Revista Encontro

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O teste do delivery

João Pombo Barile
Dos 12 mil estabelecimentos de alimentação de BH, apenas 5% oferecem algum tipo de delivery - Foto: Paulo Márcio

Com o inverno rigoroso e o frio que cisma em não passar, aquela preguiça típica do fim de semana só aumenta. Aí é batata: a vontade de ficar em casa vence e a solução é pedir aquela comidinha por telefone. Mas a quantas anda a qualidade do serviço de entrega em BH? Será que o grande crescimento verificado no setor teve correspondência com a melhoria da qualidade?

 


Para verificar como funciona esse universo em expansão, Encontro testou 46 endereços divididos em seis categorias culinárias (veja tabelas). A avaliação foi feita ao longo de dois meses e durante três finais de semana, nos horários considerados de pico (almoço, a partir de 12h30; e jantar, depois das 19h30).

 

Para a avaliação, foi montada equipe de quatro jornalistas, que se incumbiu de fazer os pedidos de vários pontos da cidade, sem se identificar. Todos os pedidos foram pagos em dinheiro. Casas que terceirizam o delivery não foram incluídas, já que as mesmas não se responsabilizam pela qualidade da entrega.

 

Foram feitos no mínimo três pedidos para cada estabelecimento, a fim de obtermos uma avaliação mais justa. Os dois piores desempenhos foram eliminados. Avaliamos e comparamos apenas o melhor resultado final de cada casa.

 

Dentre os pedidos eliminados, houve situações tão esdrúxulas que melhor é esquecê-las.

Numa delas, a entrega demorou quase duas horas, ante a promessa de que seriam 50 minutos. Numa outra, foi pedido arroz à piemontesa com carne vermelha e foi entregue arroz com frango e legumes. Detalhe: foi cobrado o pedido original, mais caro. “A qualidade do delivery brasileiro ainda é sofrível por causa da entrega”, diz Enzo Donna, especialista no mercado food service (alimentação fora do lar).

 

No teste realizado, foram avaliados os quesitos atendimento (tanto telefônico quanto do motoboy), tempo de entrega (prometido x cumprido), embalagem, aparência e temperatura do pedido. Cada item avaliado recebeu notas que variam de 1 a 5 estrelas. O resultado final é a média aritmética de notas atribuídas a cada um desses itens.

 

E, se há alguns anos delivery era sinônimo de pizza e sanduíche, a situação hoje é completamente diferente. Na capital mineira, é possível pedir praticamente de tudo: da suculenta picanha à comida chinesa, passando pelo frango ao molho pardo, sushi, árabe e massas. As opções, claro, cabem em todos os bolsos.

 

Segundo Paulo Nonaka, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Minas Gerais, existem hoje na cidade 12 mil estabelecimentos de alimentação fora do lar (que incluem bares, restaurantes e lanchonetes). Desse total, ele estima que só 5% oferecem delivery, o que daria cerca de 600 pontos. Assim como em outras capitais, em BH as pizzarias lideram o mercado de entrega em domicílio, seguidas pelas sanduicherias e pela comida oriental.

 

 

 

Segundo o especialista Enzo Donna, no fim dos anos 1980, nos EUA, a comida entregue em casa superou a consumida fora de casa. “E pode ter certeza: no Brasil, essa é a tendência", diz. Segundo ele, em menos de dez anos teremos por aqui situação semelhante à norte-americana. "Com a correria dos dias atuais, as pessoas não têm mais tempo de preparar em casa”.

 

Trabalhando como motoboy há seis anos em Belo Horizonte, Jeferson Francisco Nunes de Souza, de 28 anos, revela que um dos maiores empecilhos para quem trabalha com entregas é mesmo a violência urbana.

"Tenho muitos colegas que simplesmente se recusam a fazer entregas em certos endereços", diz. “Nessas áreas costumamos ser assaltados”.

 

Dentre as áreas citadas pelo motoboy como perigosas estão, principalmente, os bairros Jaraguá, Nova Suíça, e parte da Serra e do Santo Antônio. “Há lugares em que não entregamos por dinheiro algum”, afirma.

 

De fato, quem trabalha com entregas vê coisas que até mesmo Deus duvida. Circulando pelas ruas da cidade durante 24 horas por dia, nos sete dias da semana, os motoboys acumulam histórias que dariam um livro a um só tempo divertido e chocante.

 

Veja, por exemplo, o que conta Vinicius Lelis, que trabalha há apenas um ano como motoboy. “Outro dia, fui fazer uma entregar num prédio. A viagem parecia tranquila. Toquei o interfone, o cliente atendeu e eu subi três andares. Quando cheguei à porta do apartamento, toquei várias vezes a campainha e nada; o cara não atendia. Já estava indo embora, quando abre a porta do vizinho de frente que, desconfiado, foi checar o que acontecia no hall. De dentro do apartamento dele saiu um cachorro enorme.

Acho que era um dobermann. O cachorro saiu de trás do vizinho e veio para cima de mim. Por sorte, nesta hora, o dono do pedido finalmente abriu a porta. Com medo, pulei em cima dele para não ser mordido. Caímos os dois no chão, junto com a comida”.

 

No ofício há mais de cinco anos, Valeri Dornas também tem histórias pitorescas: “No mês passado, ao entregar uma pizza, fui atendido por uma moça. Era bonita mesmo, gata demais. Ela abriu a porta e dentro da casa eu vi que estava havendo uma festa, com um monte de gatas dançando forró. Só menina bonita, de 18, 19 anos. A moça que atendeu olhou para mim e disse: ‘Chega aí. Vamos comer pizza e dançar forró. Oportunidade única’. Fiquei com uma vontade danada, mas não aceitei. ‘Ô moça, tô ralando! Não posso’.”

 

É de Adenilson Vieira Porto a história mais inusitada. Uma noite, quando ele chegou para a entrega, tomou um susto que até hoje não conseguiu esquecer. “O rapaz me atendeu pelado. Olhou para mim com uma cara estranha, pegou a entrega, me passou o dinheiro e bateu a porta na minha cara”, conta.

 

O corre-corre insano é a maior reclamação dos motoboys. Feriados tradicionais (como dia das mães, namorados, e pais, por exemplo), quando caem no fim de semana, viram verdadeiros pesadelos para eles. A demanda cresce muito e os prazos de entrega, mais curtos. “Trabalhamos no limite. É serviço que não acaba mais. As pessoas nem imaginam o esforço que a gente faz para não se atrasar, mas não dá. Algumas entregas passam da hora mesmo. Não paramos nem um minuto”, afirma o motoboy Marcos Antônio dos Santos.

 

É a mesma reclamação de José Luiz Pereira Pinto, que se atrasou em uma das entregas de nossa enquete: “O senhor me desculpe. Eu falei com o pessoal lá que eu não conhecia o bairro Santa Tereza, mas não tinha ninguém que pudesse fazer a entrega. Estou há 20 minutos perdido com a pizza do senhor”.

 

Tudo bem, José Luiz, neste teste a gente aprendeu que, de um jeito ou de outro, tudo acaba mesmo em pizza. Ou em sanduíche, japonês...

 







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