Revista Encontro

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"As pessoas não suportam o amor"

Carolina Godoi
None - Foto: Eugênio Gurgel

Pelos aplausos entusiasmados, alguns gritos em coro e gargalhadas da plateia, completamente lotada, poderíamos supor tratar-se de um show de algum ídolo da música ou uma peça do galã da novela da vez. Quem estava se apresentando no palco, porém – sentado displicentemente com ajuda apenas de um microfone – era um poeta e cronista nada convencional. O provocador Fabrício Carpinejar, 38 anos, nascido em Caxias do Sul (RS), esteve em Belo Horizonte para participar do projeto Sempre um Papo, lançando seu livro de crônicas Borralheiro – Minha Viagem pela Casa (Ed. Bertrand Brasil) e para oficinas literárias.
O cronista e escritor brasileiro mais seguido do Twitter (foi o primeiro a lançar um livro com aforismos para o microblog), autor de 17 livros, muitos deles premiados, continua a lançar teorias até então impensáveis, teses inusitadas, mas de uma honestidade arrebatada. Já defendeu os homens canalhas, exaltou as mulheres ciumentas e agora prega as vantagens de ser um homem do lar: condutores inusitados para falar do amor, do casamento e da difícil (mas possível) missão de ser feliz com alguém. É sobre isto que ele divaga nesta entrevista.

 

1) ENCONTRO – Na sua opinião, homens e mulheres ainda estão perdidos quanto aos novos papéis na sociedade e na vida conjugal?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Homens e mulheres não deviam ter mais papéis definidos. Eu quero ter sensibilidade feminina suficiente para entender minha mulher e espero que ela tenha compreensão masculina suficiente para me entender. Acho bonita a provocação entre os sexos, o quanto se pode atiçar um ao outro e tirar proveito disso.

A gente transforma isso em crítica na medida em que quer se sentir melhor do que o nosso par. Se não quer subestimar, menosprezar ou rivalizar o outro, você vai se divertir com o defeito dele e, assim, ter maior cumplicidade. O casal está bem quando os dois saem juntos e não falam mal um do outro para outro casal. É impressionante como a gente costuma avacalhar o que a gente mais gosta! Ou porque a gente acha que não merece ou porque acha que o outro não nos merece.

 

2) ENCONTRO – Quais os maiores erros que os casais cometem por ainda tentarem buscar um papel definido na relação?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – A avareza emocional, ou seja, pensar que o outro nos conhece e que tem a obrigação de nos conhecer. Eu me apresento todo dia para minha mulher, me explico, falo e insisto. Acho que tem que ter essa liturgia caseira de rodear o parceiro falando de outro jeito sobre si mesmo.

 

3) ENCONTRO – No livro Borralheiro você fala das maravilhas da vida doméstica. O que mais o encanta nas suas descobertas?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Tudo. Tirar o pó dos quadros, dos livros e de mim mesmo. A casa é movimento. Eu gosto da casa de pais com filhos pequenos, pois tudo aquilo que eles prezavam – aquela harmonia e ordem – de repente se esvai. A casa é desfigurada e acontece um “desestresse”. Afinal, ela existe para ser povoada. O bonito e o emocionante da casa é o imperfeito.

Nós somos o imperfeito dentro da casa.

 

4) ENCONTRO – E você gosta de comparar alguns afazeres domésticos gratuitos com gestos de amor. Quais os seus preferidos?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Pregar um botão e não avisar até que ela repare. Ou qualquer lembrança deslocada e fora de hora. Amor é uma lembrança fora de hora.

 

5) ENCONTRO – Mas você acha que os homens estão pensando tão poeticamente sobre afazeres da casa?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Não subestime os homens. Estou sempre revalidando a minha experiência. Aquilo que já fiz, em seguida ponho em dúvida, mas acho que a maior ternura que existe hoje é ceder sua convivência, sair do interesse imediato e mudar a ordem, cortar o caminho. Mas isso a gente não quer fazer porque dá trabalho. Acho que as pessoas não suportam o amor, só querem a fama de ser amoroso e não querem pagar a dificuldade do amor, suas intrigas, brigas e excessos. Só querem o lucro sem investimento, mas o amor é perder investimento. É doação.

 

6) ENCONTRO – Quais as novas visões masculinas das tarefas que gostaria de transmitir às mulheres?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Uma mulher sofre muito com o homem dentro de casa porque ela acredita que ele não vai conseguir fazer as tarefas do jeito que ela faz.

E não vai fazer mesmo. Então, muitas mulheres não querem que o homem as faça, pois justamente pensam que terão de fazer o serviço em dobro. E punem com a crítica e não inspiram o homem a refazer. É preciso não desejar ser elogiada pelo erro do outro: muitas vezes a gente fica torcendo para que o outro erre para se valorizar. 

 

7) ENCONTRO – Não é fácil mesmo adentrar os domínios femininos do lar, onde a mulher sempre comandou. Esse lar pode ser palco de novas disputas e críticas?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Acho que sim, mas o que a gente vai fazer com isso? A tensão feminina mudou e a masculina também. Os homens cuidam mais de si, se vestem e se portam melhor, e seduzem com o feminino; sabem chorar com os filhos e não precisam mais se matar quando ficam endividados. Aprenderam a defender sua honra ao invés de morrer por ela: isso já é grande coisa. O homem está mais relaxado, mas a mulher está muito tensa, pois ela quer fazer sucesso em todas as áreas e isto é impossível. A mulher se cobra demais e chega a ser uma tortura o que faz. Ninguém a está olhando assim, nem fiscalizando tanto. Para quê? Para provar para quem? Quando a mulher faz mais do que precisa fazer isso, se torna uma submissão.

 

8) ENCONTRO – Apesar da divisão de tarefas domésticas e da responsabilidade das contas a serem pagas, homens e mulheres continuam sobrecarregados, já que a vida pós-moderna acrescentou obrigações que antigamente não existiam. Como não cair nesta armadilha?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – As mulheres estão sobrecarregadas, pois são perfeccionistas e acreditam que são menos do que realmente são. É preciso saber o que são de verdade! O homem não consegue nem chegar perto desta supersensibilidade feminina, de fazer várias coisas ao mesmo tempo e não perder a qualidade do afeto e ternura. É impressionante o quanto elas conseguem transbordar e sempre ser pontuais, sem nunca ser piegas.

 

9) ENCONTRO – Muitas pessoas parecem fugir do compromisso e seguem numa eterna solteirice. O medo do casamento ainda é muito forte para homens e mulheres?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – Homens e mulheres têm medo de se casar. Quem não vai ter pânico do amor verdadeiro? Eu fico em pânico, descontrolado, olho a toda hora no celular, não sei o que falar, se vou magoar ou não! É mais um estigma pensar que o homem foge de compromisso e a mulher, não. A mulher foge tanto quanto o homem, mas de forma diferente: exigindo e cobrando. Se ela exige tanto é porque não quer o casamento tanto quanto aquele que foge.

 

10) ENCONTRO – Apesar disso os casamentos continuam acontecendo aos montes, mas é impossível não notar que muitos já nascem com prazo de validade curto. É possível encontrar a saída para ser feliz com a mesma pessoa pela vida toda?

 

FABRÍCIO CARPINEJAR – É só esquecer que são casados! (risos). Acho que é possível; eu acredito no casamento, sou casamenteiro. Desde que não exista um contrato, mas um pacto. Como um pacto de sangue em que os dois se prometem: “Eu te defendo”. Ao sair de casa ser sempre “dois”. Sentir-se envaidecido pela presença dela e viver a vida só para contar para ela. 

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