Revista Encontro

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Doutores dos Tribunais

Kátia Massimo*
None - Foto: Cláudio Cunha e Paulo Márcio

Era abril de 1991 quando Belo Horizonte foi palco de um dos mais emocionantes embates realizados no tribunal do júri. De um lado, na assistência da acusação, o professor Ariosvaldo de Campos Pires. Do lado oposto, os igualmente conceituados advogados criminalistas Jair Leonardo Lopes e Sidney Safe, no julgamento do homicídio que ficou conhecido como “crime da Tom Marrom”, em referência à boate onde tudo aconteceu. No plenário, jovens advogados assistiam ao espetáculo, em êxtase.

 

 

 

Hoje, 20 anos depois, o direito em Minas ainda é pontuado pela influência dos grandes juristas do passado. E aqueles advogados que lotavam o julgamento se tornaram as estrelas do direito penal mineiro da atualidade. São criminalistas com atuação destacada em causas de ampla repercussão nacional. Eles compõem um seleto grupo que representa clientes famosos, como Marcos Valério, considerado o principal operador do mensalão, e conduzem causas cujas cifras são guardadas a sete chaves. Basta falar sobre alguma operação realizada nos últimos tempos pela Polícia Federal em Minas que lá está algum político ou empresário defendido pelas principais bancas instaladas em Belo Horizonte.

 

 

 

Essa área do direito ganhou destaque com as recentes mudanças no Código de Processo Penal, que entraram em vigor no mês passado.

No rastro das discussões sobre o assunto, a atuação do advogado criminal veio à tona. “No passado, ganhava projeção aquele advogado que fazia sucesso no júri, que era um bom orador”, diz Marcelo Leonardo, que comanda o Marcelo Leonardo Associados, escritório mineiro considerado um dos mais conceituados em direito penal do país. Ele fala de uma época, nas décadas de 1970 e 1980, em que os crimes passionais eram os mais comuns e davam origem aos grandes júris, capazes de mobilizar multidões. Além de Ariosvaldo Campos Junior, Jair Leonardo Lopes e Sidney Safe, nomes como Pedro Aleixo, Marcelo Linhares e Décio Fulgêncio brilharam nos tribunais e marcaram um tempo, inclusive como professores das principais escolas de direito até então, da UFMG e PUC.

 

 

 

“Hoje a natureza dos crimes mudou e os principais escritórios de direito penal estão dedicados a problemas que envolvem crimes empresariais, como os tributários ou previdenciários”, diz Marcelo Leonardo. Ele próprio é representante dessa geração de estrelas do direito penal que brilham defendendo clientes de outras modalidades de crimes, como o caso mensalão. Marcelo Leonardo, aliás, é quem representa Marcos Valério na justiça. Filho de Jair Leonardo Lopes, Marcelo Leonardo começou a trabalhar ainda adolescente no escritório fundado pelo pai na década de 1940. Com a mudança da legislação penal brasileira nos últimos 25 anos, que passou a criminalizar condutas no âmbito das empresas, a exemplo dos crimes ambientais, Marcelo Leonardo foi tomando a frente das novas causas. Entre os clientes defendidos por ele estão outros nomes conhecidos dos brasileiros, como do ex-prefeito de Juiz de Fora, Carlos Alberto Bejani, que chegou a ser preso em 2008, na operação Pasárgada, acusado de desvio de dinheiro público, e liberado logo depois (o processo ainda não foi concluído e corre na comarca de Juiz de Fora).

 

Mas o escritório vai além da especialização em direito penal empresarial: cuida também de ações criminais relacionadas a outras modalidades. Recentemente, por exemplo, conseguiu a absolvição do jornalista mineiro José Cleves, acusado de matar a esposa, sustentando que o homicídio ocorreu durante assalto. A absolvição, no entanto, nem sempre é o resultado visado quando se trata de acusação em crimes. “O que buscamos é conseguir a melhor solução que o caso permite”, diz Marcelo Leonardo. O escritório é citado entre os mais admirados do país, ao lado de grandes bancas instaladas no eixo Rio/São Paulo, pelo ranking do Anuário 2010 da Análise Advocacia.

A publicação é referência na área. Para indicação dos escritórios mais admirados, a pesquisa entrevistou os responsáveis pelo departamento jurídico de quase 1,6 mil empresas brasileiras de grande porte.

 

 

 

Outro escritório mineiro que aparece na lista da Análise Advocacia é o Campos Júnior, Pires & Pacheco, que é sucessor do Ariosvaldo Campos Pires Advogados, fundado em 1997. A sociedade original reunia, além do professor Ariosvaldo, falecido em 2003, o ex-aluno Maurício Campos e o filho, Carlos Frederico Pires. A sociedade entre Maurício e Carlos Frederico foi mantida, mas nos últimos anos houve mudanças, com a integração de novo sócio, Rodrigo Pacheco. O escritório mudou de nome e se consolidou como um dos maiores do estado, com nove advogados. Com atuação destacada em causas que transcenderam as fronteiras do estado, Maurício Campos é um dos advogados de maior prestígio na área criminal em Minas. Tanto que ele foi escolha pessoal do ex-governador Aécio Neves para ocupar a Secretaria de Defesa Social entre 2007 e 2010. No currículo, ostenta ainda o cargo de defensor público do estado, nos anos 1990, e é professor de direito da PUC há 20 anos.

 

Entre os casos de maior repercussão representados por Maurício Campos está o mensalão mineiro, na defesa dos diretores do Banco Rural José Roberto Salgado e Ayanna Tenório. Possui também clientes em outras operações da Polícia Federal, como a Pasárgada e a Carbono. Quando secretário de estado, Maurício chegou a ser questionado pela imprensa por representar acusados em escândalos.

Nada que o tenha surpreendido, após mais de 20 anos de experiência. “O advogado criminal costuma ser confundido com as pessoas que defende”, diz Maurício. “Mas na realidade o que fazemos é garantir que não haja injustiça para quem está sendo acusado, dentro do que a lei estabelece. O que não podemos é temer a impopularidade,” diz.

 

 

 

Atuante na área há mais de duas décadas e também tido como um dos grandes especialistas da área penal de Minas, Hermes Guerrero, professor de Direito da UFMG, concorda que existe confusão entre o defensor e o crime. “O advogado criminal não é cúmplice”, diz. “O que nos move é um amplo censo de justiça e a convicção de que a pena não pode ser maior que o ato cometido.”
Também especializado em causas ligadas ao direito penal empresarial – embora possua em seu escritório a representação de outros tipos de ações criminais –, Guerrero considera que se antes era raro o político ou algum empresário importante ser processado, hoje a situação é diferente. “Assim, foi natural a adaptação dos escritórios de advocacia para atender a esse tipo de causa”, diz.

 

Nome igualmente cotado em Minas, o advogado Leonardo Isaac Yarochewsky tornou-se conhecido pela experiência como docente na PUC e também pela atuação bem sucedida de acusados em operações da Polícia Federal. Conseguiu, por exemplo, a liberdade para Paulo Sobrinho de Sá Cruz, representante comercial envolvido na operação Parságada, em 2008, como um dos acusados de montar esquema de venda de liminares e sentenças para a liberação indevida do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) a prefeituras mineiras devedoras do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

 

O advogado defendeu ainda o ex-deputado Juvenil Alves (PRTB-MG), preso na operação Castelhana, que investigou lavagem de dinheiro, em 2006. Juvenil foi solto e ainda tomou posse como parlamentar. “O verdadeiro cliente do advogado criminalista é a liberdade”, diz Leonardo Yarochewsky.

 

 

 

Uma particularidade do direito penal em Minas é a amizade entre os advogados que fazem parte do grupo considerado de elite. Contemporâneos da mesma escola e partilhando a paixão pelas causas penais, eles adotam alguns procedimentos comuns: resistem em falar sobre os casos que representam, mesmo aqueles de conhecimento público; orientam seus clientes para que evitem a imprensa e eles próprios raramente concedem entrevista. “Não posso fazer da desgraça alheia o trampolim para o sucesso”, justifica Leonardo Yarochewsky. Por anos, eles conservaram o hábito de se reunir toda semana em mesa pré-reservada no Minas, onde o assunto era o trabalho. Em torno da mesa sentavam-se Ariosvaldo de Campos Pires, Marcelo Leonardo, Maurício Campos, Leonardo Yarochewsky, Hermes Guerrero, o tributarista Sacha Calmon, entre outros advogados mineiros. As reuniões não acontecem mais, porém a amizade entre eles se manteve. Em comum também o hábito de repetir a mesma expressão (atribuída ao professor Ariosvaldo), quase como um mantra: “O advogado criminal deve pisar na lama. Mas sem se sujar.” Até porque, é bom lembrar, o direito de defesa é garantia constitucional. Para o bem da democracia.

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