Revista Encontro

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“Não soprou o bafômetro, leva multa"

João Pombo Barile
None - Foto: Cláudio Cunha

m assunto anda frequentando praticamente todas as rodas de conversa da capital: as blitze da Lei Seca. Depois de quase três anos de aprovação da nova legislação, a lei, que já tinha caído no esquecimento por falta de fiscalização do governo, voltou a ser motivo de preocupação para aqueles que ainda insistem em continuar bebendo e dirigindo. Se antes tomar “apenas uma cervejinha” podia ser uma atitude corriqueira e inocente, a partir do último dia 14 de julho a história mudou: o governo lançou a campanha Sou Pela Vida, Dirijo sem Bebida. E promete endurecer com quem insistir na perigosa combinação.

 

Para tentar acabar com a triste fama de que no estado a lei não pegou (Minas ocupa uma das últimas posições no ranking do Ministério da Saúde na redução de mortos no trânsito, com um índice 7,7 vezes menor que o Rio), o governo estadual promete rigidez. “Em Minas morrem mais pessoas vítimas de acidentes de trânsito do que de homicídios. As mortes no trânsito se transformaram num problema de estado, numa questão de saúde pública”, afirma o secretário de Defesa Social, Lafayette de Andrada, nesta entrevista feita com exclusividade pela Encontro. O deputado estadual (PSDB), licenciado do cargo, falou ainda sobre investimentos na segurança pública, campanha do desarmamento em Minas e da nova lei de processo penal.

 

ENCONTRO – Alguns analistas políticos e especialistas afirmam que a Lei Seca nunca foi implantada efetivamente em Minas. A campanha Sou Pela Vida, Dirijo sem Bebida é uma demonstração do governo estadual de que a fiscalização agora vai existir?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Pode ter certeza que sim.

Nós chegamos à conclusão, depois de alguns levantamentos estatísticos, que em Minas morrem mais pessoas vítimas de acidentes de trânsito do que de homicídios. Os últimos dados que temos para confrontar, e que são de 2008, mostram isto. A partir desta constatação, decidimos agir: as mortes no trânsito se transformaram num problema de estado, numa questão de saúde pública. Tão importante quanto manter o controle sobre os homicídios, é importante que a gente crie estratégias para diminuir as mortes no trânsito. O governador Anastasia determinou que criássemos um programa aos moldes do que acontece no Rio de Janeiro. Uma equipe nossa foi, então, até o Rio para conhecer a experiência carioca. Aprendemos com eles e acredito que nosso programa está ainda melhor. As blitze em Minas terão a mesma intensidade e o mesmo rigor que no Rio de Janeiro. Por aqui, temos já tradição de fazer esse tipo de operação de maneira integrada: polícias civil e militar, mais o corpo de bombeiros. E, no caso de Belo Horizonte, contamos também com o apoio da BHTrans e da Guarda Municipal. Fizemos alguns testes, ao longo do primeiro semestre, para testar o modelo, e no dia 14 de julho iniciamos oficialmente o programa.

 

ENCONTRO – E qual o balanço das primeiras semanas? O número de acidentes diminuiu?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Os números foram espetaculares. No primeiro final de semana da campanha houve 30% menos acidentes de carro em Belo Horizonte em comparação com as semanas anteriores. Uma redução grande e que se deve, acredito, à ampla divulgação que a campanha recebeu na mídia.

E isto foi só na primeira semana. Eu faço sempre a comparação com a pedrinha jogada no lago: vai se expandindo, se expandindo. Com o passar do tempo, os números tendem a ser ainda melhores. Quando as pessoas se conscientizarem que as blitze serão permanentes, os números vão melhorar.

 

“As blitze em Minas terão a mesma intensidade e o mesmo rigor que no Rio de Janeiro. Por aqui, temos já tradição de fazer esse tipo de operação de maneira integrada: polícias civil e militar, mais o corpo de bombeiros”
 

 

ENCONTRO – Mas estas operações policiais serão mesmo permanentes? A campanha veio mesmo para ficar?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Posso garantir que sim. Não é apenas um teste ou uma campanha. E isso os belo-horizontinos têm que ficar sabendo: a partir de agora, vamos conviver de forma permanente com as blitze. Elas vão acontecer, neste primeiro mês, três vezes por semana: de quarta a domingo e em dias esporádicos. Agora, a cada semana o comitê gestor, que faz o controle do programa, se reunirá, e isto poderá mudar. Poderemos aumentar o número de dias.

 

ENCONTRO – Muitos motoristas alcoolizados já perderam a carteira?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Sim.

Só na primeira semana foram 668 abordagens e 64 pessoas perderam a carteira. E mais: 18 vão responder por crime. Como você sabe, se o motorista sopra o bafômetro e dá acima de 0,34mg/l, é considerado crime.

 

ENCONTRO – Alguns jornais afirmaram que as primeiras semanas da campanha foram muito brandas. O autor da Lei Seca, deputado federal Hugo Leal (PSC-RJ), chegou inclusive a afirmar que Minas tem aplicado a lei de forma incorreta. Como o senhor responde a essas críticas?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Nesta primeira fase, o motorista é convidado a sair do carro e a soprar o bafômetro. Ele sopra ou não sopra. Hoje, ele pode escolher. Se ele não soprar, mas tiver sinais evidentes de embriaguez a carteira dele é recolhida, suspensa por um ano, e ele é multado na hora em R$ 957. Se não tiver sinais de embriaguez, é liberado. Agora, se ele soprar é de acordo com o índice: até 0,12 a 0,22mg/l é multado e tem a carteira suspensa. Acima de 0,34mg/l ele tem a carteira suspensa e é criminalizado. A crítica que estamos recebendo é que no Rio se a pessoa não soprar, ela já é multada e a carteira é recolhida, mas não é suspensa. A pessoa pode ir ao dia seguinte no Detran e consegue a carteira de volta. Nós iremos agir da mesma maneira, mas só a partir do início do mês de agosto. Neste primeiro momento resolvemos agir assim.

 

ENCONTRO – Mas por que agir assim?

LAFAYETTE DE ANDRADA – A população ainda não estava acostumada com o controle. Por isso, no primeiro instante queremos mostrar para os motoristas que as blitze estão acontecendo. Em agosto não tem desculpa mais. Não soprou? Multa. Exatamente como já é no Rio de Janeiro.

 

ENCONTRO – Outro argumento utilizado por aqueles que são contra a Lei Seca é de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Como o senhor responde a isso?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Minha resposta é muito tranquila. O princípio que diz que ninguém é obrigado a produzir provas contra si é válido apenas para o direito penal. E essa multa que o motorista alcoolizado toma é uma multa administrativa. Eu dou um exemplo que explica bem a situação: se a Receita Federal pede um documento, você não pode deixar de entregá-lo sob o argumento de que “não vai produzir provas contra mim mesmo”. Se você não entrega, a Receita multa. É o mesmo caso desta multa.

 

ENCONTRO – A tese defendida por alguns advogados criminalistas, de que obrigar o motorista a soprar o bafômetro irá gerar uma enxurrada de ações na justiça, não tem então nenhum fundamento?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Não faz nenhum sentido. Esta é uma multa administrativa: você não está sendo julgado por conta disto.

 

“Vamos atuar nos bairros onde se concentram os barzinhos. O objetivo maior é que as pessoas se conscientizem de que não podem beber. Que as famílias tenham a tranqüilidade de sair de casa e não sejam atropeladas por um louco”
 

 

ENCONTRO – O senhor não acha que o governo de Minas demorou muito para adotar a Lei Seca?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Na verdade, as blitze sempre existiram. E continuam acontecendo. Sempre fizemos blitze. O que não havia era uma campanha de divulgação. E a falta de divulgação acabou levando as pessoas a respeitarem menos a lei. Em Minas, é verdade, a redução de acidentes nos últimos três anos, desde que a lei foi criada, foi mesmo pequena. Mas isto já está mudando.

 

ENCONTRO – Vocês estão enfrentando muito problemas com as chamadas “carteiradas”? Autoridades que não aceitam fazer o teste?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Elas já aconteceram, sim. Tivemos, na primeira semana, duas autoridades que foram paradas. Mas a ordem é muito clara: doa a quem doer, a lei é para todo mundo. Tanto que, quando começamos a campanha tinha gente que duvidava que iríamos fazer blitze em bairros centrais – como a Savassi ou Lourdes. Mas posso garantir: os locais preferenciais estão sendo estes. Vamos atuar nos bairros onde se concentram os barzinhos. E aí não tem divisão de classe, não. A lei é para todo mundo. O objetivo maior é que as pessoas se conscientizem de que não podem beber. Que as famílias tenham a tranquilidade de sair de casa e não sejam atropeladas por um louco.

 

ENCONTRO – No seu discurso de posse, o senhor disse que priorizaria alguns pontos, como a integração das polícias militar e civil e do corpo de bombeiros, a prevenção à criminalidade nas áreas de grande vulnerabilidade social e a intensificação das ações de combate ao crack. Qual o balanço que o senhor faz de sua gestão?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Minas Gerais, ao longo destes últimos sete ou oito anos, foi o estado que conseguiu a maior redução dos índices de criminalidade do país. Voltamos aos índices de 10 anos atrás. E nossa prioridade é continuar esta excelência. Temos um sistema de defesa social que hoje é referencia em todo o país. Para conseguirmos continuar combatendo a criminalidade, são necessários dois eixos fundamentais: a integração das polícias (que não deve ser confundida com fusão) e os programas de prevenção. E dentre eles, a grande vedete que é o Fica Vivo, que tem reconhecimento internacional da ONU e do BID . A UPP no Rio de Janeiro, inclusive, se inspirou neste modelo de Minas. O Fica Vivo conseguiu reduzir muito os índices de criminalidade. Junto, é claro, com o Gepar , um grupamento de polícia que é treinado para agir nestas áreas de risco. O Fica Vivo e o Gepar acabaram inspirando as UPPs cariocas.

 

ENCONTRO – No mês passado, o governo estadual entregou mil viaturas à polícia militar: 550 destinadas à capital e 450 a 19 cidades do interior. Quanto o governo investe em segurança?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Minas Gerais é o estado que mais investe, proporcionalmente, em segurança pública no país. Investimos quase 20% do orçamento. E isto refletiu nos números: estamos hoje, como já disse, com índices de criminalidade de 10 anos atrás. Além disso, temos investindo fortemente no sistema prisional.

 

ENCONTRO – O senhor tem números?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Tenho. Em 2003, antes de Aécio Neves assumir, o estado tinha cerca de 5 mil vagas. Hoje temos 29 mil. Temos uma população carcerária de quase 50 mil pessoas. O que foi feito? Ao longo destes oito anos, foi criada a Subsecretaria de Administração Prisional e que, no interior, foi assumindo as cadeias que pertenciam à polícia civil. Assim, a policia ficou livre para poder atuar. Claro que esta minha afirmação não é científica, mas há uma correlação: nós aumentamos a população carcerária e diminuímos a criminalidade. Tiramos os bandidos de circulação. Além disso, estamos ressocializando os presos: Minas é o estado que tem o maior número de presos trabalhando. Temos parcerias com mais de 300 entidades. Hoje nós temos cerca de 9 mil presos trabalhando.

 

ENCONTRO – E a questão salarial dos policiais? Como o governo pretende resolver a demanda dos salários da categoria?

LAFAYETTE DE ANDRADA – A questão salarial está resolvida. O governador apresentou os índices de reajuste dos próximos quatro anos e ele será de 100%. Minas será o primeiro estado que vai conseguir atender o que diz a PEC 300, que determina que a polícia tenha como salário mínimo 4 mil reais. Isto será feito ao longo de quatro anos. Além disso, o governador anunciou há pouco um concurso para 140 delegados. E teremos ainda concursos para escrivães e investigadores.

 

ENCONTRO – E a campanha do desarmamento? Ela tem conseguido números importantes no Estado?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Em junho, assinamos um acordo com o Ministério da Justiça, que é quem coordena a campanha. Antes do acerto, os postos de recolhimento de armas eram só na Polícia Federal. Em nosso estado, eram apenas nove. Com o convênio, também as polícias militar e civil vão recolher as armas. Teremos mais de 200 pontos de recolhimento.

 

ENCONTRO – Campanha de desarmamento ajuda mesmo a diminuir o índice de homicídios?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Uma das metas da polícia militar é a redução de homicídios e apreensão de armas de fogo. O que a gente verifica nos gráficos é que sempre que aumenta a quantidade de apreensão de armas de fogo, existe a diminuição de crimes violentos e, sobretudo, de homicídios. Existe uma correlação pelo menos empírica: menos armas circulando, menos crimes, menos violência.

 

ENCONTRO – O que o senhor pensa da nova lei do processo penal? Quando ela foi aprovada, alguns jornais chegaram a noticiar que mais de 100 mil presos seriam soltos.

LAFAYETTE DE ANDRADA – Ouvi muita bobagem. O que aconteceu? Mudou a cultura. Agora, só nos crimes de pequeno potencial e que são apenas de zero a quatro anos que o delegado vai poder soltar o prisioneiro mediante a fiança. Antes da lei, a pessoa presa em flagrante ficava presa. Existe até aquele exemplo de uma senhora que roubou uma lata de Leite Moça e ficou seis meses na cadeia porque era flagrante. Antes da lei, o sujeito ia preso por causa de uma briga na rua, por exemplo, e ficava 10 dias na cadeia. Eventualmente até dois meses. O advogado pedia, então, o relaxamento da prisão – já que ela era provisória. E quase sempre conseguia: só pode continuar preso quem já foi julgado e condenado. A partir de agora, essa pessoa, que ficaria 20 dias na cadeia, não ficará mais. Mas será liberada sob fiança, e se cumprir uma série de critérios: ser réu primário; ter bons antecedentes, endereço fixo, trabalho. Na prática, vai diminuir o fluxo de entrada de pessoas no sistema prisional.

 

ENCONTRO – E as tornozeleiras eletrônicas? Quando teremos presos em Minas monitorados com esta tecnologia?

LAFAYETTE DE ANDRADA – Estamos com um edital em andamento. Aqueles presos que têm progressão de regime vão ganhar a tornozeleira e com isto poderemos monitorar onde eles estão. Serão 800 presos até o final do ano na região metropolitana de BH.

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