Revista Encontro

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"O Brasil está condenado ao sucesso"

Kátia Massimo*
None - Foto: Cláudio Cunha

A Nestlé brasileira é o retrato do dinamismo da economia do país. A companhia gera 19 mil empregos diretos, tem faturamento anual próximo de R$ 20 bilhões e cresceu, em média, o dobro do PIB nacional nos últimos anos. Não é sem razão que o CEO no Brasil, Ivan Zurita, ganhou notoriedade como um dos mais brilhantes executivos da atual geração. Ele assumiu a presidência em 2001 e sob seu comando a companhia deslanchou, tornando-se a segunda em volume de vendas no ranking mundial da Nestlé, atrás apenas dos EUA. Hoje os produtos da marca estão presentes em 98% dos lares brasileiros. Com estratégias comerciais e de marketing agressivas, a companhia soube aproveitar como nenhuma outra o momento favorável do mercado nacional, que incorporou 40 milhões de pessoas, especialmente das classes C e D, à massa de consumidores.

 

Zurita, paulista de 58 anos, contraria algumas máximas da administração do país: "Acho que o chefe deve ser amigo dos subordinados". Acreditando nisso, ele é do tipo que se encontra com os mais próximos fora do horário de trabalho, mas cobra com veemência o resultado que cada um produz. É convicto de que, com o potencial que o país oferece, quem faz a diferença são as pessoas.

“O limite de desenvolvimento de uma companhia é marcado por seus funcionários”, diz. “Mas é preciso haver estímulo; a pessoa precisa salivar para trabalhar”.

 

Ele próprio é exemplo dessa motivação. Assim que ingressou na empresa como estagiário, há 30 anos, teve a ousadia de dizer para o presidente da Nestlé, na época, que almejava, um dia, assumir o cargo máximo. Ouviu um esculacho. “Encarei a bronca como provocação construtiva”. Quer prova maior de que motivado é possível chegar lá?

 

Zurita falou a Encontro em Belo Horizonte, onde se reuniu com o governador Antonio Anastasia e recebeu homenagem na Assembleia Legislativa pelos 90 anos da companhia no país. Em Minas, a empresa gera 5 mil postos de trabalho, diretos e indiretos, e tem cinco unidades fabris em Montes Claros, Ituiutaba, Teófilo Otoni, São Lourenço e Ibiá.

 

ENCONTRO – Nenhuma companhia de alimentos no Brasil teve desempenho tão impressionante como o da Nestlé nos últimos anos. Por quê?

IVAN ZURITA – De fato tivemos velocidade de crescimento. Partimos de R$ 4,6 bilhões de venda bruta em 2001 e em 2011 vamos chegar a R$ 20 bilhões. Saímos de 7º lugar no ranking mundial da Nestlé e chegamos à 2ª. posição. Ganhamos mercado em 90% das categorias de produtos. É uma receita vencedora.

Nós dá satisfação ver que estamos crescendo em velocidade superior às demais. Mas foi um crescimento projetado. Pensamos 2010 lá em 2001, quando definimos quatro pilares de desenvolvimento. Primeiro, trabalhamos a eficiência por dentro. Ou seja: tecnologia aliada à formação, para que pudéssemos ter valor agregado na produção. Também aumentamos a nossa visibilidade, para aumentar o universo de clientes. Hoje, visitamos mais de 300 mil clientes e isso nos dá uma plataforma de penetração interessante. Outro pilar é a comunicação, que também trabalhamos de forma diferenciada, buscando relação mais estreita com o consumidor. O último pilar é inovação e renovação, que eu chamo de agressividade comercial. Tudo suportado por equipe aguerrida, bem treinada, vencedora.
A economia do país ajudou e o resultado está aí.

 

ENCONTRO – No ano passado, o senhor anunciou investimentos de R$ 1 bilhão no Brasil e crescimento próximo de 10%. Mas veio a crise mundial. Esses números vão se confirmar?

IVAN ZURITA – Nossa meta é crescer, todos os anos, pelo menos o dobro do PIB brasileiro. Temos como desafio atingir todas as camadas da sociedade e estimular o aumento do consumo per capita dos nossos produtos. Fazemos isso investindo em inovação, em novos produtos. Para isso, o valor dos investimentos deverá atingir ou até superar um pouco o que foi previsto, considerando projetos comerciais e de investimentos. Temos 31 unidades fabris e o recurso se destina a essas fábricas. Quanto ao crescimento, não estamos ainda com dois dígitos, mas certamente chegaremos lá até o fim do ano. Os últimos meses do ano são os de maior demanda para nós.

 

 

 

ENCONTRO – E o que os senhor espera para os próximos 10 anos?

IVAN ZURITA – Todo ano planejamos os próximos 10 anos, e o Brasil tem posição de destaque. Estamos acostumados a superar crises, não tivemos medo de nos expor e os investimentos estão entrando no Brasil em volume bem maior do que antigamente. As regras do jogo mudaram, as posturas do governo mudaram e temos a sorte de ter, nos últimos anos, bons governantes que realmente sustentaram esse país. Isso faz a diferença. Então, tudo mostra que estamos em uma vitrine e se soubermos aproveitar, podemos mudar de patamar. Agora, eu acho que daqui a 10 anos, aquele que não entender que o Brasil mudou e que é hora de redescobrir o país vai ficar de fora.

 

ENCONTRO – Dentro do grupo, como o Brasil é visto?

IVAN ZURITA – O país passou a ser uma das prioridades do grupo Nestlé por ser uma nação jovem, por ter potencial e poder aquisitivo para se desenvolver. Não podemos esquecer que temos mais de 30 milhões de pessoas ainda fora do mercado. A partir do momento que essa massa se incorporar a ele, será uma explosão de consumo. E fazendo uma comparação com os países do BRIC, eu diria que a China tem um bilhão e meio de habitantes. Já nós temos 190 milhões de consumidores. Essa é a diferença. Nós temos mentalidade de consumo, somos um país aberto, democrático. Estamos muito na frente.

 

ENCONTRO – É um grande potencial de crescimento?

IVAN ZURITA – Mas não é um país para principiante. Eu costumo dizer que aqui precisamos ter o diploma da universidade da incerteza, e tem que ter coragem de ser empreendedor para fazer acontecer nesse país. É um país aberto, onde os players precisam saber jogar ou não devem postular esse tipo de atividade. No caso da Nestlé, temos uma postura de conhecimento de 90 anos de Brasil. Eu costumo dizer que a empresa é multinacional, mas de sabor local. Temos operações em todos os estados e as vendas cobrem todo o país. Temos 220 mil pessoas no campo que trabalham para nós através das fábricas, além de 44 mil fornecedores. Assim, conhecemos bem o país, através dos nossos fornecedores e parceiros.

 

"A China tem um bilhão e

meiode habitantes. Nós temos

190 milhõesde consumidores.

Isso faz diferença"

 

 

ENCONTRO – Para sustentar o crescimento será preciso investir em novas unidades?

IVAN ZURITA – Não podemos perder velocidade de mercado. Os investimentos são intensivos e cada 3% de crescimento nos leva a uma fábrica nova. Hoje, estamos presentes em 18 categorias diferentes de consumo, com 145 marcas. É o maior mix da Nestlé no mundo. É algo realmente grandioso. E tem também o aspecto social. Se hoje deixássemos de vender, estaríamos desempregando mais de 2O mil pessoas. Isso sem falar que somos a empresa que mais paga impostos neste país na área de alimentos. Então, estamos totalmente identificados com o Brasil. E temos claro onde queremos chegar. Sabemos que crescer, em média, o dobro do PIB brasileiro é uma meta agressiva, mas factível. O sonho se realiza desde que seja factível de alcançar. O Brasil não impõe limites. O limite está nas pessoas que operam. Então estamos entusiasmados com nosso futuro aqui.

 

ENCONTRO – E quanto ao futuro da empresa em Minas?

IVAN ZURITA – Temos cinco importantes fábricas no estado. Mais de um bilhão de litros de leite por ano são captados em Minas e também operamos, por ano, mais de dois milhões de sacas de café de produtores mineiros. No ano passado, as vendas cresceram 80% no mercado mineiro e esse ano, até o momento, o crescimento já é de 50%. Não é pouco. Tudo isso é resultado de mais investimento no estado, de política comercial mais agressiva, de maior cobertura de clientes.

 

ENCONTRO – Tudo isso significa uma nova fábrica para o estado?

IVAN ZURITA – Nós investimos R$ 107 milhões em Minas nos últimos anos. Não quero antecipar nada, mas faz parte dos nossos planos continuar investindo e expandindo a nossa área fabril. Entre as fábricas instaladas aqui, temos a de leite moça, em Montes Claros, que é a mais eficiente do grupo. Para se ter uma idéia, vendemos, por segundo, sete latas de leite condensado no Brasil, todas produzidas em Montes Claros. A fábrica não para. São 365 dias por ano e 24 horas por dia produzindo leite condensado. Já a fábrica de Ituiutaba é a que individualmente tem o maior processamento diário entre as demais do país.

 

ENCONTRO – Como foi a conversa com o governador Anastasia?

IVAN ZURITA – Tivemos a oportunidade de estar com o governador Anastasia, exatamente trocando ideias de investimentos. O governo está aberto à captação de recursos e tem uma gestão governamental que ajuda muito. São pessoas maduras e com interesse público de criar novos postos de trabalho. Somos grandes geradores de impostos em Minas e vamos continuar crescendo. A conversa com o governador teve o objetivo de levar a ideia de otimismo do nosso grupo em relação ao estado.

 

ENCONTRO – Minas é o estado tradicionalmente produtor de leite e café, produtos que são pilares para a companhia. Nessa perspectiva de planejamento futuro, que horizonte o senhor enxerga para o produtor?

IVAN ZURITA – Vamos falar de lácteos, que é o pilar mais importante e abrangente. O que precisamos é de abertura de mercado e de acordos bilaterais que possam, inclusive, desenvolver a leiteria no exterior. O Brasil há muitos anos começou a exportar leite, mas estamos travados e, por isso, não expandimos as exportações. Estamos travados por causa do Mercosul, porque somos obrigados a negociar em bloco. Nós não temos acordos bilaterais com a China, por exemplo. E a China pode aumentar a produção e a produtividade do leite produzido no Brasil. O mercado chinês cresce todo ano. É pelo menos um copo a mais de leite por ano para cada chinês. Imagina o que poderíamos exportar para lá e hoje não fazemos isso porque não temos acordo. O Brasil tem 50 acordos bilaterais, enquanto o México tem 300. É preciso liberar os mercados. Para isso, falta decisão política.

 

ENCONTRO – Indiscutivelmente, o senhor é um dos mais festejados executivos do mercado corporativo. Os números provam isso. O que o senhor diria hoje para aquele jovem que está saindo da faculdade e ingressando no mercado de trabalho, e que almeja um dia chegar à presidência de uma multinacional?

IVAN ZURITA – Primeiro tenho que cumprimentá-lo por ter nascido neste país. Um país jovem, de oportunidade. O Brasil tem 20% da área do planeta e 90 milhões de hectares por cultivar em um mundo onde, em 2040, iremos precisar do dobro de alimentos. Então eu digo que o Brasil está condenado a ter sucesso. Aliado a isso, a pessoa precisa ter ambições, saber o que quer, se formar e buscar atingir seu objetivo. Aí o caminho está aberto. Em uma companhia aberta como a nossa, trabalhamos para crescer e abrir novas oportunidades para todos os colaboradores que postulam uma posição.

 

"É preciso liberar os mercados

para ampliar as exportações de

leite. Mas falta decisão política"

 

 

ENCONTRO – O senhor iniciou como estagiário...

IVAN ZURITA – O limite de desenvolvimento de uma companhia como a Nestlé é marcado por seus funcionários, por aquilo que cada um faz e produz. No caso da carreira é assim. Você supera a concorrência interna, agregando valor ao que faz e superando os demais. O que aconteceu comigo no passado é que, ainda estagiário, ao ser repreendido pelo presidente da empresa por dizer que almejava a cadeira dele, tomei isso como um estímulo. E a conquista é muito estimulante. Você tem de acordar de manhã e salivar para trabalhar. Se você não tem saliva é porque não gosta do que faz. Eu tive uma provocação que foi construtiva. Em 2001, quando assumi o comando, o presidente daquela época me visitou. Estava sentado na cadeira que foi dele e tive a oportunidade de agradecer pelo estímulo.

 

ENCONTRO – E agora, como é liderar 20 mil pessoas?

IVAN ZURITA – Eu comparo a função de um CEO dentro de uma empresa à de um maestro. Não precisa saber tocar todos os instrumentos, mas precisa ter ouvido para identificar quando a orquestra sai do ritmo. O importante é ter uma equipe boa. Eu tenho uma superequipe. Mas é preciso que ela tenha motivação. Somos muito democráticos, temos a comunicação aberta, as pessoas se sentem confortáveis. A companhia é sólida e transparente. Por outro lado, trabalhamos para dar resultado aos acionistas. Este é o nosso desafio diário. Mas me sinto muito confortável com a estrutura, com o pessoal.

 

ENCONTRO – Como o senhor define seu estilo de liderança?

IVAN ZURITA – Sou empreendedor e visionário. Jamais me sinto derrotado, porque encaro os problemas e barreiras como algo que temos de enfrentar. É o que me motiva. Não tenho medo de errar e assumir os erros com humildade. Por outro lado, não sou do tipo atirado. Vejo as oportunidades, mas com os pés no chão. Também me considero motivador. Sou contra a teoria que muitos pregam de que não se pode ser chefe e amigo. Acho que pode, desde que cada um saiba exatamente o que fazer, a hora de fazer e o resultado que tem de gerar. Amo essa empresa como se fosse minha, e por isso às vezes até exagero. Dedico 12, 14 horas por dia a essa organização, mas com satisfação. Vejo duas maneiras de você fazer resultado: administrar a miséria ou gerar riqueza. Eu prefiro a segunda opção. É mais difícil, porém mais sustentável no tempo.

 

ENCONTRO – Na atualidade, qual o melhor político do Brasil?

IVAN ZURITA – É aquele que pensa primeiro nas classes menos favorecidas. Em um país com um potencial como o nosso, país rico como o nosso, a pobreza deveria sair de moda. O melhor político é o que pensa no básico primeiro. Isso é pensar no país.

 

ENCONTRO – O senhor tem bom relacionamento com o ex- governador e atual senador Aécio Neves. O senhor acha que ele seria um bom presidente da republica?

IVAN ZURITA – Acho que sim. Ele já comprovou a sua capacidade de gestão, de vida pública. Penso que a pessoa que postula cargos importantes precisa ter administrado estados importantes. Acho que o Aécio é bom exemplo de político moderno. É ativo, tem carisma pessoal e acredito que pode nos representar bem.

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