada e meia de insetos por mês”, diz.

 

O empresário tem ainda uma locadora de veículos corporativos, uma locadora de andaimes tubulares para indústrias, negócios imobiliários – entre os quais se incluem incorporação de shoppings e prédios –, criação de gado e a plantação de eucaliptos, em sociedade com investidores estrangeiros.

 

“Ele está sempre inventando algo, criando alguma coisa. Isso nele é admirável. É mesmo um batalhador”, avalia Antônio Carlos Vianna Laje, presidente da Bolsa de Valores Minas, Espírito Santo e Brasília, e amigo de Pôssas desde a infância.

 

“Para quem trabalha com ele, como é o meu caso, chega a ser aflitivo, porque não damos conta de acompanhar a velocidade com que ele cria. É desafiador”, acrescenta a filha mais velha do empresário, Maria Cristina, uma dos quatro filhos que Pôssas teve com a mulher, Teresa Cristina Recorder, com quem está casado desde 1966.

 

Um dos filhos do casal, Daniel, morreu aos 28 anos, em 2003, vítima de um aneurisma. “De repente ele caiu morto, nem sentiu que morreu. Quem sentiu, e sente até hoje, somos nós”, limita-se a dizer o pai.

 

O pai de Pôssas, falecido há quase 50 anos, não pôde ter o gosto de admirar a inventividade da mente do filho, de onde saíram inúmeros negócios bem-sucedidos, sempre impulsionados por uma poderosa vontade de produzir. Mas Heilbuth viveu tempo suficiente para se tornar uma inspiração na vida do empresário. “Meu pai era um homem trabalhador, responsável, de caráter único. Esse foi o capital mais valioso que ele me deixou”, declara.

 

A mãe de Pôssas, Dona Lilia, hoje com 93 anos, reconhece no filho as mesmas qualidades. “Ele herdou do pai essa capacidade para o trabalho”, diz Dona Lilia, que também deixou suas marcas na alma do empresário. “Minha mãe me ensinou que ninguém é melhor que ninguém. Por isso, nunca permiti um organograma vertical em minhas empresas. Meus organogramas são em formato de pizza: por sorte ou por competência, tem um cara no meio da pizza, mas todo mundo está no mesmo nível”.

 

A pulsante vida como empreendedor incansável é mesclada com outras atividades que lhe dão prazer, como fazendas, pescaria, os quatro netos, a música – especialmente o jazz –, uma boa leitura... Mas Pôssas declara ter o privilégio de conciliar trabalho e diversão 24 horas por dia. “Acho que todo mundo tem que ter uma ambição: a de produzir. É uma forma de deixar o mundo melhor para os que virão”, diz.

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