Revista Encontro

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Fôlego novo

João Paulo Martins
None - Foto: Maíra Vieira

Quem passa pela avenida Amazonas, entre as ruas dos Aimorés e Mato Grosso, pode ver o estado caquético de cinco casarões antigos que formam um imponente conjunto arquitetônico em meio a uma região extremamente comercial. A situação degradante, no entanto, está prestes a mudar. Adquiridos em 2003 pela Sociedade Inteligência e Coração, empresa mantenedora do Colégio Santo Agostinho, os imóveis serão restaurados e toda a área será revitalizada.

 

“A ideia inicial era demolir para fazer estacionamento, mas como construímos a unidade do colégio em Nova Lima, mudamos os planos”, diz o gestor administrativo-financeiro da Sociedade, João Hilário. Na verdade, mesmo que o primeiro projeto tenha ficado de lado, foi feito um estacionamento que ocupa hoje a área correspondente aos quintais das casas. Mas é importante destacar que a obra não contraria as diretrizes impostas pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.

Prospecto da região a ser revitalizada
 

Segundo João Hilário, o projeto de revitalização já foi entregue à prefeitura e prevê restauração de quatro das casas e a construção de um moderno prédio de 16 pavimentos. Um dos imóveis, que não é tombado, mas possui registro documental (ou seja, está inserido em uma área considerada patrimônio) será demolido. “Os casarões serão restaurados e terão aproveitamento cultural, como biblioteca, para manter uma identidade histórica com o local”, explica o gestor. Segundo ele, ainda não foi definido se haverá alguma parte do projeto aberta ao público.

“Em princípio, tudo está voltado para os alunos do colégio”, diz.

 

O projeto está sob responsabilidade do escritório MFCamargos Arquitetura, e a intenção é recuperar o máximo possível a área interna das casas, sem necessidade de demolir paredes. Além disso, de acordo com a arquiteta e proprietária do escritório, Fátima Camargos, o prédio que será construído ficará afastado dos imóveis, com entrada voltada para a rua dos Aimorés. “Três andares serão destinados ao ensino de segundo grau do colégio: dois andares abrigarão salas de aula e, no pilotis, ficará a área de recreação. O restante do edifício será de salas alugadas”, completa.

 

O dinheiro dos aluguéis será revertido para as causas sociais da Sociedade Inteligência e Coração, que, além de três unidades do Colégio Santo Agostinho (BH, Nova Lima e Contagem), possui uma escola profissionalizante no bairro Barreiro, que atende a 1,3 mil alunos carentes. Vinculada à Igreja Católica, mais especificamente à ordem dos agostinianos, a Sociedade Inteligência e Coração atua ainda no Rio de Janeiro e em Bragança Paulista, interior de São Paulo, com projetos sociais e profissionalizantes. “Parte das verbas recebidas, incluindo as mensalidades dos colégios, é revertida para nossas ações”, diz João Hilário.

 

A importância histórica de quatro dos cinco casarões está ligada ao estilo arquitetônico eclético, muito comum em BH do período de sua inauguração e que perdurou até os anos 1930. Como o nome já diz, é uma mistura de características extraídas de várias fases da história da arte e arquitetura.

 

João Hilário, responsável pela obra de revitalização: “A ideia inicial era demolir para construir estacionamento, mas mudamos os planos”
 

 

No caso dos casarões da avenida Amazonas, é possível reconhecer os seguintes elementos: rústicos, com blocos irregulares de pedra aparente ou reboco com textura irregular; clássicos, com colunas toscanas e telhados com ponta em V; gótico, muito comum em igrejas, como a de Lourdes; moçárabe, remetendo às construções árabes, com destaque para colunelos (pequenas colunas) e janelas com fechamento em arcos; por fim, o colonial, com varandas, aberturas treliçadas (reticuladas) e grades com colunelos tortuosos. “Além disso, é reconhecível a presença de linhas retas e volumes movimentados em planos diversos, que já traduzem a presença de um estilo ‘protomoderno’ (variação do modernismo), talvez”, completa a professora de arquitetura da PUC Minas, Mônica Eustáquio Fonseca.

 

Os imóveis possuem características extremamente significativas para a região, mas o que chama a atenção da professora é o lamentável estado de degradação. “Essas casas representam uma admirável fase de nossa história, mostrando outro momento da apropriação de uma grande via de circulação, como é a Amazonas”, comenta.

 

Com exceção de um casarão que já foi extremamente desfigurado, e por isso não foi tombado, as demais residências conseguiram a proteção da Diretoria de Patrimônio Cultural de BH. A diretora de patrimônio cultural da prefeitura, Michele Arroyo, esclarece que a preocupação imediata é justamente a situação dos imóveis: “A cobertura com telhas, as fachadas, portas e janelas, escadarias de acesso, muros baixos, foram essenciais ao processo de tombamento e têm de ser mantidos”, esclarece.

 

Segundo ela, quando o colégio adquiriu os casarões, eles já estavam abandonados e em situação precária. Com o anteprojeto aprovado, o próximo passo da Sociedade Inteligência e Coração é enviar o levantamento arquitetônico das casas e apresentar o projeto de restauração e adaptação para novo uso.

 

 

Iniciativas como essa ajudam a preservar a história de Belo Horizonte, que, por ser uma cidade jovem e passar por um período de grande avanço imobiliário, deveria por obrigação coibir demolições desnecessárias. O conjunto tombado da Amazonas é o único do tipo nessa região da capital, que fica além da avenida do Contorno (ou seja, está fora da área planejada da cidade).
A característica degradada do lugar propiciou fatos curiosos. Um deles aconteceu quando a Sociedade Inteligência e Coração quis adquirir uma residência vizinha dos casarões, com o intuito de ampliar a área do empreendimento, e os donos não quiseram vender.

O motivo? Nesse imóvel funciona um bordel de luxo.

 

A expectativa é de que o processo de revitalização inaugure nova fase na região, atraindo outros empreendimentos. “Fizemos o levantamento estrutural das casas e queremos dar uma injeção de ânimo, pois quem está lá já passou maus momentos, devido ao ambiente ruim”, diz a arquiteta Fátima Camargos.

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